É cada vez mais difícil encontrar tambaquis (Colossoma macropomum) para pescar perto de Manaus. E os exemplares que chegam ao porto para serem vendidos nas feiras estão ficando menores com o passar dos anos. Isto é o que indica estudos feitos pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Os pesquisadores também acharam motivos para se preocupar também com outra espécie admirada nas mesas amazônicas, a matrinxã (Brycon amazonicus). Ainda há dúvidas sobre as causas para a redução dos estoques e dimensões das duas espécies. Mas a certeza geral é que elas estão associadas à pesca excessiva.
No caso do tambaqui, a hipótese mais provável é que a pesca da espécie não esteja respeitando seu período de reprodução. “Uma outra alternativa é que eles estejam sendo capturados muito jovens, antes de reproduzirem. “, afirma o doutor em Ciências Biológicas Rosseval Leite, do Inpa. Na década de 80, os pesqueiros que aportavam em Manaus desembarcavam entre 6 a 8 mil toneladas do peixe por ano. Entre 2003 e 2005, esta média caiu para 1 mil tonelada ao ano. E o tamanho do tambaqui já não impressiona como antes. Se entre os anos 70 até 1985 a média por espécie variava de 15 a 20 quilos, hoje a maior parte dos peixes expostos na feira da Panair, Centro de Manaus, tem entre 4 e 6 quilos e cerca de 40 centímetros de comprimento.
“É um sinal de que o estoque adulto está desaparecendo”, afirma o vice-coordenador do Projeto Piatam, Carlos Edwar Freitas, professor da faculdade de Ciências Agrárias da Ufam. Miguel Petrere Júnior, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) conta que, devido à dificuldade de encontrar o peixe perto de Manaus, pescadores vão até a boca do Rio Juruá, em uma viagem de 3.500 quilômetros, ou 7 mil quilômetros de ida e volta, em busca do peixe. “É a maior rota pesqueira de água doce do mundo”, destaca Petrere. “Isto demonstra que estão ficando raros e que perto de Manaus não tem tambaqui. Estão matando mais do que está nascendo”, conta o especialista.
A queda no volume de tambaquis ocorre também em outras regiões da Amazônia, como Rondônia, onde a pesca do peixe está suspensa para a recuperação dos estoques. Coletas de larvas feitas pelo pesquisador Rosseval Leite, do Inpa, confirmam que o tambaqui é cada vez mais raro nas águas próximas ao Manaus. Ele coleta amostras há 15 anos perto da cidade e há 3 anos iniciou estudos em um trecho maior do Rio Solimões, até a cidade de Coari, a 320 quilômetros de Manaus. Os dados, segundo ele, podem representar o que está acontecendo em toda a extensão do rio, até mesmo no Peru. No Médio Solimões, o pesquisador tem encontrado apenas entre 7 a 8 larvas a cada 10 mil litros de água. O número é baixo, pois cada fêmea de tambaqui pode colocar até 1 milhão de ovócitos.
Paliativos
Outro peixe bastante consumido da Amazônia, a matrinxã, também tem tudo para estar passando pelo mesmo drama que aflige os tambaquis. “Os levantamentos realizados no rio Solimões/Amazonas, entre Coari e Manaus, têm revelado uma densidade muito baixa de larvas matrinxã”, afirma o cientista. Ele descarta a possibilidade de que o desmatamento seja a razão para os problemas que estes dois peixes estão enfrentando. “Se fosse o desmatamento, outras espécies estariam em queda. Mas não é o que está ocorrendo, por exemplo, com o jaraqui, o pacu e a branquinha”. Este ano, ele deve iniciar mais estudos para confirmar a causa desta redução.
Freitas diz não ter observado alteração no desembarque de matrinxã em Manaus. Ele explica que os dois peixes têm ciclos de vida bastante diferentes e o estoque do matrinxã pode variar muito de um ano para outro, conforme as condições ambientais. “Ele tem uma sazonalidade muito grande, devido ao ciclo de vida curto, e chega ao tamanho de maturação sexual muito rápido”, conta o professor. A maturidade sexual da matrinxã ocorre entre 1 e 1,5 ano, quando o peixe está com cerca de 30 centímetros. A desova ocorre entre dezembro e abril. No auge da cheia, em junho, as larvas se espalham por deriva pelas áreas de várzea alagadas, onde encontram bastante comida.
“Quando a enchente é boa, há muita várzea e, consequentemente, no ano seguinte, muito peixe. Mas quando a enchente é fraca, há pouca várzea”, diz Freitas. Já o tambaqui demora três anos para chegar a chamada L50, quando metade dos indivíduos estarão com cerca de 50 centímetros e portanto aptos a se reproduzir. Em 8 e 10 anos, o tambaqui vai atingir 70 centímetros. Por isto, apesar de o defeso proteger a época da desova, indivíduos que ainda não estão em fase de reprodução podem estar sendo capturados durante a época de pesca liberada, provocando redução no estoque. Os dois pesquisadores concordam neste ponto: o defeso de seis meses não é suficiente para garantir a manutenção do estoque do tambaqui.
É apenas um paliativo que não resolve o problema, devido à fiscalização deficiente. Quando o defeso acaba, os pescadores tendem a pilhar seus estoques em excesso para compensar o tempo em que ficaram impedidos de pescá-los. “O estoque está tão baixo que não se recupera”, afirma Freitas. A falta de tambaqui não é apenas um problema para a cadeia alimentar dos humanos na Amazônia, mas para a própria floresta de várzea, onde o peixe se alimenta. Até a maturação sexual, o peixe se alimenta de fitoplâncton e arroz da várzea (Oryza perennis). A partir daí, come frutos, como a seringa e o tucumã, servindo como dispersor das sementes. “O tambaqui é um plantador de florestas”, define Petrere.
* Vandré Fonseca é jornalista.
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