A proteção do patrimônio espeleológico nacional pode receber um duro golpe nos próximos dias. O Ministério de Minas e Energia (MME) tenta a revogação do decreto que, desde 1990, garante a salvaguarda total de todas as cavernas do Brasil. As barragens de Tijuco Alto, no Vale do Ribeira (SP), da CBA/ Votorantim, e de Carajás, da Vale do Rio Doce, no Pará, já esbarraram nessa legislação e por isso ainda não funcionam plenamente. Por coincidência ou não, a pressão para que o decreto caia apareceu justo após essas negativas.
“Surgiu uma ordem direta do gabinete presidencial para revogar o decreto sem a participação da sociedade civil”, afirma Emerson Gomes Pedro, presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE). O decreto é considerado exagerado, já que preza pela proteção absoluta de qualquer cavidade existente em território nacional. Mas até os espeleólogos reconhecem que nem todas elas precisam de tamanha proteção, por não serem geológica ou biologicamente imprescindíveis. É por isso que os debates para modificar a redação já existem há um bom tempo.
No final do primeiro semestre deste ano, o Centro de Proteção e Manejo das Cavernas do Ibama (Cecav) propôs uma modificação completa de seus parágrafos e artigos, o que foi rejeitado pela Casa Civil. Para os companheiros de Dilma Rousseff, se uma determinação precisa ser completamente revista, é necessário haver uma anterior anulação da mesma, para que outra seja redigida. Só que nesse meio tempo, as cavernas brasileiras ficariam sem qualquer proteção e à mercê das mineradoras.
A idéia de reescrever todo o texto da determinação não seguiu adiante. Mas as conversas entre Minas e Energia e Casa Civil continuaram a todo vapor. Até que, no final de agosto, os grupos de proteção ao patrimônio espeleológico do Brasil receberam a notícia de que as duas pastas preparavam a revogação do decreto 99.556. A notícia culminou com um artigo de denúncia escrito no informativo da SBE por Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, e um convite para a sociedade civil participar de uma reunião com a pasta comandada por Marina Silva na última quinta-feira de setembro, no dia 27.
Durante o encontro, analistas ambientais do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e grupos protetores das cavernas chegaram a um consenso para alterar o atual ato administrativo, de forma a garantir algumas exigências do setor de mineração e, ao mesmo tempo, a continuar com a proteção sobre o patrimônio espeleológico. A decisão a que se chegou foi a seguinte: o decreto permanece basicamente o mesmo. A diferença é que, a partir de agora, existe a proposta para classificar as cavidades como relevantes e não relevantes para a paleontologia, biologia, história e espeleologia a partir de critérios técnicos previamente definidos. Se algum estudo de impacto ambiental (EIA) de um empreendimento identificar grutas não relevantes depois de todas as pesquisas necessárias, é permitida a sua supressão. “Não somos contra o desenvolvimento”, afirma Leda Zogbi, espeleóloga e conselheira da Redespeleo Brasil, um dos principais grupos de proteção ao patrimônio espeleológico no país. “Aceitamos que existam critérios para determinar a importância de uma caverna, mas queremos proteger as de real relevância”, completa.
Para evitar o pior
Mas não é tão simples assim. Em 2004, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) baixou a resolução nº 347, que levantava a noção de critérios de relevância e determinava a criação de um grupo de trabalho para definir quais seriam. Mas ele nunca foi montado. Emerson Gomes Pedro esteve presente no encontro com o MMA e garantiu que, agora, a proposta é séria. “O decreto atual diz que todas as cavernas são objetos de preservação permanente. Na nossa proposta, elas continuam com esse status, mas as cavidades que não forem consideradas importantes do ponto de vista espeleológico, palentológico, histórico, antropológico, de captação de recursos, e etc., podem ter seu uso permitido”, afirmou.
Os critérios para esta definição só serão elaborados por um novo grupo de trabalho, composto por técnicos e geólogos e agora requisitado na nova redação do decreto que será encaminhada para a Casa Civil. “Caso ele seja aprovado, nenhum órgão ambiental se sentirá no direito de aceitar alguma supressão antes que a definição dos métodos seja concluída”, diz Gomes Pedro. Mas ainda não há certeza se a proposta sequer passará pela avaliação do ministério chefiado por Dilma Rousseff.
De acordo com Luis Fernando Silva da Rocha, membro do Grupo de Estudos Espeleológicos do Paraná (GEEP – Açungui) e do conselho gestor da Redespeleo Brasil, os ministérios de Minas e Energia e de Meio Ambiente tiveram diversas conversas anteriores para chegar a um consenso a respeito de um novo decreto. Mas até agora não houve acordo. Para ele, que também esteve presente na reunião do último dia 27, o importante é não deixar que haja anulação. Caso contrário, é difícil prever o que pode acontecer com as cavernas brasileiras.
Ele tem motivos para temer um futuro sombrio e também querer que algo seja modificado na atual legislação. Por mais que a supressão de cavidades seja proibida, diversas pequenas mineradoras descobrem grutas em locais onde vão entrar suas produções, e elas acabam destruídas antes que se saiba de sua existência. “Uma vez implodida”, lembra Silva da Rocha, “não há qualquer registro de que ali existiu uma caverna”. Com a definição de relevância, os membros da SBE e da Redespeleo Brasil acreditam que os empreiteiros decidam entrar na legalidade.
Por mais que a proposta do MMA e da sociedade civil seja examinada, outros problemas vão continuar latentes. Pelo menos é o que alerta Milene Berbert, da Sociedade Brasileira de Geologia (SBGeo). “Deve haver um empenho paralelo na solução de questões estruturais, como capacitação de analistas e consultores para os estudos específicos de espeleologia (que integrarão os estudos ambientais), instrumentação, cruzamento de dados entre órgãos (ambientais e de fomento do setor mineral) e efetiva aplicação de outros dispositivos legais correlatos já existentes tais como planos diretores e zoneamentos ambientais”, explica. Para ela, o perigo de concentrar toda a discussão em um único detalhe é, justamente, esquecer de equipar os órgãos ambientais com as ferramentas necessárias para entender um estudo de impacto ambiental com completa desenvoltura.
A assessoria de imprensa do MME informou que as conversas sobre o decreto ainda estão no início e que, por isso, ninguém podia comentar o assunto com a reportagem de O Eco. O fato é que o texto redigido na penúltima quinta-feira deve chegar como uma nova proposta à mesa da Casa Civil em breve. E sabe-se lá de que jeito vai sair. A sorte do patrimônio espeleológico brasileiro está em jogo.
Leia também
G20: ato cobra defesa da Amazônia na pauta do encontro dos chefes de Estado
A Amazônia está de olho" reuniu mais de 100 ativistas neste domingo (17), no Rio de Janeiro, para pressionar líderes presentes no G20 a tomar ações concretas para conservação da maior floresta tropical do mundo →
Declaração do G20 frustra ao não mencionar fim dos combustíveis fósseis
Documento faz menção ao fim do desmatamento e aumento de ambição no financiamento climático, mas organizações pediam sinais mais diretos →
Entrando no Clima#38 – G20 e COP29 se encontram em Baku
Declaração Final do G20 ecoou nos corredores da COP29, no Azerbaijão, e especialistas repercutem os posicionamentos do fórum econômico →