Reportagens

Contradições petistas

Propostas ambientais feitas pela base do Partido dos Trabalhadores reconhecem falhas e detalha planos. Mas quando inseridas no programa de governo de Lula, elas se perdem.

Gustavo Faleiros ·
15 de setembro de 2006 · 18 anos atrás

O programa de governo do candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva parece caminhar em sentido contrário ao que pregam os ambientalistas do Partido dos Trabalhadores. Em vez da política ambiental integrada, o que transparece no plano geral do Lula é a separação entre temas indissociáveis.

Eis alguns exemplos: no tópico política energética coloca-se a determinação de licenciar e construir as usinas hidrelétricas do Rio Madeira e de Belo Monte, enquanto no capítulo de meio ambiente há apenas a vaga orientação de se “dar continuidade à adequação ambiental das políticas de desenvolvimento e de projetos de infra-estrutura.” Já no tema Política Industrial, promete-se ênfase na biotecnologia e energias renováveis, mas não se estabelece qualquer conexão com as propostas ambientais de “regulamentar a Lei de Acesso aos Recursos Genéticos” ou de “incentivar o uso de tecnologias limpas por meio de financiamento e desoneração.” A pior contradição, entretanto, é a colocação de que a legislação ambiental deve ser “simplificada”. “É um equívoco sem tamanho”, classificou um ambientalista com influência nas rodas do governo.

A contraditória política ambiental no plano de governo de Lula reflete um descompasso entre as propostas que foram disponibilizadas ao público e aquelas que foram discutidas na base do PT. O partido possui uma Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento (SMAD), responsável pela elaboração do programa da área ambiental. Ali, sob a coordenação de Gilney Viana, atual secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, e Valmir Ortega, diretor de Ecossistemas do Ibama, militantes do PT elaboraram o plano cujo mote é ter “política ambiental integrada para o desenvolvimento sustentável”.

O que isso exatamente quer dizer pode talvez ser depreendido das palavras da ministra Marina Silva, proferidas durante o primeiro seminário do PT para debater o programa ambiental, em meados de agosto. “Neste mandato cuidamos da agenda emergencial e trabalhamos pela transversalidade, agora temos que inserir a questão ambiental no modelo de desenvolvimento.” Mas ao tomar o programa de governo de Lula como exemplo, nota-se que o meio ambiente está longe de ser prioridade nas políticas de desenvolvimento.

O programa elaborado pelo SMAD, que foi resumido ao extremo no plano geral de Lula, foi intitulado provisoriamente de “Cuidando do Nosso Brasil” . Ele aponta que a principal diretriz será a articulação em torno das políticas de desenvolvimento sustentável. Isso implicaria numa convergência maior entre os temas sociais e ambientais. “Sem sustentabilidade sócio-ambiental não há desenvolvimento”, diz o documento. As propostas, neste sentido, estão concentradas em cinco agendas: “Educação e Cidadania Socioambiental”,“Conservação e Uso Sustentável dos Recursos Naturais”, “Políticas de Infra-estrutura e Qualidade de Vida Urbana”,“Ambiental Global” e “Sustentabilidade na Economia”

Tímido

Adriana Ramos, coordenadora de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), avalia que o programa da área ambiental de Lula é “tímido” pois os petistas perceberam que o plano de quatro anos atrás era muito ambicioso. “É um programa modesto, apropriado para um segundo mandato, pois se viu que não foi possível fazer tudo”, diz.

De fato, a modéstia não poderia estar mais explicita do que na meta estabelecida para o combate ao desmatamento ilegal na Amazônia. Diz o programa que a derrubada da floresta deve permanecer inferior à média registrada no período 2003-2006. O que é uma meta ruim uma vez que a taxa de desmatamento de 2003/2004 foi a segunda pior da história (26mil km2 de floresta desmatados) e a tendência para este ano ainda é alta.

No programa ambiental, a Lei de Gestão de Florestas Públicas e “a exuberante criação de unidades de conservação” (sic) são apontados como políticas estruturais para reverter o desmatamento. Mas como diz Roberto Smeraldi, da Ong Amigos da Terra, “os efeitos só serão comprovados no longo prazo.”

Ambientalistas

Outro ponto é a desatenção com as outras matas brasileiras. “Agora, em vez de simples continuidade do programa, caberia abrir horizontes”, observou em comentários ao programa do PT o professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, Donald Sayer. Ele afirma que a concentração de programas com recursos internacionais para a proteção da Amazônia “condenou o Cerrado e outros biomas”. Para ele, está na hora de ir “além dos limites da Amazônia Legal” e estabelecer planos de sustentabilidade para outras regiões.

No seminário “Brasil e seus Rumos”, que as principais Ongs do país organizaram entre os dias 4 e 6 de setembro em Brasília, um alguns especialistas do Cerrado foram enfáticos nas propostas. Se o Cerrado perde grandes áreas todos os anos, ele deve ter um programa de monitoramento tão importante quanto o da Amazônia. Mas não há sequer uma citação ao Cerrado no programa de Lula, assim como não há da Caatinga, dos Pampas ou da Mata Atlântica.

Na proposta que as ONGs elaboraram para ser um plano de política ambiental para o próximo governo, a estratégia de financiamento tem destaque especial. Ela é considerada a chave para combater o desmatamento. O problema é que nas áreas mais prósperas, e onde a devastação é maior, o crédito está na mão de empresas e bancos privados. Seria preciso obrigar instituições financeiras a serem mais restritivas com os produtores que promovem atividades degradantes.

O crédito sustentável é meta no programa escrito pela base do PT, mas não foi abordado no programa consolidado de Lula, que, por outro lado, não deixa de mencionar os incentivos que dará para os produtores agrícolas “em prazos e custos adequados”.Em resumo: mais contradições.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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