Reportagens

Papo “brabo”

Em sua estratégia de “destravar” as obras de infra-estrutura favoritas, Lula continua tratando o meio ambiente como mordomo de filme policial: é sempre o culpado de tudo.

Gustavo Faleiros ·
24 de novembro de 2006 · 18 anos atrás

É público e notório que o presidente Lula se empolga quando faz discursos de improviso. Ataca inimigos políticos, afaga aliados, diz o que pode e o que não pode. Esta semana, em um destes momentos de exaltação, disparou frases que despertaram os sinais de alerta do movimento ambientalista de todo país.

“Eu estou me dedicando, neste mês de novembro e neste mês de dezembro, para ver se eu pego todos os entraves que eu tenho com o meio ambiente, todos os entraves com o Ministério Público, todos os entraves com a questão dos quilombolas, com a questão dos índios brasileiros, todos os entraves que a gente tem no Tribunal de Contas, para tentar preparar um pacote, chamar o Congresso Nacional e falar: “Olha, gente, isso aqui não é um problema do presidente da república, não. Isso aqui é um problema do país”, disse Lula na inauguração de uma fábrica de biodiesel de soja na última terça-feira, em Barra dos Bugres (MT). Para piorar, o presidente tinha ao seu lado o governador Blairo Maggi, ganhador do trófeu motosserra de ouro graças ao espetacular desempenho dos desmatadores em seu estado e o mais novo aliado do governo do PT.

A manifestação presidencial gerou turbulências imediatas. No dia seguinte já havia cartas e artigos nos principais jornais do país acusando Lula de estar pronto para gerar desenvolvimento a qualquer custo. O Instituto Socioambiental (ISA) preparou uma nota pública em que critica o presidente por seu tratamento nada cordial com o debate ambiental. Já na interpretação do Greenpeace, Lula quer achar razões para explicar outros problemas que estão atrasando o tão cobiçado crescimento econômico. “O meio ambiente é como o mordomo do filme, é sempre o culpado. Mas se as questões ambientais fossem o único problema, por que nenhuma das parcerias público-privadas do governo (PPP) saiu do papel”, questiona o diretor de Políticas Públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão.

Como é de praxe nas ocasiões em que Lula solta o verbo contra os famigerados “entraves ambientais”, a equipe do Ministério do Meio Ambiente corre para colocar panos quentes. Na quinta, dia 23 de novembro, a ministra Marina Silva abriu a reunião do Fundo Nacional do Meio Ambiente em Brasília com um discurso que mais parecia um lembrete ao companheiro presidente. “Desenvolvimento só se for com sustentabilidade”, frisou algumas vezes. O Ibama também soltou uma resposta ao bafafá armado pelo alto mandatário. Divulgou um balanço do setor de licenciamento onde se via que não há nenhuma pendência ou má vontade nas obras que estão sendo licenciadas. Gasodutos, estradas, hidrelétricas, estão todos sendo analisados dentro dos prazos estabelecidos. Foi como dizer “se há entrave ambiental, nós não temos nada a ver com isso.”

Mal entendido

Para o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Claudio Langone, pode estar havendo um grande mal entendido nesta história toda. Ele explica que a fala em Barra do Bugres foi uma consequência direta de uma reunião entre o presidente e ministros no Palácio do Planalto no último dia 17 de novembro. Langone, que participou do encontro como ministro interino de Meio Ambiente, conta que durante quase 10 horas os presentes listaram todos os problemas que impedem a conclusão de 120 obras no país. Através desta revisão, Lula soube que os chamados de “entraves ambientais” são, na verdade, problemas judiciais.

Os licenciamentos de obras, como os do gasoduto Coari-Manaus e da usina hidrelétrica de Belo Monte, estão interrompidos por ações judiciais que questionam a competência do órgão licenciador. A partir destes exemplos, os ministros conseguiram convecer o presidente de que seria importante enviar ainda este ano um projeto de lei que especifique o papel de cada ente federado no processo de licenciamento. Além disso, Lula quis saber se o Ibama sofria com a falta de pessoal no setor de licenças. Como a resposta foi positiva, o presidente mandou que o Ministério do Planejamento liberasse a chamada de 300 funcionários do Ibama já concursados. “Não houve qualquer cobranças quanto a prazos de obras que estão sendo analisadas”, garante Langone.

A diretora de Direito Socioambiental do ISA, Adriana Ramos, argumenta que Lula “marcou pontos” na reunião da semana passada. Para ela, pela primeira vez, o presidente teve uma posição boa em relação ao meio ambiente. “Ele colocou todo mundo na mesa e acabou acatando a maior parte dos argumentos da área ambiental”, analisa. Já Sérgio Leitão, do Greenpeace, questiona a estratégia de se enviar um projeto de lei como solução ao problema. “Todo governante que não sabe o que fazer, manda leis ao Congresso, pois aí a culpa já não é mais dele.”

Adriana aponta que se a reunião há uma semana foi boa, o discurso do dia 21 foi um desastre. A questão-chave agora é descobrir quais exatamente são os planos de Lula. A usina nuclear Angra 3, por exemplo, é foco de discórdia dentro do governo. No encontro de ministros, Silas Rondeau, de Minas e Energia, e Langone, deixaram bem claro ao presidente que seus ministérios têm posições completamente opostas sobre a liberação da obra. Caberá então a Lula decidir se vale a pena continuar com o processo de licenciamento. Outros projetos de grande porte, como as usinas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, e o asfaltamento da BR-319 (Porto Velho-Manaus), na Amazônia ocidental parecem seguir o curso normal das regras de licenciamento.

Mas sobre as costas do presidente pesa sua promessa de fazer o PIB subir 5% ao ano. A palavra do momento no vocabulário do chefe da república é “destravar o crescimento”. Pelas declarações de Lula e reuniões que promove, está claro que o primeiro passo nesta estratégia é “destravar” as obras de infra-estrura. Muitas delas, entretanto, exigem licenciamentos ambientais cuidadosos e, quem sabe, demorados, como são os casos das usinas hidrelétricas do rio Madeira e do rio Xingu. Resta saber se Lula aceitará ouvir dos orgãos licenciadores que algumas destas obras, por razões ambientais, terão que continuar para sempre travadas.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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