A Ong Conservação Internacional analisou os impactos sócio-ambientais de 13 projetos considerados prioritários pela Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e pelo Plano Plurianual (PPA) do governo federal. Segundo o estudo, quase metade das áreas de unidades de conservação do Brasil será afetada diretamente por esses projetos de infra-estrutura nacionais e intercontinentais, a maior parte na Amazônia.
A área total de influência das obras será de 2,5 milhões de quilômetros quadrados, atingindo 137 unidades de conservação (47 de proteção integral e 90 de uso sustentável), 107 terras indígenas e 484 áreas prioritárias para a preservação da biodiversidade brasileira. Na Amazônia, 322 áreas entre as mais ricas em espécies estarão expostas a pressões antrópicas. Sem contar as 145 áreas protegidas fora dos limites do Brasil.
Criada em 2000 na Cúpula dos Presidentes realizada em Brasília, a IIRSA teve o início de suas atividades efetivas em 2004, quando os chefes de Estado se encontraram em Cuzco, no Peru. Com o objetivo de se criar uma rede de infra-estrutura para ligar fisicamente os países sul-americanos, estreitar seus laços econômicos e facilitar o fluxo de pessoas, foi definida a Agenda de Implementação Consensual (AIC) para os anos entre 2005-2010.
“A motivação (para o estudo) foi fazer uma análise para ver o impacto destas novas obras e ver o que isso poderia afetar em áreas que deveriam ser conservadas”, afirma Paulo Gustavo do Prado Pereira, diretor de Política Ambiental da CI. A fala resume bem o que está escrito no documento de 42 páginas, recheado de tabelas, publicado na revista Política Ambiental, editada pela própria Ong.
O texto resume os treze projetos planejados, em desenvolvimento ou já concluídos pela Iniciativa (que tem investimentos dos governos dos países integrantes, setor privado e instituições financeiras multilaterais) e PPA (orçamento geral da União) e PAC que podem, potencialmente, alcançar juntos áreas consideradas prioritárias para a conservação. Baseado em projetos parecidos do passado, o documento alerta que conflitos ambientais e de cunho social podem se ampliar por causa “do aumento do desmatamento, da grilagem, (…) da incidência e exposição de doenças contagiosas (…) e da redução dos serviços ambientais”. Os 13 projetos selecionados englobam três tipos diferentes de infra-estrutura: hidrelétricas, vias de transporte e portos.
Complexo do Rio Madeira
A área de impacto das usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, foi considerada a mais crítica. Além delas, o IIRSA inclui no projeto as eclusas das duas hidrelétricas e uma linha de transmissão que as liga ao sistema central. Engana-se quem pensa que a idéia é só produzir energia. “O impacto é continental porque permite a ligação do centro do continente para o Pacífico e o Atlântico, um corredor de exportação para a soja entrar na Bolívia, por exemplo. Isso incentiva a produção em áreas que hoje estão preservadas”, lembra Isabela Freire, especialista em Política Ambiental da CI .
Apesar de causar impactos em pássaros, peixes, mamíferos, répteis e anfíbios da região às margens do rio, o Complexo do Rio Madeira é uma rota fundamental para um plano mais amplo da IIRSA: a construção de redes de transporte fluvial e rodoviário com saída direta para os dois oceanos. O medo salientado no estudo vem daí. Segundo o texto, Furnas e Odebrecht, empresas responsáveis pela construção das hidrelétricas, afirmam que as obras acarretarão um estímulo para a produção de 25 milhões de toneladas de soja por ano no país. O número equivale a 80 mil km2 de área de expansão da agricultura mecanizada. Neste caso, para que as leis sejam cumpridas e as reservas legais e áreas de proteção perrmanente preservadas, as propriedades privadas deveriam ter mais de 400mil km2 juntas, uma área maior do que a da própria região.
Rotas de degradação
Na região de Santarém, no Pará, já existe o conturbado porto da Cargill, que depois de muito fecha-não-fecha foi reaberto sob a condição de apresentar, depois de 7 anos de funcionamento, um estudo de impacto ambiental, ou EIA-RIMA. Além deste ponto de exportação, a ampliação do porto de Belém, o aumento das atividades na hidrovia Madeira-Amazonas e a planejada pavimentação da BR-163, devem transformar Santarém em uma saída estratégica em direção ao norte de Mato Grosso e também aos oceanos Pacífico e Atlântico. Apesar da cultura da soja e destas instalalações já terem descaracterizado o meio ambiente na região, deve ocorrer nova expansão da fronteira agrícola por causa desta possível posição estratégica , diz o estudo.
Segundo o documento, o investimento em rodovias e pontes que ligam Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa feito pela IIRSA pode causar sérios problemas ambientais porque cortam áreas até então intangíveis e sem governança, como lembra Pereira. O texto escrito por ele e outros nove especialistas defende que a abertura para o mar do Caribe, possibilitada por essas edificações, atrairá parceiros nada agradáveis, como garimpeiros, migrações, tráfico de drogas, endemismo de doenças tropicais, entre outros.
Além disso, o PPA e o IIRSA têm em suas pastas a previsão de uma rodovia que liga Corumbá (MS) a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, e outra entre Madeira e a Hidrovia Paraguai-Paraná. Não será nenhuma surpresa se a região se transformar em um extenso corredor de exportação, o que pode implicar na implantação do pólo minero-siderúrgico de Corumbá e uma expansão agrícola à la Centro-Oeste brasileiro.
É basicamente de cenários preocupantes que se faz o documento. Por mais que alguns possam ser exagerados, trata-se se projetos faraônicos que estão sendo viabilizados. Quanto a possível indagação sobre a existência de estudos de impacto ambiental para esta obra, Isabela Freire tem a resposta na ponta da língua. “Eles têm o básico, que é o EIA-RIMA. O problema é que ele só analisa o impacto na hora da construção, não tem uma visão regional analisando as obras que vieram antes e as que vêm depois”, diz.
Prado ressalta que apesar de os projetos serem planejados em conjunto para a ligação regional e intercontinental, o mesmo não acontece em relação aos impactos, analisados isoladamente no contexto de cada obra, “ como se não tivessem relações entre si na escala regional”, como descreve a CI em seu site oficial. A Ong cita como exemplo o EIA/RIMA do Complexo Hidrelétrico do Rio do Madeira, no qual foram omitidas as futuras linhas de transmissão. A omissão levou o Ministério Público a pedir a anulação do licenciamento.
A Conservação Internacional enfatiza em seu estudo que o problema não são as perspectivas de desenvolvimento econômico do governo, já que elas têm que existir. Mas a forma como elas estão sendo executadas. Segundo Freire, as estruturas até então planejadas não distribuem renda, não preserva os biomas naturais e privilegia setores já fortes da economia, com o acréscimo do comércio de grãos, por exemplo. São quatro as regiões que recebem maior enfoque no documento e que, segundo ele, receberiam grande impacto em função de ainda estarem relativamente intactas: o Complexo do Rio Madeira (RO), a região de Santarém (PA), o Escudo das Guianas e o Pantanal boliviano.
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