Reportagens

Vida pela metade

Pesquisadores defendem que separação de ambientes onde sapos se desenvolvem daqueles em que se reproduzem explica declínio de população desses anfíbios em São Paulo.

Vandré Fonseca ·
13 de dezembro de 2007 · 17 anos atrás

A desconexão entre os ambientes onde nascem e se desenvolvem larvas e sapos, com aqueles aproveitados em sua vida adulta para reprodução é fator preponderante na redução da população de anfíbios no estado de São Paulo. É o que afirma um artigo de pesquisadores brasileiros na edição da revista Science desta sexta-feira. Segundo eles, essa separação dos habitats, importantes em diferentes épocas da vida do animal, é mais grave do que a redução ou a fragmentação das florestas.

O artigo é baseado em um capítulo da dissertação de mestrado em Ecologia de Carlos Guilherme Becker, pela Universidade de Campinas (SP), e é assinado também pelo doutor em Ecologia e co-orientador da dissertação, Carlos Roberto Fonseca, da Unisinos do Rio Grande do Sul, além de Célio Fernando Baptista Haddad, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp-Rio Claro), Rômulo Fernandes Batista, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) e Paulo Inácio Prado, da Universidade de São Paulo (USP), o orientador da tese. A pesquisa foi apoiada pelo Programa Biota/ Fapesp.

“A desconexão, um conceito novo em Biologia da Conservação, é um tipo especial de fragmentação e ocorre quando o habitat do animal adulto é separado pela ação do homem das áreas de reprodução”, explica Carlos Roberto Fonseca. De acordo com ele, o conceito serve para analisar as conseqüências da fragmentação de habitats para outros animais, como o caso da construção de hidrelétricas, que afetam a reprodução de peixes migratórios e mamíferos aquáticos.

Durante a pós-graduação, Becker e os colegas capturaram e mapearam a presença dos bichos onde o rio mantinha matas de galeria e também em locais em que ela já havia sido derrubada no interior de São Paulo. “Percebemos que no início do período reprodutivo eles saíam da mata e desciam ao rio para se reproduzir”, conta Becker. Mas nesse trajeto, o sapo encontra um ambiente aberto para o qual não está adaptado e fica sujeito a predadores, doenças e, o que é bastante grave no caso de anfíbios, à perda de umidade. “Para o jovem é pior ainda porque durante tudo o processo evolutivo ele saía da água e já estava na floresta, e agora ele fica perdido ou morre no caminho”, afirma Carlos Roberto Fonseca. “Se o desmatamento é ruim, alguns tipos de desmatamento são piores”, completa.

De acordo com os pesquisadores, 76% das matas de galeria estão destruídas. Segundo o artigo, na Mata Atlântica são encontradas 486 espécies de anfíbios, 16 delas ameaçadas. Os pesquisadores explicam que, durante a ocupação da Mata Atlântica, a agricultura e a pecuária tomaram lugar da mata ciliar, onde as terras geralmente são mais produtivas e de acesso mais fácil. Com isso, os fragmentos de florestas sobraram nas áreas mais altas e secas ou locais de grande inclinação, separados dos corpos d’água.

Fragmentações diferenciadas

O resultado da fragmentação da floresta é estudado desde a década de 70 a milhares de quilômetros de São Paulo, no Projeto de Dinâmica Biológica dos Fragmentos Florestas (PBDFF), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus. Os fragmentos estudados no campo experimental de Manaus são bem diferentes dos encontrados em São Paulo. No interior paulista, eles estão isolados por pasto ou plantações. Na capital do Amazonas, o entorno desmatado foi abandonado em seguida. Hoje ao redor dos fragmentos existem capoeiras com diferentes idades que interferem na ecologia e estado de preservação da mata primária.

O ambiente no entorno dos fragmentos é a razão para que no PBDFF o número de espécies tenha aumentado. No primeiro momento, a derrubada da mata permite a chegada de espécies que vivem em áreas abertas, como savanas e várzeas, de acordo com o doutor em Biologia, Bill Magnusson, coordenador do Programa em Pesquisa da Biodiversidade (PPBio). “Quando as primeiras perturbações são pequenas, abrem a possibilidade de entrada de novas espécies, mas quando a área é grande você começa a ter problemas”, explica Magnusson.

Mas quando o desmatamento chega a um nível crítico, as espécies que viviam na floresta começam a desaparecer, porque não estão adaptadas às novas condições. “Em geral, nossos resultados mostram que os sapos generalistas aumentam nas bordas dos fragmentos (por explorar os novos recursos expostos pela fragmentação) enquanto os especialistas começam a declinar porque não toleram as mudanças (microclimaticas) causadas pela fragmentação”, afirma a doutora Regina Luizão, coordenadora científica do programa. A pesquisa de Becker e colegas ajuda a entender que a separação entre fragmentos e cursos d´água são um fator importante deste declínio, pelo menos para os anfíbios.

Outros estudos no Amazonas colaboram demonstram a necessidade de cuidados maiores na preservação das matas ciliares, como propõem os pesquisadores de São Paulo. O doutor em Ecologia, Jansen Zuanon, também do Inpa, realiza pesquisas no campo experimental do PBDFF e na área urbana de Manaus. De acordo com ele, a derrubada da floresta altera o ritmo de chuvas e a formação dos poços laterais aos rios, usados para a reprodução dos anfíbios. A retirada da vegetação deixa o clima mais seco e mais quente, o que tem efeito direto sobre estes animais.

Ele tem estudos também sobre a relação entre o tamanho da mata de galeria e as condições ambientais dos rios, que demonstram a importância da cobertura vegetal ao longo dos cursos d’água. Ele pesquisou a fauna associada às camadas de folhas submersas e verificou que a derrubada da floresta reduz o número de peixes nestas áreas.

“Não adianta derrubar tudo e deixar uma faixa estreita ao longo do rio. Isto pode até ser esteticamente bonito, mas não evita os problemas”, diz Zuanon. “A largura da mata deve ser suficiente para manter a captação hídrica e preservar os processos ecológicos associados ao escoamento de água e ao funcionamento do igarapé”, defende o pesquisador do Inpa.

É exatamente o que sugerem os autores do artigo da Science publicado nesta sexta-feira. Para eles, o planejamento de reservas deve ser feito com base nas bacias hidrográficas. Além disto, é preciso reforçar as leis de proteção das matas ciliares e conectá-las aos fragmentos de floresta existentes. Os sapos coaxariam mais tranqüilos.

*Vandré Fonseca é jornalista em Manaus.

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