Uma publicação lançada esta semana pelo Greenpeace mostra que, para atender às exigências do mercado, algumas das maiores indústrias de alimentos e redes varejistas do Brasil já adotaram a utilização de produtos não-transgênicos. O relatório “Mercado Brasileiro: a Indústria de Alimentos e Transgênicos” relata a experiência de 13 grandes empresas do setor (Batavo, Brejeiro, Caramuru, Ferrero, Imcopa, Josapar, Perdigão, Sadia, Sakura, Unilever, Carrefour, Pão de Açúcar e Sonae) que resolveram não mais utilizar organismos geneticamente modificados. Juntas, elas têm faturamento anual de mais de 54,7 bilhões de reais (sem contar as receitas de quatros delas, que não divulgaram seus dados financeiros).
Durante o lançamento do relatório, em São Paulo, representantes de duas das empresas (Caramuru e Imcopa) que integraram o estudo apontaram as vantagens de se trabalhar com produtos livres de transgênicos. “Optamos pelos não modificados geneticamente em setembro de 2000. É uma alternativa que nos possibilita atender a um mercado diferenciado”, diz César Borges de Souza, vice-presidente da Caramuru, maior processadora de grãos do Brasil de capital integralmente nacional. Para evitar a compra de matérias-primas que contenham ingredientes transgênicos, a empresa adota um sistema de rastreamento da soja chamado Hard Identity Preserved (clara preservação da identidade). Em 2005, foram realizados aproximadamente 42.500 testes de amostragem.
Sobre a origem da matéria-prima utilizada, Souza garante que a empresa somente adquire grãos que vêm de plantações sustentáveis. “Compramos soja principalmente dos estados de Goiás e Mato Grosso. Temos a preocupação de não obter da Amazônia, a fim de contribuir para a preservação desse bioma”, destaca. Ele informa que a Caramuru está buscando certificar-se junto à Associação Pró-Terra, que garante que a soja vem de propriedades onde não há desmatamento, trabalho infantil ou escravo e uso descontrolado de agroquímicos. A experiência da certificação é compartilhada pela Imcopa, produtora de derivados de soja como farelo, óleo e lecitina, que trabalha exclusivamente com produtos não-transgênicos desde 1998.
Com capacidade para processar 2,6 milhões de toneladas do grão por ano (volume oito vezes maior do que quando ainda não trabalhava com a soja convencional), a Imcopa tem 95% de seu produto exportado para países da Europa e Ásia. “Produtos não-transgênicos ainda são mais valorizados pelos estrangeiros, mas o consumidor final brasileiro também já está mais criterioso”, opina o gerente do Departamento de Qualidade da empresa, Luiz Regi.
Cada vez mais, consumidores de todo o mundo estão optando pelos produtos que não contêm matéria-prima transgênica. Pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) em 2004 apontou que 70% dos brasileiros não se sentem motivados a comprar produtos feitos com transgênicos. No ano anterior, o Ibope tinha mostrado que 92% dos consumidores brasileiros acham que os alimentos fabricados com organismos modificados geneticamente têm de ser rotulados. A tendência se estende para outros países. Na Rússia, por exemplo, 95% da população são contra os transgênicos ou se preocupam com o assunto – conforme mostra o relatório do Greenpeace.
A política de adoção dos organismos não alterados geneticamente parece muito mais comercial do que ambiental. As empresas do setor devem se adaptar às exigências de mercado, mas também são sujeitas ao vai-e-vem da oferta de matéria-prima. Com a aprovação da Lei de Biossegurança em 2005, que abriu caminho para a liberação do plantio e da comercialização de variedades transgênicas de soja no Brasil, a quantidade de grãos modificados tem crescido no mercado – em detrimento dos não-transgênicos. “As empresas são dinâmicas. Estamos avaliando o volume de não-transgênicos que teremos disponível no próximo ano. Podemos vir até a dedicar uma de nossas instalações aos transgênicos”, afirma Souza, da Caramuru.
Assim como a Caramuru, a Imcopa não descarta a possibilidade de trabalhar com organismos modificados no futuro. Mas, independentemente das oscilações do mercado, o relatório do Greenpeace conclui que não há dificuldades técnicas insuperáveis para a opção pelos grãos convencionais. E diz mais: além de viável, o negócio pode ser lucrativo. Pelo menos por enquanto.
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