A proposta de criação de uma reserva extrativista com 600 mil hectares, a Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi, entre Roraima e Amazonas, descansa na mesa da ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Há cinco anos, os ribeirinhos que vivem na região mais preservada do rio Jauaperi acreditam que a área vai ser mais bem cuidada dessa maneira. O governo roraimense pensa diferente. Planeja criar cinco assentamentos rurais, construir uma estrada e incentivar a agricultura naquelas terras. Proposta para a proteção integral é que não há.
O Jauaperi é um rio de águas escuras que nasce próximo à fronteira de Roraima com a Guiana. Corre pelo sul do estado, numa área já bastante desmatada, até se aproximar do baixo rio Branco e desaguar no rio Negro, comportando-se como uma divisa natural entre Roraima e Amazonas. O Jauaperi e seus afluentes banham uma região de floresta primária de igapós, onde ainda existem muitos jacarés, ariranhas, botos e peixes-bois. “É uma região considerada de alta relevância para a preservação da biodiversidade”, diz Francisco Oneizete, analista ambiental do Ibama em Roraima.
Carlos Durigan, coordenador executivo da Fundação Vitória Amazônica, aposta na eficiência da reunião de diversos tipos de unidades de conservação na região, com a participação da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi. “Ela vai fazer parte de um grande mosaico que inclui áreas de proteção integral e de desenvolvimento sustentável localizadas na bacia do rio Negro”, defende.
Os ribeirinhos fazem coro. “É o único modelo em que temos garantia de permanecer na área e de explorar os recursos naturais de maneira sustentável”, defende Francisco Parede, presidente da Associação dos Artesãos de Itaquera, a comunidade mais ao sul de Roraima. De acordo com a proposta do governo federal, a reserva extrativista vai ocupar 200 mil hectares no Amazonas e 400 mil em Roraima, cortados de Norte a Sul pelo rio Jauaperi.
Outros interesses
O governo de Roraima, por sua vez, editou um decreto em 2005 que estabelece os cinco assentamentos na região, onde, pelos cálculos do Ibama, moram 150 famílias. Mas de acordo com a superintendente do instituto no estado, Nilva Baraúna, a medida contraria o código ambiental de Roraima, que proíbe que áreas cobertas por áreas relevantes ou remanescentes de vegetação nativa sejam utilizados em projetos de reforma agrária. Na tentativa de demonstrar algum apreço pelo meio ambiente, o governador Otomar Pinto (PSDB) criou a única unidade de conservação estadual de Roraima bem ali: a Área de Proteção Ambiental Rio Branco, que na realidade não protege a região de nenhuma degradação. Mesmo assim, não abandonou seus planos de reforma agrária, através da qual pretende povoar o sul do estado, inclusive com a criação de um novo município.
Os planos do governo roraimense envolvem ainda a conclusão da chamada “estrada perdida”, um caminho entre o Posto Fiscal do Jundiá, na BR-174 (Manaus-Boa Vista), e a Vila de Santa Maria do Boiaçu, às margens do rio Branco. A estrada começou a ser construída na década de 80, mas parou no meio da floresta alagada. O governo roraimense bem que tentou reconstruí-la em 2005, mas só adiantou 40 quilômetros de obras. Segundo Oneizete, do Ibama, essa estrada cortaria a parte norte da área onde se pretende criar a reserva extrativista.
Impactos
Mas mesmo com as dificuldades de acesso, os impactos ambientais na região já estão presentes. A extração indevida de madeiras como itaúba, maçaranduba e angelim, e, claro, caça predatória de peixes, e de tartarugas são os maiores problemas. O Jauaperi, aliás, é região de reprodução de quelônios e de peixes como o jaraqui e a matrinxã. Armadores de pesca montam as redes de arrasto à espera dos cardumes. É uma pesca trabalhosa, os barcos chegam a ficar até um mês à espera dos peixes. Cardumes de até 5 mil deles passam por ali, subindo para a desova ou descendo após a reprodução. “Em uma viagem ao Parque Estadual do Rio Negro (ao sul do Jauaperi) já cruzamos dez barcos geleiros, que usam redes de arrasto”, conta Carlos Durigan.
O Jauaperi foi um rio farto de pesca. Mas isso é passado. “Desde 2004 a gente tem dificuldade até para encontrar peixe para nosso sustento. A gente sai e passa dias sem pescar para a própria família”, conta Francisco Parede. Pescadores e traficantes de quelônios incomodam até os vizinhos waimiri-atroari, que chegaram a mudar a localização da placa que indica sua terra indígena, aumentando seus limites, para tentar manter longe os invasores.
A Fundação Vitória Amazônica elaborou um acordo de pesca no rio Jauaperi, assim como fez nos limites do Parque Nacional do Jaú. Ele é válido até 2009 e foi oficializado por uma instrução normativa do Ibama. De acordo com as novas regras, está proibida a pesca comercial e de peixes ornamentais ao norte do igarapé Muçueira. Ao sul, armadores comerciais com barcos de até 30 toneladas de capacidade podem pescar, desde que respeitem o defeso. Mas, como era de se esperar, nenhum barco de pesca comercial cumpre o acordo.
Segundo Durigan, falta gente e fiscalização para se fazer respeitar a instrução normativa. Além disso, armadores de pesca de Manaus e de cidades como Manacapuru não assinaram o acordo e, às vezes, nem sabem ou fingem não saber que ele existe. Julio Siqueira, chefe do Núcleo de Recursos Pesqueiros do Ibama no Amazonas, informa que o instituto tem pronto um planejamento de uma ação para conter os crimes ambientais a região, mas ela foi suspensa devido à greve no órgão.
Como se vê, os danos à área não são poucos. Os interesses para a proteção – ou não – desse trecho ecologicamente relevante entre o Amazonas e Roraima também divergem. E o que continua em dúvida, independentemente das idéias de ribeirinhos, governos e ONGs é como garantir que esse longínquo pedaço de natureza também não se perca.
* Vandré Fonseca é jornalista em Manaus.
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