Reportagens

Arrastão ambiental

Estudo mostra impactos que as obras de infra-estrutura anunciadas por governos sul-americanos podem provocar ao meio ambiente . Áreas preservadas na Amazônia serão as mais afetadas.

Felipe Lobo ·
3 de maio de 2007 · 18 anos atrás

A Ong Conservação Internacional analisou os impactos sócio-ambientais de 13 projetos considerados prioritários pela Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e pelo Plano Plurianual (PPA) do governo federal. Segundo o estudo, quase metade das áreas de unidades de conservação do Brasil será afetada diretamente por esses projetos de infra-estrutura nacionais e intercontinentais, a maior parte na Amazônia.

A área total de influência das obras será de 2,5 milhões de quilômetros quadrados, atingindo 137 unidades de conservação (47 de proteção integral e 90 de uso sustentável), 107 terras indígenas e 484 áreas prioritárias para a preservação da biodiversidade brasileira. Na Amazônia, 322 áreas entre as mais ricas em espécies estarão expostas a pressões antrópicas. Sem contar as 145 áreas protegidas fora dos limites do Brasil.

Criada em 2000 na Cúpula dos Presidentes realizada em Brasília, a IIRSA teve o início de suas atividades efetivas em 2004, quando os chefes de Estado se encontraram em Cuzco, no Peru. Com o objetivo de se criar uma rede de infra-estrutura para ligar fisicamente os países sul-americanos, estreitar seus laços econômicos e facilitar o fluxo de pessoas, foi definida a Agenda de Implementação Consensual (AIC) para os anos entre 2005-2010.

“A motivação (para o estudo) foi fazer uma análise para ver o impacto destas novas obras e ver o que isso poderia afetar em áreas que deveriam ser conservadas”, afirma Paulo Gustavo do Prado Pereira, diretor de Política Ambiental da CI. A fala resume bem o que está escrito no documento de 42 páginas, recheado de tabelas, publicado na revista Política Ambiental, editada pela própria Ong.

O texto resume os treze projetos planejados, em desenvolvimento ou já concluídos pela Iniciativa (que tem investimentos dos governos dos países integrantes, setor privado e instituições financeiras multilaterais) e PPA (orçamento geral da União) e PAC que podem, potencialmente, alcançar juntos áreas consideradas prioritárias para a conservação. Baseado em projetos parecidos do passado, o documento alerta que conflitos ambientais e de cunho social podem se ampliar por causa “do aumento do desmatamento, da grilagem, (…) da incidência e exposição de doenças contagiosas (…) e da redução dos serviços ambientais”. Os 13 projetos selecionados englobam três tipos diferentes de infra-estrutura: hidrelétricas, vias de transporte e portos.

Complexo do Rio Madeira

A área de impacto das usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, foi considerada a mais crítica. Além delas, o IIRSA inclui no projeto as eclusas das duas hidrelétricas e uma linha de transmissão que as liga ao sistema central. Engana-se quem pensa que a idéia é só produzir energia. “O impacto é continental porque permite a ligação do centro do continente para o Pacífico e o Atlântico, um corredor de exportação para a soja entrar na Bolívia, por exemplo. Isso incentiva a produção em áreas que hoje estão preservadas”, lembra Isabela Freire, especialista em Política Ambiental da CI .

Apesar de causar impactos em pássaros, peixes, mamíferos, répteis e anfíbios da região às margens do rio, o Complexo do Rio Madeira é uma rota fundamental para um plano mais amplo da IIRSA: a construção de redes de transporte fluvial e rodoviário com saída direta para os dois oceanos. O medo salientado no estudo vem daí. Segundo o texto, Furnas e Odebrecht, empresas responsáveis pela construção das hidrelétricas, afirmam que as obras acarretarão um estímulo para a produção de 25 milhões de toneladas de soja por ano no país. O número equivale a 80 mil km2 de área de expansão da agricultura mecanizada. Neste caso, para que as leis sejam cumpridas e as reservas legais e áreas de proteção perrmanente preservadas, as propriedades privadas deveriam ter mais de 400mil km2 juntas, uma área maior do que a da própria região.

Rotas de degradação

Na região de Santarém, no Pará, já existe o conturbado porto da Cargill, que depois de muito fecha-não-fecha foi reaberto sob a condição de apresentar, depois de 7 anos de funcionamento, um estudo de impacto ambiental, ou EIA-RIMA. Além deste ponto de exportação, a ampliação do porto de Belém, o aumento das atividades na hidrovia Madeira-Amazonas e a planejada pavimentação da BR-163, devem transformar Santarém em uma saída estratégica em direção ao norte de Mato Grosso e também aos oceanos Pacífico e Atlântico. Apesar da cultura da soja e destas instalalações já terem descaracterizado o meio ambiente na região, deve ocorrer nova expansão da fronteira agrícola por causa desta possível posição estratégica , diz o estudo.

Segundo o documento, o investimento em rodovias e pontes que ligam Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa feito pela IIRSA pode causar sérios problemas ambientais porque cortam áreas até então intangíveis e sem governança, como lembra Pereira. O texto escrito por ele e outros nove especialistas defende que a abertura para o mar do Caribe, possibilitada por essas edificações, atrairá parceiros nada agradáveis, como garimpeiros, migrações, tráfico de drogas, endemismo de doenças tropicais, entre outros.

Além disso, o PPA e o IIRSA têm em suas pastas a previsão de uma rodovia que liga Corumbá (MS) a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, e outra entre Madeira e a Hidrovia Paraguai-Paraná. Não será nenhuma surpresa se a região se transformar em um extenso corredor de exportação, o que pode implicar na implantação do pólo minero-siderúrgico de Corumbá e uma expansão agrícola à la Centro-Oeste brasileiro.

É basicamente de cenários preocupantes que se faz o documento. Por mais que alguns possam ser exagerados, trata-se se projetos faraônicos que estão sendo viabilizados. Quanto a possível indagação sobre a existência de estudos de impacto ambiental para esta obra, Isabela Freire tem a resposta na ponta da língua. “Eles têm o básico, que é o EIA-RIMA. O problema é que ele só analisa o impacto na hora da construção, não tem uma visão regional analisando as obras que vieram antes e as que vêm depois”, diz.

Prado ressalta que apesar de os projetos serem planejados em conjunto para a ligação regional e intercontinental, o mesmo não acontece em relação aos impactos, analisados isoladamente no contexto de cada obra, “ como se não tivessem relações entre si na escala regional”, como descreve a CI em seu site oficial. A Ong cita como exemplo o EIA/RIMA do Complexo Hidrelétrico do Rio do Madeira, no qual foram omitidas as futuras linhas de transmissão. A omissão levou o Ministério Público a pedir a anulação do licenciamento.

A Conservação Internacional enfatiza em seu estudo que o problema não são as perspectivas de desenvolvimento econômico do governo, já que elas têm que existir. Mas a forma como elas estão sendo executadas. Segundo Freire, as estruturas até então planejadas não distribuem renda, não preserva os biomas naturais e privilegia setores já fortes da economia, com o acréscimo do comércio de grãos, por exemplo. São quatro as regiões que recebem maior enfoque no documento e que, segundo ele, receberiam grande impacto em função de ainda estarem relativamente intactas: o Complexo do Rio Madeira (RO), a região de Santarém (PA), o Escudo das Guianas e o Pantanal boliviano.

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

Leia também

Notícias
19 de novembro de 2024

G20: ato cobra defesa da Amazônia na pauta do encontro dos chefes de Estado

A Amazônia está de olho" reuniu mais de 100 ativistas neste domingo (17), no Rio de Janeiro, para pressionar líderes presentes no G20 a tomar ações concretas para conservação da maior floresta tropical do mundo

Reportagens
19 de novembro de 2024

Declaração do G20 frustra ao não mencionar fim dos combustíveis fósseis

Documento faz menção ao fim do desmatamento e aumento de ambição no financiamento climático, mas organizações pediam sinais mais diretos

Podcast
19 de novembro de 2024

Entrando no Clima#38 – G20 e COP29 se encontram em Baku

Declaração Final do G20 ecoou nos corredores da COP29, no Azerbaijão, e especialistas repercutem os posicionamentos do fórum econômico

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.