Reportagens

Floresta sem mercado

Brasil está no meio do maior impasse da Conferência de Bali; não aceita colocar o combate ao desmatamento no sistema de créditos de carbono. Mas países ricos apóiam comércio.

Gustavo Faleiros ·
4 de dezembro de 2007 · 17 anos atrás

Talvez seja cedo para tirar conclusões sobre as discussões que estão ocorrendo na 13ª Conferência da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, iniciadas nesta segunda-feira, dia 3, na ilha de Bali, na Indonésia. Mas uma certeza está se cristalizando entre as delegações e organizações não-governamentais: o debate sobre como combater as emissões ocasionadas pelo desmatamento de florestas tropicais é dos mais intrincados.

Neste ano, com a confirmação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de que a poluição gerada pela queima de grandes parcelas de vegetação representa cerca de 20% de todas as emissões de carbono, o tema do desmatamento ganhou força dentro da Convenção do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). O combate à perda de florestas nativas foi colocado como uma das prioridades já nos primeiros pronunciamentos do secretário-geral da Convenção, Yvo de Boer.

Nesta terça-feira, ocorreu a primeira reunião do grupo técnico da ONU que analisa as propostas para redução das emissões por desmatamento. O Brasil colocou na mesa, logo em sua primeira participação, a idéia de que os países ricos financiem programas em nações com florestas a fim de que as árvores permaneçam de pé. Esta é a mesma proposição que a diplomacia brasileira vem fazendo nos últimos dois anos, desde a 11ª Conferência do Clima, em Montreal.

Quem explica com mais clareza e vêemencia o que o Brasil está buscando com esta idéia é a secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Thelma Krug. O país não aceita de forma alguma que Europa, Japão e outros países com altas taxas de emissão de carbono possam pagar por trechos de floresta preservada como forma de compensação. Ou seja, créditos de carbono devem ficar restritos a projetos de reflorestamento e energia. “A floresta não pode virar um meio de resolver o problema do aquecimento sem que os desenvolvidos tomem ações para conter a emissão de fontes fósseis”, ressalta Krug.

Outro problema, aponta ela, é o fato de que um regime de mercado para combater as emissões por desmatamento só poderia entrar em vigor após o término da primeira fase do Protocolo de Quioto, em 2012. A proposta brasileira é de que os recursos financeiros contra a degradação de florestas comecem a ser utilizados imediatamente. As vantagens seriam claras. Cortando o desmatamento, as emissões teriam uma redução efetiva e não apenas compensatória como hoje ocorre através do mercado de créditos de carbono. “Se a questão do aquecimento é tão urgente, nós estamos apresentando a idéia mais simples, não sei porque colocar complicações”, diz a secretária de Mudanças Climáticas.

Não tão simples

O problema da proposta brasileira, explica Bill Hare, membro do Greenpeace Internacional que nos últimos anos vem analisando diversas propostas que ligam desmatamentos ao aquecimento, é que ela não agrada aos países ricos. No fundo eles precisam gerar créditos de carbono para cumprirem suas metas de redução de emissão, e não querem colocar dinheiro em medidas de conservação sem receber nada em troca. “Parece que o Brasil não abre a mão de ser contra um mercado de desmatamento evitado”, analisa Hare com um semblante um tanto preocupado.

Ele tem razão. Em Bali, a delegação brasileira não vai retroceder. Embora Papua Nova Guiné e Costa Rica já tenham conseguido uma coalização com mais de 50 países para brigar por um proposta de criar o crédito de carbono florestal, o Brasil acha que isso é uma falácia. “Queremos que os países desenvolvidos cumpram o que está na Convenção: medidas adicionais”, enfatiza Thelma Krug. O que ela está dizendo é que o Artigo 4 da UNFCCC prevê que além dos esforços feitos em acordos como o Protocolo de Quioto, as nações ricas deveriam investir recursos nos países em desenvolvimento com doações, programas multilaterais, etc.

O Brasil tem na manga o fato de estar ajudando, através de seu Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), países com floresta tropical como o Congo e a Indonésia a estruturarem programas de monitoramento florestal como o que existe na Amazônia. “Se nós estamos fazendo isso de graça, por que os países desenvolvidos não podem cumprir o que está escrito na Convenção?”, ela questiona.

Nos cálculos brasileiros, seria preciso que países desenvolvidos investissem 1 bilhão de dólares ao ano para estruturar um programa de fiscalização e manejo florestal sustentável que garantisse um corte nas emissões por desmatamento num prazo bem curto. Segundo Krug estes números foram calculados pelo Serviço Florestal Brasileiro e pelo Ibama. Está um pouco mais elevado do que aquele proposto pelas ONGs em seu plano de desmatamento zero, onde 1 bilhão de reais seriam necessários para acabar com derrubadas ilegais na Amazõnia.

Caminho do meio

Nesta terça-feira, em um evento em Bali, o Greenpeace resolveu entar no debate sobre como lidar com as emissões de carbono causadas pelo desmatamento. Elaborada por Bill Hare, a proposta é um híbrido de mecanismo de mercado com o financiamento direto defendido pelo Brasil. A idéia é que se façam mudanças já no âmbito do Protocolo de Quioto e que os países do Anexo 1 (os ricos, que têm metas para cortar as emissões) sejam obrigados a ter em sua carteira de créditos de carbono pelo menos 0,5% de compensações por desmatamento. Esses créditos seriam obtidos pelo preço mínimo de 20 euros a tonelada de carbono em um leilão promovido pela ONU.

Países como o Brasil, que têm um sistema de monitoramento florestal desenvolvido, seriam os mais beneficiados com estas vendas. Mas sobre cada transação haveria um imposto que seria utilizado para um fundo para bancar medidas de combate ao desmatamento em nações como Cambodja, Myanmar e outros que não possuem qualquer tipo de controle ou monitoramento sobre suas florestas. “Ainda não decidimos como seria alocado este dinheiro do fundo”, pondera Hare. “Mas o ideal é que todos tivessem capacidade de operar no mercado”, pontua.

Stephen Schwartzmann, pesquisador da ONG Environmental Defense e também autor de uma proposta sobre compensação por desmatamento evitado, elogiou a iniciativa do Greenpeace. “Só o fato deles terem entrado nessa discussão com uma proposta nova já é um avanço”, afirmou. No entanto, ele julga que o mecanismo da ONG pode ser muito complexo para ser implementado. Principalmente porque haveria a necessidade de se alterar o Protocolo de Quioto e também um mercado muito regulado com obrigações de compra e venda.

A proposta do Greenpeace vai ser a partir de agora apresentada às delegações de diferentes de países na esperança de alguém a adote e passe a defendê-la no fórum das Nações Unidas. Bill Hare diz que é provável que a União Européia tope a parada, exatamente pelo apelo do mercado. O Brasil, diz ele, nem pensar.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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