Reportagens

Salve o verde urbano!

Deputados apresentam propostas para impedir que nova lei de loteamento represente a destruição das áreas vegetadas. O problema continua a ser como recuperar o que já se foi.

Gustavo Faleiros ·
7 de novembro de 2007 · 17 anos atrás

Após assustar ambientalistas de todos os credos e linhas de atuação, o projeto de lei 3057/2000, que cria novas regras para o loteamento nas cidades, está passando por alterações significativas na Comissão Especial de Parcelamento do Solo para Fins Urbanos, na Câmara dos Deputados. Após reuniões, nesta terça e quarta-feira, entre entidades ambientalistas, parlamentares e setores da construção civil, foi apresentado ao relator Renato Amary (PSDB-SP) uma proposta que ameniza os perigos de que novos loteamentos possam causar perda de áreas verdes nas zonas urbanas. A questão em aberto continua sendo como regularizar o passivo ambiental de ocupações ilegais.

A proposta foi apresentada pelo deputado Fernando Chucre (PSDB-SP) e incorporou sugestões do deputado Sarney Filho (PV-MA). Os pontos principais dizem respeito à definição de zona urbana consolidada. Isso significa que a lei de loteamentos só se aplicará em áreas dos municípios onde já existam um adensamento demográfico regularizado e com infra-estrutura urbana. Desta forma, impede-se que prefeituras avancem sobre a zona rural para expandir as cidades sem fazer licenciamento ambiental. “Isso é o mais importante, porque não vamos discutir nesta lei urbana alterações mais profundas na legislação florestal”, observa Sarney Filho.

Além disso, as emendas apresentadas pelos deputados alteram todas as ameaças que estavam colocadas com relação à manutenção das áreas de preservação permanente (APPs). No relatório original, as áreas verdes nas margens dos rios ou encostas de morro passariam a contabilizar o terreno total do proprietário, algo que em última instância alterava o Código Florestal (Lei 4771/65) e poderia abrir brechas para o loteamento de APPs. Na proposição de Chucre, as APPs continuam sendo averbadas pelo proprietário como áreas públicas e não podem ser danificadas ou alteradas.

O polêmico Artigo 14 do PL 3057 recebeu uma redação branda na avaliação de ambientalistas, mas útil na visão dos urbanistas. No texto original, dizia-se que os rios com até 2 metros de largura poderiam ter sua mata ciliar reduzida de 30 metros para 15 metros. Na proposta dos deputados Chucre e Sarney, 15 metros passa a ser o mínimo permitido apenas nas ‘zonas urbanas consolidadas’. Assim mesmo, quem definirá isso será o Plano Diretor de cada município. Propõe-se a supressão da idéia (um tanto estranha diga-se) que havia no relatório de Amary de que a largura dos rios só seria determinada nos períodos de seca e não de cheia. Isso ajudaria a reduzir ainda mais a faixa florestal de proteção nas margens dos rios.

Regularização problemática

A ala do setor de constução civil que trabalha com habitações parece satisfeita com o acordo costurado com ambientalistas e parlamentares. Na opinião de Ronaldo Lucas Brane, diretor de Meio Ambiente do Sindicato da Construção Civil de São Paulo (Secovi-SP), houve um avanço pois foram retirado “excessos” do texto original. Entre os abusos que havia, cita, a incorporação de APPs nos loteamentos era inaceitável. Outro ponto pacífico é a introdução do conceito de zona urbana consolidada. “Essa lei trata de questões urbanas, todo o resto vai ser tratado por zoneamento costeiro, Código Florestal, lei da Mata Atlântica”, argumenta.

A questão que continua em aberto no debate do PL 3057 é a regularização dos passivos ambientais de construções feitas antes que esta nova lei de loteamentos venha a ser aprovada. Brane acha que já houve ganhos quando o segmento ambiental da Câmara dos Deputados, representada por Sarney Filho, aceita que pequenos rios, aqueles com até dois metros de largura, possam ter 15 metros de mata ciliar e não 30 como prevê o Código Florestal. Neste caso, começa a se delinear uma “lei ambiental urbana”, comemora Brane.

Não é dessa forma que exerga o ministro do Supremo Tribunal de Justiça Antônio Herman Benjamin, que coordena uma comissão no fórum de acompanhamento do PL 3057. Segundo ele, o setor da construção civil reluta em aceitar a regularização de passivos ambientais. “O futuro das áreas verdes já está resolvido na proposta, agora ninguém quer falar do passado.” Segundo ele, não está definido como ficarão as áreas verdes quando loteamentos ilegais tiverem que passar pelo crivo da lei.

O diretor de Assuntos Fundiários Urbanos do Ministério das Cidades, Celso Carvalho, concorda que nada está sendo apresentado ou realmente debatido para que haja uma solução para regularizar moradias construídas ilegalmente sobre APPs. Ele lembra que isto é particularmente delicado, pois a grande maioria das ocupações em regiões de preservação ambiental são de baixa renda. Ele acha que se houvesse uma redução das exigência ambientais, mesmo abrindo mão de matas ciliares, haveria um ganho na qualidade de vida de muitas pessoas que vivem num espaço do território brasileiro relativamente pequeno, as regiões metropolitanas.

“Temos pessoas morando sem quaisquer condições sanitárias e a regularização de suas moradias teria um impacto social e ambiental muito grande”, opina. Sua sugestão é que haja parâmetros ambientais menos rígidos para cidades com mais de 100 mil habitantes e com grande número de ocupações ilegais de baixa renda. Desta forma a regularização iria atingir a maioria da população pobre vivendo em APPs.

Ao todo, foram apresentados 10 votos em separado ao relatório do deputado Renato Amary. Ele afirma que ainda vai analisar todos e não dá pistas de que aceitará as alterações sugeridas pela bancada ambientalista. Nas próximas semanas, quando a Comissão voltará a se reunir para analisar o relatório final, será possível saber se as cidades do futuro terão suas áreas verdes protegidas, ou se já irão nascer totalmente cinzas.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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