O alívio por conseguir controlar o fogo que há 19 dias consumia o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães não permitiu que os combatentes respirassem melhor. Há pelo menos duas semanas não faz sol em Cuiabá, onde a fumaça das queimadas esconde o céu, os prédios da cidade, deixa olhos ardidos e cabelos fedorentos. A umidade do ar extremamente baixa, que beirou os 12% no início de setembro, o calorão de quase 40 graus e a ausência de chuvas continuam sendo perigosos elementos que a qualquer momento podem criar novos focos de incêndio. Por isso nesta semana só houve tempo para uma pequena comemoração entre as instituições que conseguiram debelar o fogo dentro da unidade de conservação. Todos já voltaram a seus postos.
Segundo relatos de antigos funcionários do Ibama, não há registro de sucesso no enfrentamento de uma queimada tão grande ali sem a ajuda de São Pedro. Com combustível de sobra para incendiar, o fogo destruiu 6.137 hectares do parque, o equivalente a 19% da unidade de conservação. E arrasou outros 10.410 hectares no entorno. “Pelas condições adversas a que estávamos sujeitos, foi um combate muito eficiente”, avaliou Rodrigo Falleiro, coordenador estadual do PrevFogo. Se dependesse só da vontade do governo federal, o estrago podia ter sido bem pior. E não foi porque funcionou a integração entre brigadistas e coordenação do Ibama, somados aos esforços de Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Meio Ambiente, prefeitura de Cuiabá, Aeronáutica, Exército, além de voluntários.
Graças a isso, desde os primeiros dias foi possível contar com apoio aéreo para o combate às labaredas. Mas porque o governo de Mato Grosso disponibilizou às pressas o helicóptero da Polícia Militar. Essa não foi a única constatação das equipes do Ibama, que têm fortes suspeitas de que o incêndio se espalhou depois que ele foi reaceso. “Já havia brigadistas do Ibama combatendo o fogo no entorno do parque duas semanas antes. Depois que ele foi extinto, voltou”, diz Falleiro. Mas para ter certeza, será necessário fazer perícia ambiental, coisa que segundo o chefe do parque, Eduardo Barcellos, vai demorar no mínimo um mês.
Lições do fogo
De todo modo, a história desse incêndio pode ensinar boas lições sobre investimentos em prevenção de queimadas. No dia 1º de setembro, 32 brigadistas do Ibama que atacavam essa frente no entorno do parque não conseguiram evitar que ela atingisse um paredão de pedra, a partir de onde ficou fora de controle. “Nessa hora percebemos que seria necessário montar uma grande operação com apoio de aeronaves”, lembra Bruno Lintomen, gerente de fogo do parque nacional. O PrevFogo, então, pediu ajuda de pelo menos uma das quatro aeronaves que prestam serviço ao Ibama e são responsáveis por cobrir todo o país. Mas quem chegou no dia seguinte foi o helicóptero da PM, que ajudou no lançamento de água sobre as chamas, no transporte de suprimentos e de brigadistas.
No dia dois de setembro o fogo já estava dentro do parque, consumindo velozmente o Morro de São Jerônimo, ponto culminante da Chapada. Nessa etapa dezenas de bombeiros também se apresentaram para prestar ajuda. Mas não impediram que o fogo ultrapassasse um rio que corta a região e poderia servir como um aceiro natural. Ele avançou com a ajuda do vento e da baixa umidade e passou a destruir uma face do platô onde se situam as cachoeiras mais visitadas do parque. “A essa altura, nossos homens já estavam cansados. Trabalhavam 12 horas por dia. Por isso, decidimos chamar os brigadistas de todas as outras unidades de conservação federais de Mato Grosso”, diz Lintomen. Tiveram sorte. Muitas dessas áreas – mais distantes e menos privilegiadas do que o principal parque do estado – ficaram desguarnecidas por um período em que não surgiu nenhum caso grave de incêndio florestal.
Enquanto o fogo guinava com perigo na direção do complexo de cachoeiras, o Ibama apelava para que mais aeronaves fossem acionadas. E a superintendência do instituto em Cuiabá se virou para firmar contratos às pressas com dois pequenos aviões agrícolas da cidade de Campo Verde. Um desespero desnecessário se há dois anos o Ibama tivesse cumprido o que prometeu. Em 2005, a coordenação de incêndios florestais em Brasília sinalizava com a intenção de firmar contratos com empresas de aviação para que em tempos de entressafra os aviões agrícolas prestassem serviço do instituto. Uma articulação que exigia a interferência inclusive do Ministério da Agricultura, segundo apurou à época reportagem de O Eco.
Até hoje, esse acordo não saiu. Mas Elmo Teixeira, atual coordenador nacional do PrevFogo, garante que estão sendo feitas avaliações técnicas sobre esse assunto em fase avançada. “Também queremos ampliar nossa frota de helicópteros para pelo menos mais quatro aeronaves até o fim do ano, pois elas têm uma atuação mais eficiente que os aviões”, assegura.
“A gente tinha que rever a nossa estratégia de ação diariamente”, diz Lintomen. E para conseguirem proteger o cartão-postal da região, a cachoeira Véu da Noiva, solicitaram apoio de brigadistas do Projeto Quadrante, que combate incêndios em áreas urbanas de cidades mato-grossenses, além de Exército e Aeronáutica. “Nos últimos dias, formou-se uma linha de fogo de 15 quilômetros, que ameaçava transpor a estrada e incendiar outras áreas de rios e nascentes. Se isso acontecesse ia ser uma catástrofe. Então colocamos em campo 230 pessoas ao mesmo tempo”, explica Falleiro. O helicóptero do Ibama só chegou oito dias depois de solicitado, quando foi deslocado do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, que teve 40 mil dos seus 60 mil hectares de área queimados.
Estrutura, grana e punição
“Precisamos de mais estrutura, sim, mas este foi um ano atípico, quando grandes parques começaram a queimar ao mesmo tempo”, tenta justificar Teixeira, do PrevFogo de Brasília. O dinheiro também é pouco, e ele mesmo admite que é necessário negociar quantias mais coerentes com as necessidades do país. Nesse caso, prevenir seria a melhor saída. Mas é com recursos insuficientes que uma mobilização mínima acontece. Segundo o Ibama, no final de 2006, o PrevFogo de Mato Grosso solicitou ao governo federal cerca de 624 mil reais para o setor aplicar este ano, sendo 466 mil só para a área de combate, o que envolve inclusive contratação de aeronaves. Em março deste ano recebeu 19 mil reais. E outros 40 mil no final de agosto, quando não havia mais qualquer possibilidade de investir em prevenção.
“A questão não é só de recursos. Mesmo com dinheiro, não dá para fazer milagre num estado como Mato Grosso, que queima por inteiro”, diz Lintomen. Aqui é o lugar que concentra os mais numerosos focos de calor, onde a população das cidades é obrigada a respirar fumaça toda época de seca e onde o secretário de meio ambiente consegue minimizar o problema. “O mais importante é vocês verem que Mato Grosso reduziu as queimadas em 24% em relação ao ano passado”, disse Luis Henrique Daldegan, em entrevista coletiva nesta semana.
Para Falleiro, além da necessidade básica de mais recursos federais, para tentar resolver o problema do fogo em Mato Grosso é preciso endurecer a fiscalização e na responsabilização de quem ateia fogo, principalmente durante o período em que por lei estadual é proibido, entre julho e setembro. Mas combater a impunidade é um desafio a parte. “Não sei te dizer quantas pessoas foram identificadas ou penalizadas por terem colocado fogo quando não podiam”, informou Daldegan.
“Outros ministérios e entidades responsáveis por assistência técnica rural têm a obrigação de fazer sua parte. Hoje quase todo fogo começa em área agrícola”, diz Falleiro. Ele ainda lembra a importância de fazer a limpeza nas margens das estradas, onde surgem diversos focos que ameaçam as unidades de conservação. O que remete a outro problema: a implementação dessas áreas, para que conflitos fundiários e crimes ambientais não facilitem a propagação de queimadas. Como se vê, não se apaga fogo a conta gotas.
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