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A Amazônia na lente do computador

Biólogos usam modelos de computador para analisar a distribuição geográfica de quatro espécies de macacos no noroeste da Amazônia, uma das zonas mais remotas do mundo.

Redação ((o))eco ·
13 de março de 2009 · 16 anos atrás
Cacajao ayresi, caçado e sem atenção do governo. (Foto: Ítalo Mourthe)
Cacajao ayresi, caçado e sem atenção do governo. (Foto: Ítalo Mourthe)

Conhece aquela máxima de que os interessados em promover conservação de espécies precisam ir a campo inúmeras vezes para identificar suas principais características e determinar os locais onde vivem? Para Jean Boubli, diretor da World Conservation Society (WCS) no Brasil, e Marcelo Lima, doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB), ela não é exatamente verdadeira. Os dois são responsáveis por um artigo científico aceito pela International Journal of Primatology, uma das principais revistas do mundo sobre macacos.

O título do trabalho é grande, mas resume bem o que está escrito dali em diante: Modeling the Geographical Distribution and Fundamental Niches of Cacajao spp. and Chiropotes israelita in Northwestern Amazonia via a Maximum Entropy Algorithm. Em bom Português, eles analisaram a distribuição geográfica e os principais nichos de quatro tipos diferentes de primatas em uma das zonas mais remotas do planeta – o noroeste da Amazônia.

O pioneirismo da idéia, no entanto, não fica por conta do objeto de estudo (muito embora as espécies em questão careçam de olhares mais acurados em suas direções), mas sim da técnica utilizada para realizá-lo. Trata-se do Maxent, um modelo de computador usado por cientistas ao redor do planeta para analisar os pontos de existência de determinada planta ou animal. Pela primeira vez o sistema serviu para pesquisas com primatas.

“Em linhas gerais, você insere variáveis sobre clima, chuvas e um conjunto de dados georreferenciados de ocorrências das espécies. O que sai é o modelo de distribuição da espécie, de acordo com esses dados. Que podem ser em forma gráfica, ou seja, mapas de distribuição”, explica Lima, atualmente trabalhando como consultor.

Para chegar aos resultados finais, Boubli (principal autor do artigo) aproveitou informações coletadas em campo entre 1991 e 2007, imagens de satélite e também dados encontrados em museus brasileiros e sul-americanos.

“A grande vantagem desse programa é que, com poucos pontos, é possível definir um potencial de distribuição da espécie, sem viajar demais. Ele indica locais com aspectos similares aqueles onde o bicho já foi encontrado. É nesta hora que entra o olhar do pesquisador de campo, que terá de colocar as características biológicas e físicas certas no programa. Esse é o tendão de Aquiles”, explica o diretor da WCS. Com isso, o estudo fica muito mais barato.

Primatas do noroeste

O custo reduzido, no entanto, não é o único ponto positivo da técnica. Ela permite, por exemplo, que os governos pensem em critérios de precaução. “É o caso das grandes obras de infraestrutura. Se existe a intenção de construir uma hidrelétrica em um local indicado pelo Maxent como possível morada de um animal em extinção, vale ir a campo checar a informação. Caso ela se confirme, pode-se repensar a construção da usina”, diz Lima.

Os primatas analisados no paper (Chiropotes israelita e três tipos de uakaris pretos – Cacajao melanocephalus, C. hosomi e C. ayresi) vivem em uma das regiões mais isoladas da maior floresta tropical do planeta. É lá, por exemplo, onde fica o famoso Pico da Neblina. De acordo com Jean, que desembarcou na região pela primeira vez no início da década de 1990 para desenvolver o doutorado pela Universidade da Califórnia, é inviável passear por lá com freqüência elevada.

“Mas com o programa, conseguimos ver se a espécie tem distribuição restrita ou se é potencialmente ameaçada. E também ajuda a direcionar novas viagens, com base nos mapas gerados”, conta Boubli, que deixou a região há quinze anos, mas volta quase toda temporada.

É preciso, no entanto, saber lidar com as imprecisões do trabalho fundamentado em projeções matemáticas. O biólogo afirma, por exemplo, que o Maxent pode direcionar a existência de uma espécie em uma área com barreiras geográficas grandes, como rios ou montanhas. Nestes casos, a distribuição torna-se improvável. Não se pode descartar, também, a predação, competição por habitat e alimentos e a dispersão dos animais.

Descoberto pelo diretor da WCS em 2006, o Cacajao ayresi vive em uma área muito restrita. De acordo com os mapas gerados pelo computador, porém, sua ocorrência pode ser muito maior, embora seja considerado “vulnerável” pela União Internacional para a Conservação da Natureza. Outro recém-encontrado por Jean é o Chiropotes israelita. Como ele gosta de dizer, trata-se apenas de uma redescoberta. No século 18, um grupo de naturalistas austríacos o avistou no baixo Rio Negro e o documentou em seus relatórios. Até anos atrás, o feito era considerado um erro, já que espécies do mesmo grupo vivem no leste da floresta. “O encontramos em 1993 a cerca de 1.500 quilômetros de seu nicho conhecido. Mas só em 1999 consegui coletar e fazer a análise do DNA. Demos o mesmo nome que os austríacos queriam”, diz Jean.

Dupla da conservação

No paper do International Journal of Primatology, que será publicado ainda este ano, Jean foi o responsável pelo acúmulo de informações sobre as espécies, enquanto Marcelo cuidou do sistema operacional e da coleta de dados em museus. Juntos, eles definiram quais fatores deveriam ser usados. Os dois comemoram os resultados, já que as distribuições potenciais são maiores do que supunham.

A partir de agora, eles pretendem analisar possibilidades de preservação e locais prioritários para a adoção de políticas públicas. Uma delas, pelo menos, já está na cabeça dos biólogos: criar algum tipo de unidade de conservação nos locais de ocorrência do Cacajao ayresi. Enquanto os outros três estão minimamente protegidos pelo Parque Nacional do Pico da Neblina e algumas terras indígenas, o Ayresi não tem qualquer tipo de atenção do governo ou do patrimônio privado e sofre com a caça.

No final da entrevista, Marcelo Lima deixou um último recado bastante entusiasmado. “Com esses sistemas, é possível usar dados de clima futuros ou passados. Ainda não fizemos, mas há gente que já usa”, diz.

Agora, falta o governo nacional olhar com mais carinho para essa técnica, capaz de prever o destino de espécies e aliviar cofres públicos.

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