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Constatar que a Amazônia está sendo ameaçada por atividades de grande impacto não é exatamente simples, mas os satélites estão aí para ajudar. Difícil mesmo é mostrar que também a situação não está nada boa debaixo do tapetão verde das áreas habitadas e supostamente preservadas. Para a conservação, essa situação chega a provocar danos ainda mais preocupantes do que as pressões de corte raso ou queimadas, por exemplo. Foi isso que revelou o pesquisador Carlos Peres em palestra primorosa proferida na noite desta segunda-feira, em Foz do Iguaçu.
Professor da Universidade de East Anglia com experiência de mais de duas décadas de pesquisa na Amazônia, ele coloca em dúvida a sustentabilidade ambiental das áreas protegidas habitadas. Isso inclui terras indígenas, unidades de uso direto como reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável e também unidades de proteção integral, como parques e reservas biológicas. Afinal, não é possível ignorar que, mesmo ilegalmente, muitas comunidades vivem dentro dessas áreas. Mas Peres se ateve à problemática da caça na Amazônia. De acordo com ele, trata-se da mais significativa atividade de extrativismo que existe em termos de pressão no ambiente – depois da madeira, claro.
Peres defende em suas análises que a sustentabilidade da caça depende do tamanho das áreas protegidas, da densidade populacional que elas abarcam e da distribuição espacial das pessoas, seja em vilas, aldeias ou pequenos núcleos. Aliás, o perfil de pressão sobre a fauna não difere substancialmente entre índios, caboclos e colonos quando essas mesmas características são observadas. “Todos os estudos feitos até hoje mostram que na Amazônia não existe caça esportiva. Quem caça é porque precisa”, diz, categórico.
Com precisão matemática, o pesquisador apresentou o resultado de complexas análises que demonstraram a dimensão do impacto da caça na região. Nos 120 pontos de avaliação citados foi considerada a caça a qualquer animal com mais de um quilo, de dia e de noite. As pesquisas mostraram que a empreitada é bem sucedida, para azar da fauna, dependendo do tamanho do bicho e do crescimento populacional na área. E, em conseqüência, a ausência desse animal no ambiente acarreta o aumento ou a diminuição de outras espécies.
“Quando a densidade populacional é baixa, tende-se a caçar mais animais de grande porte. E, conforme as comunidades crescem, os maiores bichos vão desaparecendo e eles passam a procurar animais menores”, diz. Em muitos casos na Amazônia, são verificadas extinções locais por causa disso. De acordo com Peres, há lugares no Peru onde as comunidades chegaram a um ponto de consumir massivamente carne de rato. A quantidade de espécies diminui rápido. “Cada vez mais se apela para a caça de animais menores e de alta fecundidade, conforme a demanda humana”.
A diminuição da fauna, embora não seja visível e óbvia em curto prazo, compromete de maneira crítica as florestas. Com menos animais, a dispersão de sementes é prejudicada, por exemplo. As pesquisas indicam ainda que a significativa redução no número de animais em uma determinada área, esteja protegida ou não, ocorre nas situações em que existe pelo menos uma pessoa a cada 10 quilômetros (0,1 quilômetros quadrados) na Amazônia.
Para verificar, portanto, a dimensão dos impactos da caça sobre áreas protegidas na Amazônia, Peres levou também em consideração o tempo de velocidade do caçador (a pé, em canoas ou barcos), supondo que, de uma forma geral, ele não supere determinada distância na mata porque, no fim do dia, ele precisa retornar para casa. Isso permitiu que os pesquisadores envolvidos nesses estudos traçassem perfis de influência da caça na mata, mesmo sem enxergar. A partir de uma determinada distância, supõe-se que a caça não exista, e essas áreas servem como “fontes” de animais, que abastecem as regiões mais próximas dos domicílios, atingidas pela atividade.
Tamanho é documento
Só que a presença dessas áreas “fontes”, que garantem a viabilidade da caça, também depende de outro fator: o tamanho da área protegida e a proximidade com demais núcleos de habitação. Segundo Peres, pode-se considerar a salvo de impactos severos sobre a caça áreas superiores a 100 mil hectares. Áreas menores do que isso se revelaram 100% caçadas. E é por muito pouco que essa medida não condena reservas extrativistas ou de desenvolvimento sustentável que já nascem menores do que isso.
“Se você tiver uma área de 50 mil hectares colada em outra unidade de um milhão, por exemplo, tudo bem. Mas se for uma reserva isolada, mas que daqui a 50 anos estará cercada por desmatamento, aí é problema”, explica. O importante é existir áreas “fontes”, que equilibrem as pressões de caça. A distribuição espacial das pessoas, como se viu, também é determinante, mas na Amazônia ainda não foi estudada suficientemente. “O que sabemos é que a distribuição também depende do padrão sócio-econômico de cada unidade. Nas reservas extrativistas baseadas em seringais a distribuição é espalhada por causa das colocações”, exemplifica.
E, claro, dependem do crescimento da população ao longo dos anos nessas áreas, algo difícil de se atingir na maioria das reservas extrativistas, mas não nas terras indígenas, conforme Peres. “Muita gente gosta de dizer que no Brasil tem muita terra para pouco índio, mas na verdade poucas áreas têm dinâmica sustentável por causa da caça. A maioria das nossas reservas tem densidade humana superior a 0,1km2”, revela. Peres finalizou a apresentação destacando que o desafio da ocupação humana na Amazônia é comum às demais áreas de florestas tropicais do mundo. Mas a situação é mais grave quando se trata de unidades de conservação. Depois do que disse, a sensação de preocupação e admiração por tantas e tão complexas análises se instalou entre os que assistiram a palestra. Como solução, Peres sinalizou com aquilo que todos já sabem. “Só redes de unidades de grande porte são a chave para manejar os recursos de fauna”, disse.
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