Dois estrangeiros em visita ao Brasil na segunda semana de março colocaram o debate sobre biocombustíveis na boca do povo. O presidente americano, George Bush, catalizou a euforia de que o etanol brasileiro possa se tornar um produto valioso em tempos de aquecimento global. Já o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, verbalizou as preocupações de que um surto de produção de biocombustíveis possa causar degradação ambiental na Amazônia. Entre o entusiamo e a preocupação, existem no Brasil pesquisas avançadas em busca de processos que possam extrair da maior floresta tropical do mundo a energia verde.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ligada ao Ministério da Agricultura, é o instituto mais empenhado em desenvolver variedades vegetais que possam ampliar a produção de biocombustíveis na Amazônia. Há um ano, a estatal criou uma unidade dedicada a carburantes agrícolas, a Embrapa Agroenergia, sediada em Brasília e cujo orçamento é de 5 milhões de reais em 2007. Sua estratégia para a Amazônia é descobrir e desenvolver a maior variedade possível de oleaginosas e também de plantas nativas para a produção de combustíveis.
No momento, a expectativa maior da Embrapa refere-se à palma do dendê. A unidade da estatal na Amazônia Ocidental já produz 600 mil sementes da palmeira africana em seu campo experimental nas proximidades de Manaus, no Rio Urubu, onde um banco de germoplasma é mantido há algumas décadas. A Embrapa possuí uma produção não comercial de biodiesel que é processada em uma pequena usina do Instituto Militar de Engenharia. O óleo é distribuído a moradores isolados em regiões do Amazonas, mas a maioria da produção de sementes é vendida à empresa Agropalma, que possuí cerca de 34 mil hectares de dendê plantados no Pará. Outra parte é exportada para a Colômbia.
Um grupo de pesquisadores tem feito experimentos em busca de uma variedade mais produtiva de dendê, além de resistente a uma doença chamada amarelecimento fatal. O estudo busca a produção de sementes híbridas entre o dendê, que é originário da África, e o caiué, uma palmeira brasileira. Um dos coordenadores do projeto, o pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental Ricardo Lopes, afirma que o dendê ainda não está no ponto de se tornar uma grande cultura na Amazônia, pois não existem unidades agroindustriais para processar o fruto. “Hoje para se ter escala é preciso plantar no mínimo 500 hectares”, diz ele. No futuro, Lopes espera que seja possível agregar pequenos produtores à uma cadeia mais bem estruturada.
Em termos de balanço energético, o dendê é a opção mais viável nos dias de hoje. Por ser uma cultura perene, as palmeiras não causam liberação de carbono na preparação do solo e no uso de maquinário, o que ocorre em uma lavoura anual de soja, girassol ou mamona. A Embrapa calcula ainda que é preciso pelo menos 10 vezes mais quantidade de terra para extrair da soja a mesma quantidade de óleo obtida com o dendê. “Produzir biodiesel é mole, qualquer gordura vegetal ou animal se transforma em combustível. Mas para ser sustentável é preciso ter um balanço enérgico positivo”, observa Segundo Urtiaga, pesquisador da Embrapa Agrobiologia.
Dendê X soja
De acordo com o pesquisador e coordenador de agroenergia da Embrapa Soja, João Flávio Veloso, usar soja na Amazônia para a produção de biocombustíveis não é sustentável. Nas estratégia da estatal, a soja só deve ser base de produção onde ela já atingiu escala em grandes propriedades. Ou seja, no Centro-Oeste e Sul do país. “Pode ser que num primeiro momento tenhamos produção de biodiesel com soja por conta da competividade, de sua escala, mas o principal do grão é a proteína e não o óleo”, diz Veloso. Ele explica que, para a Amazônia, a visão é que se possa produzir com o maior número de espécies nativas, entre elas a palmeira tucumã. O problema é que diferentemente da soja, da canola, do girassol e da mamona, o processo de transformação do tucumã em biodiesel ainda não está plenamente desenvolvido.
Veloso está entre os muitos pesquisadores da Embrapa que vê no dendê a melhor alternativa. A produção, ele garante, é pensada para ocorrer fora de qualquer área de preservação permanente e não causar novos desmatamentos, como aconteceu na Indonésia. O caso do país asiático está sendo largamente estudado por pesquisadores da Embrapa. Lá, a implantação de grandes áreas de plantio da palmeira em áreas de floresta tropical provocou emissão de carbono pelos desmatamentos e preparação do solo maior do que a absorção do gás durante o crescimento das palmeiras. Portanto, se criou uma nova fonte de poluição.
A Embrapa quer que no Brasil o dendê seja usado como forma de recuperação de solos degradados na Amazônia. Uma parceria entre a unidade de Belém (Amazônia Oriental) e a Embrapa Agrobiologia trabalha para desenvolver variedades que aumentem a fixação natural de nitrogênio no solo. Atualmente, a reabilitação de áreas abandonadas demandaria uma larga quantidade de adubos artificiais. A pesquisa consiste em promover uma simbiose entre o dendê e as bactérias que possam quebrar moléculas de nitrogênio presentes no ar, ajudando assim a fixar o elemento no solo.
Os experimentos são feitos em uma zona de mineração de bauxita no Pará. A mineradora contratou a Embrapa para que a ajude a cumprir um Termo de Ajustamento de Conduta para a recuperação de 300 hectares por ano. A bauxita é retirada das camadas mais superficiais do solo e a pesquisa tenta devolver a fertilidade da terra plantando dendê. “Acreditamos que será até mesmo uma alternativa econômica para a região no futuro, que hoje vive exclusivamente da renda da mineração”, pondera um dos pesquisadores do projeto, Alexander Resende, da Embrapa Agrobiologia.
Pólos produtores
A diretora-executiva da Embrapa, Tatiana de Abreu Sá, argumenta que o segmento agroenergético sintetiza as mudanças de estratégia da empresa estatal nos últimos anos. Criada em 1973 pelo governo militar, a Embrapa surgiu para aplicar os conhecimentos da chamada revolução verde, que disseminou no mundo insumos agrícolas artificiais a fim de permitir um aumento na produção de alimentos. Agora, garante Tatiana, a função da empresa é estudar recursos naturais do Brasil e permitir que sejam usados de forma sustentável. “Surgimos para dar suporte à ocupação da Amazônia, mas agora a fronteira é outra, é a de valorização do capital natural”.
Segundo ela, a estratégia pensada para o desenvolvimento de uma produção sustentável de biocombustíveis na Amazônia é a criação de pólos produtores (clusters) que envolvam pequenos assentamentos em regiões onde já houve desmatamento. As margens da rodovia Transamazônica no Pará seria um local para um experimento, revela a diretora da Embrapa. Ali a pecuriazação das colônias é cada vez maior e a introdução da produção de biocombustíveis poderia ser uma forma de barrar a expansão do rebanho bovino em direção à floresta. Para isso, a estratégia é integrar a lavoura à pecuária, fazendo uma rotação entre culturas que fixem nitrogênio nos pastos. Isso evitaria a erosão rápida de solos e a consequente migração do rebanho.
A pesquisadora do Centro de Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (INPA), Ires Miranda, acha que a produção de biocombustíveis tem duas facetas para a preservação da floresta. Será postivo a criação de um sistema que utilize parte dos 70 milhões de hectares já desmatados na Amazônia. “Acredito que a maior contribuição para o desenvolvimento de forma sustentável é fixar o homem nas terras já desmatadas, evitando com isso a migração e mais desmatamento”. Por outro lado, será preciso valorizar as espécies nativas para proteger a biodiversidade local. “Na Amazônia, a introdução de uma planta exótica em grandes extensões é um grande risco, em virtude do desequilibrio ambiental que pode causar”, ela pondera. Hoje a floresta é um grande laboratório. É esperar que nenhuma experiência fuja de controle.
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