Reportagens

Seguro morreu de velho

Ibama estuda impor um seguro a visitantes de parques nacionais. A medida serve para resguardar o órgão em eventuais ações na Justiça, mas deve demorar para virar obrigação.

Rodrigo Nery ·
4 de janeiro de 2007 · 18 anos atrás

Para reduzir o número de processos movidos contra o Ibama por conta de acidentes em Parques Nacionais, o governo estuda a imposição de um seguro obrigatório para seus visitantes. Parte dos custos possivelmente seriam embutidos no preço do entrada, à maneira do que ocorre no Parque Nacional do Iguaçu (PR), onde os ingressos são cobrados por uma concessionária, a Cataratas do Iguaçu S/A. O coordenador de unidades de conservação do Ibama, Pedro Eymar, garantiu que as discussões ainda estão no início, mas esta hipótese é a que ganhou mais força. “Até o momento, foi a solução mais viável surgida nas discussões”, diz.

A procuradoria do Ibama acha que a adoção de métodos como a assinatura de termo de responsabilidade para visitantes, no qual assumem o risco pelo que fazem num parque, não serve como escudo legal para o órgão. O esquema é desautorizado pelo Código de Defesa do Consumidor e por essa razão a recomendação de Brasília aos gestores de unidades de conservação é deixar o termo de lado. Mesmo assim, alguns parques como o da Chapada dos Veadeiros usam o documento. Não por rebeldia, mas por falta de alternativa no curto prazo. Pelo menos lá o visitante sabe logo de cara que está entrando em área onde quem manda é a natureza e isso, eventualmente, pode envolver algum perigo.

Até 2005, foram registrados 64 acidentes em Parques Nacionais – 19 com mortes. Mas nem todos foram levados à Justiça. E segundo funcionários e a assessoria de imprensa do Ibama, até hoje apenas um caso de acidente ocorrido em unidade de conservação terminou com a condenação do órgão. Ele aconteceu no dia 24 de setembro de 1999, no Parque Ecológico Córrego Grande, em Florianópolis, Santa Catarina. Por volta das 16 horas, o professor universitário Roberto Besnoik, 36 anos, e seu filho Josué Besnoik, de apenas três anos, assistiam a uma apresentação folclórica de Boi-de-mamão no parque quando uma tempestade súbita dispersou a platéia.

Roberto e Josué correram em busca de abrigo debaixo de árvores. Mas ventos de até 111,2 km/h derrubaram um eucalipto nas proximidades que estava corroído por cupins. A árvore caiu sobre pai e filho, matando-os na hora. Viúva de Roberto e mãe de Josué, a também professora Aurora AkikoKawahara culpou o Ibama – responsável pela administração do parque – pela tragédia, e recorreu à Justiça no ano seguinte. Seis anos depois, ganhou indenização de R$ 200 mil por danos morais e mais o pagamento mensal equivalente à metade dos rendimentos do marido até setembro de 2023, quando ele completaria 65 anos, por danos materiais.

A Justiça considerou que era responsbilidade do órgão certificar-se de que o parque era seguro para os visitantes e alertá-los de quaisquer riscos. O superintendente do Ibama em Santa Catarina, Luiz Ernesto Trein, lembra que, nesse caso, mesmo que a tese de um seguro obrigatório já tivesse sido implementada, ela talvez não tivesse efeito algum sobre os visitantes de Córrego Grande. A entrada é gratuita. “Não teriamos como cobrar o valor do seguro”, diz Trein.

Condenações em cascata

Se a solução para a questão de acidentes em parques nacionais demorar muito a ser encontrada, avisa o presidente da comissão de direito ambiental da seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Wanderley Ribeiro, a condenação do Ibama poderá repercutir também nos órgãos estaduais. Ribeiro acredita que a decisão favorável a Aurora pode abrir um precedente para sentenças semelhantes. “A súmula vinculante (mecanismo que obriga juízes de instâncias inferiores a seguirem decisão anteriores de juízes de instâncias superiores) ainda está em discussão, mas é praticamente certo que será aprovada. Se isto acontecer, a decisão da Justiça Federal de Santa Catarina pode ser usada como parâmetro em casos que apresentarem as mesmas características e a sentença pode ser reproduzida na Justiça Estadual”, alerta.

Outras tragédias também levaram o Ibama aos tribunais, mas o órgão evitou a condenação. Em fevereiro de 1999, na Chapada dos Veadeiros, o médico goiano Mário César Rezende, habituado a freqüentar as trilhas do parque, acabou morrendo na cachoeira Salto do Rio Preto. Ele foi avisado por um guia do risco, mas mesmo assim mergulhou sob a queda d´água de 80 metros. Foi surpreendido por uma cabeça d´água e seu corpo foi encontrado 18 metros abaixo do nível da água. Sua viúva, Maria Alves da Silva, entrou na Justiça, mas o caso acabou decidido em favor do Ibama.

Em Brasília, dois casos de afogamento também acabaram nos tribunais. Em 1996, ficou provado que havia 12 salva-vidas do Corpo de Bombeiros ao redor da piscina, que não conseguiram salvar uma criança que foi ao fundo durante um ataque de epilepsia. No segundo, uma menina de menos de três anos de idade afogou-se ao após ser deixada à beira d’ água pela mãe, que foi ao banheiro. “Nos dois casos, houve processo, mas o Ibama foi inocentado”, lembrou Elmo Monteiro, antigo administrador do parque e atualmente coordenador do Prevfogo. “Há até casos de suicídios em parque, nem todas as mortes que acontecem são acidentes trágicos. É muito triste, mas nem tudo justifica um processo”, afirma.

Em 2006, um homem processou a superintendência do Ibama em Brasília por ter sido atacado por macacos-pregos, de olho no seu lanche, no Parque Nacional de Brasília. Segundo Marivaldo Santana, chefe-substituto do parque, apesar de avisos dos funcionários e de placas recomendando que não alimentem os animais, visitantes insistem em dar comida aos macacos. “Quando vêem alguém comendo qualquer coisa, eles tentam pegar porque foram acostumados a isso. Já freqüentam a área em torno da piscina do parque porque as pessoas dão comida. Nem tudo está ao alcance da administração”, lamenta.

* Rodrigo Nery é jornalista no Rio de Janeiro.

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