Em tempos de conferência climática (COP13) na Indonésia, nada melhor para o governo do que anunciar desmatamento em queda pelo terceiro ano consecutivo na Amazônia. Os números foram apresentados ontem à noite, no Pará, durante passagem do presidente Lula por alguns estados da região.
Os dados oficiais mostram que entre agosto de 2006 e julho de 2007 caíram mais 11.224 quilômetros quadrados (Km2) de florestas. A estimativa é montada com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que divulga as perdas na Amazônia desde 1988 (tabelas completas com desmates). A queda é de 20% em relação ao período passado, resultando em uma desaceleração acumulada de 59% nos últimos três anos, conforme o governo. A taxa confirmada para 2006-2007 só no ano que vem.
As maiores áreas desmatadas, no entanto, ainda são encontradas na tradicional ‘trinca do desmatamento’ – os estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia, responsáveis por 85% da derrubada amazônica neste período. No Pará, as derrubadas cresceram 1%, batendo em 5.569 Km2. Os 2.476 Km2 de Mato Grosso ficaram em segundo lugar, registrando queda de 43% em relação a 2005-2006, quando o desmate foi de 4.333 Km2. Rondônia vem logo atrás, com 1.465 Km2 derrubados e queda de 29% se comparados com os 2.062 Km2 passados.
Para o diretor de políticas públicas do Greenpeace Sérgio Leitão, a comemoração governista não tem muito sentido. Segundo ele, a taxa anunciada ontem foi baseada em imagens antigas, que não retratariam o acréscimo acentuado no desmate dos últimos três meses. “Na hora em que há uma combinação perversa, com aumento dos preços agrícolas, recapitalização dos agentes do desflorestamento e baixa efetividade na aplicação de multas ambientais pelo governo, as árvores voltam a cair em grande quantidade”, diz o ambientalista.
Dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) já mostram que as derrubadas podem crescer no próximo período. O governo afirma estar atento ao problema e cozinhando medidas de combate. Uma delas é a criação de mais um grupo de trabalho, desta vez para desenhar “estratégias mais eficazes e eficientes de fiscalização e controle ambiental integrados por parte dos órgãos federais em articulação com os estados”, conforme nota do Ministério do Meio Ambiente. O foco seriam os municípios que mais desmatam.
Para Leitão, do Greenpeace, fiscalizar é importante, mas seria necessário uma “repercussão econômica” no bolso de quem derruba árvores. “As multas têm que ser pagas”, diz. A ONG acredita que o desmate ilegal passe dos 90%. “Os dados divulgados frustram as expectativas governistas. Eles esperavam cerca de 9 mil Km2, mas foram mais de 11 mil”, arremata.
Já para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) Osvaldo Carvalho, a comemoração governista é legítima. Segundo ele, o fato da temporada 2006-2007 ter apresentado o segundo menor índice desde 1988 não deixa de ser uma boa notícia. Mas ele alerta para uma outra ponta da história. “O governo precisa encontrar métodos para descobrir onde o desmatamento é ilegal e punir efetivamente os responsáveis”, diz.
Na opinião de Carvalho, o Brasil já deu um grande passo quando adotou os atuais sistemas para verificar índices de desmatamento na Amazônia. Mas seria necessário olhar também para dados do Deter, que já apontam aumento na derrubada de árvores até 31 de julho de 2008. “Todas as pressões estão voltando, a paralisia de investimentos vai acabar e ainda existe o aperto que será exercido pela onda do biocombustível”, alerta.
Nas portas do Amazonas
Uma amostra da tendência de aumento nos desmates foi apresentada ontem, em Manaus (AM), pelo Ibama. Apesar do ritmo nas derrubadas ter caído pela metade no sul do estado em 2006-2007, em alguns municípios o desmatamento cresce. Ano passado, 727,1 Km2 caíram em Boca do Acre, Lábrea, Canutama, Humaitá, Manicoré, Novo Aripuanã e Apuí, todos no Arco do Desmatamento. Este ano foram 363,5 Km2 desmatados. Os sete municípios concentram 90% da devastação no Amazonas.
Mas em dois deles, Humaitá e Novo Aripuanã, houve aumento no desflorestamento em relação a 2006. Humaitá passou de 5,88 Km2 para 11,2 Km2, e Novo Aripuaná de 35,2 Km2 para 48,7 Km2. Em Lábrea está a maior área desmatada estadual, mas o ritmo da destruição caiu de 343,13 Km2 em 2006 para 176,6 Km2 este ano. A queda não retirou do município o título de maior destruidor de florestas do Amazonas. “Existem quatro frentes de desmatamento no estado, cada uma com características próprias”, informa o superintendente do Ibama no Amazonas, Henrique Pereira.
Segundo ele, os focos de desmate estão no município de Lábrea e ao longo das rodovias federais BR-319 e BR-230 (Transamazônica). Ao sul de Lábrea, 7 mil hectares de mata se foram, no maior desmate encontrado pelo Ibama. “Em Lábrea são encontradas grandes áreas desmatadas de uma só vez, por gente que tem dinheiro e onde existem conflitos agrários”, diz Pereira. Na região, fazendas avançam amparadas em títulos de terra questionáveis ou mesmo sem nenhum documento.
Operações de combate ao desmatamento em todo o sul do Amazonas, encerradas em 14 de novembro, revelaram mais de 200 Km2 de floresta derrubada. Houve autuações em serrarias, foram apreendidos mais de 1,6 mil metros cúbicos de madeira, tratores e carretas. As notificações e multas somam R$ 51 milhões.
Novas reservas e assentamentos
No entanto, a frente de Lábrea foi excluída de novas Unidades de Conservação. Elas seriam criadas para conter os impactos da recuperação da BR-319. “Agora uma solução deve vir do Incra. O ideal é destinar aquelas terras. Do ponto de vista ambiental, já era”, arremata o superintendente do Ibama.
A sugestão do órgão é para a criação de reservas ao redor da frente de desmatamento, como os parques nacionais de Ituxi, Mapinguari e as reservas extrativistas de Ituxi e do Purus. Também se pensa na ampliação da Floresta Nacional Balata-Atufari. Todas estão engavetadas em Brasília, na Casa Civil. A criação da Resex de Ituxi contraria interesses do Ministério de Minas e Energia, que quer gerar energia em cachoeiras na região, segundo o superintendente do Ibama.
Ao longo da BR-319 e na parte final da Transamazônica, agricultores ocupam as margens da rodovia. Eles vêm de estados como Rondônia e Mato Grosso. No Km 180 da Transmazônica, uma já há uma vila com hospital e telefones, montada para atender a um assentamento do Incra. Pequenos produtores de Rondônia estariam trocando áreas pequenas por terrenos bem maiores no Amazonas, de onde retiram toras de angelim, ipê, jatobá e cumaru. Segundo o Ibama, cerca de 10 madeireiras atuam na área.
No extremo oeste do sul amazonense, fazendeiros de municípios paraenses como Jacareacanga e Itaituba migram para a região do assentamento Juma, maior já implantado pelo Incra. Já se avistam por lá fazendas entre 500 hectares 1.500 hectares. Existem propostas para a criação das resex Sucunduri e Aripuanã, também aguardando a batida de martelo governista.
O papel das UCs
Por falar em reservas ecológicas, para o coordenador do Programa em Desenvolvimento Sustentável do WWF Brasil, Mauro Armelin, os cerca de 20 milhões de hectares criados na Amazônia nos últimos anos teriam ajudado na queda do desmatamento. “Se há alguma dúvida sobre a posse de terras, estabelecer uma unidade de conservação é um instrumento efetivo para acabar com estas dúvidas”, analisa.
O fato de novas reservas não terem sido propostas ao longo de 2007 pode representar uma ferramenta a menos no combate ao desflorestamento, exatamente no momento em os preços de produtos agrícolas de exportação voltaram a subir.
Armelin também destaca que o governo terá que trabalhar em uma série de incentivos econômicos para quebrar o ciclo da grilagem e da destruição na Amazônia. Ele acredita que será preciso olhar detalhadamente para os financiamentos da produção agropecuária para impedir que fazendas com altas taxas de desmate recebam mais dinheiro. Isso dependerá da ação de outras áreas do governo, como o Ministério da Agricultura, em um novo plano contra o desmatamento. “Se o país tiver metas internas sobre corte nas derrubadas, ficará muito mais claro qual o total de recursos que precisamos para combater o desmatamento”, diz.
A divulgação de uma nova queda de desmatamento deve ter efeito positivo na delegação brasileira que está em Bali negociando um novo acordo na Convenção das Nações Unidas para a Mudança Climática. A redução no desmatamento, observa o diretor internacional de Florestas do WWF Rod Taylor, mostra que países em desenvolvimento como o Brasil podem ter governança sobre suas florestas e portanto participar de um esquema financeiro que recompense o esforço de combate à degradação.
* Vandré Fonseca é jornalista em Manaus (AM)
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