Era para ser um assentamento ecológico, referência para o Brasil em cidadania e produção orgânica. Um lugar onde os moradores viveriam em plena harmonia com o meio ambiente. Promessa garantida de qualidade de vida para 12 famílias do campo. Mas tudo aconteceu ao contrário.
Em 2001, o Instituto Nacional Colonização e Reforma Agrária (Incra) resolveu transformar em assentamento uma propriedade que havia adquirido 15 anos antes. A área situa-se no planalto norte de Santa Catarina, em Itaiópolis. Às vésperas do município completar 100 anos, O Eco visitou o assentamento.
Há cinco anos o Ibama recebeu uma denúncia, foi até o local e aplicou autos de infração pela degradação constatada durante a visita. Dos 155 mil metros quadrados do imóvel do Incra, quase um terço (42 mil metros quadrados) foi desmatado. Trata-se de uma área com cobertura florestal nativa de mata atlântica, em estágios médio e avançado de regeneração natural. Na ocasião, o Incra firmou parceria com a Associação de Reflorestamento e Recuperação Ambiental (Aroma). A Aroma é uma organização não-governamental sediada em Itaiópolis, a quem coube a elaboração do plano de viabilidade técnica e econômica.
Procurado por O Eco, o responsável pela ONG Aroma, não quis se pronunciar. Mas, em abril de 2002, Ministério Público, Ibama e a Polícia Ambiental inspecionaram a região desmatada e proibiram a continuidade do desmatamento. Houve diversas irregularidades. A Fundação de Meio Ambiente (Fatma) emitiu a licença no dia 19 de novembro de 2001 para área em estágio inicial de regeneração, mas tratava-se de estágios médio e avançado.
Já o Incra foi autuado pela implantação do projeto com a supressão dos 42 mil hectares de área e pelo corte de espécies ameaçadas de extinção, como o pinheiro brasileiro (araucária augustifolia), a canela sassafrás (ocotea pretiosa), a imbuia (ocotea porosa) e o xaxim (dicksonia sellowiana). Em 2002, o Incra pronunciou-se ao Ministério Público dizendo que o projeto “respeitava principalmente o meio ambiente”.
Abandono
Nascido em Itaiópolis, o ambientalista Germano Woehl acompanhou todo o processo e lamentou muito o projeto conduzido pelo Incra: “O laudo produzido pelo Ibama relatou fielmente a devastação causada na implantação do assentamento, com abate de espécies ameaçadas e também da destruição do ecossistema “mata de araucárias” que era preservada e uma raridade”.
Na opinião de Woehl, os prejuízos causados pela destruição da mata são incalculáveis e quem arca com isso é a sociedade, as gerações futuras. Não foi só o meio ambiente que perdeu. Quando as doze famílias foram morar no assentamento, assinaram um contrato comprometendo-se a somente trabalhar nas terras.
Foi o que fez a família de Wilson e Solange Kruger. Ele, pedreiro, abandonou a profissão para tornar-se agricultor orgânico. Os Kruger acreditaram na proposta de sobreviver com renda obtida da própria terra. Sem instrução não sabiam que a área onde foram morar não poderia ser desmatada. Wilson voltou a construir casas.
A esposa Solange, assim como o marido, acreditou que podiam viver melhor trabalhando na lavoura, mas os problemas foram inevitáveis. Solange relata: “Nós passamos muita “necessidade” no início. E ninguém podia ajudar ninguém, os vizinhos estavam na mesma situação. Sem trabalho, sem comida, sem sustento. O jeito foi arrumar um emprego fora”.
A família Kruger preferiu buscar outro sustento, a viver mais irregular ainda no assentamento, ou seja, a continuar a desmatar. Três, das doze famílias, partiram para a agricultura tradicional, plantando fumo. A reportagem de O Eco não foi autorizada a conhecer a plantação. As espécies ameaçadas de extinção não foram recuperadas. Segundo Kruger, a floresta de pínus que existe em uma parte do terreno está sendo cortada para servir de renda às famílias. Árvores nativas estão sendo plantadas.
O assentamento em Itaiópolis, ora denominado “ecológico”, não cumpriu seu papel social e afetou drasticamente o meio ambiente. Hoje, algumas famílias abandonaram o desejo de trabalhar no campo e outras continuam desmatando. Marcone Lima, chefe do setor de desenvolvimento do Incra, em Santa Catarina, garante que a instituição não desenvolve projetos que não cumpram o que determina a legislação ambiental.
Sobre o caso específico de Itaiópolis, Lima não soube esclarecer algumas dúvidas, pois desde então houve troca de governo e o caso ficou no “passado”. Além disso, os técnicos responsáveis pela área de meio ambiente e pelos assentamentos na região de Itaiópolis ficaram em greve por dois meses. Mas Lima acrescenta: “Nós estamos trabalhando de acordo com o plano nacional de reforma agrária proposto pelo Governo Lula, cuja base é o desenvolvimento sustentável”.
*Eunice Venturi é jornalista em Santa Catarina.
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