Reportagens

Comércio animal

Visita à rua 25 de março, em São Paulo, revela venda de espécies silvestres e domésticas sem qualquer controle. Ibama e Polícia alegam ser difícil rastrear os infratores.

Cristiane Prizibisczki ·
4 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás

Na rua 25 de março, no centro da capital paulista, é possível encontrar de tudo. Roupas, brinquedos, utensílios domésticos e enfeites dividem espaço com produtos piratas que vão de CDs de música a óculos de sol. A novidade são os diferentes “produtos” ilegais que chegaram à região: filhotes de animais, como jabutis, coelhos, gatos, cachorros e pintinhos.

A venda ilegal de animais na região já é conhecida pela Polícia Ambiental e Ibama e alguns veículos de imprensa até já alertaram para o problema. No entanto, segundo ambos os órgãos, a fiscalização é muito difícil de ser efetuada, já que os vendedores fogem ao perceberem a presença dos fiscais e se escondem no meio da multidão. “Essa é uma briga constante, porque é como a venda de entorpecentes”, diz o tenente da Polícia Ambiental Marcelo Robis.

Segundo o Ibama, que também realiza fiscalização periódica na região, apesar de não haver dados que indiquem um aumento no comércio dos animais na época do Natal, tudo leva a crer que no final de ano os vendedores lucram mais, seja porque é época de procriação de varias espécies ou porque o número elevado de pessoas nas ruas ajuda a camuflar a venda.

Em breve visita à região da rua 25 de março, uma semana antes do Natal, a reportagem de O Eco presenciou a venda de coelhos e jabutis. Os filhotes de coelhos, cerca de 10, eram vendidos em caixa de plástico que continha folhas velhas de alface e cenouras. Com apenas 25 dias de vida, eles chamavam a atenção das pessoas que passavam. Somente uma mulher do grupo de pedestres que rodeava o vendedor questionou o bem estar dos animais. “Não é judiação?”, disse. “É nada, eles já estão grandinhos e ‘desmamados’. Aproveita que eu vendo por R$ 30. No pet shop a senhora vai comprar por R$ 90”, respondeu o ambulante.

As condições a que são submetidos os jabutis são ainda mais cruéis. Com cerca de 7 cm, o réptil fica exposto na mão do vendedor, dentro de uma caixa de sanduíche com tampa. Ao menor sinal de movimentação estranha, a tampa da caixa é fechada e os animais são colocados em sacos plásticos. “Cada um custa R$ 50, mas para a senhora eu faço por R$ 45”, diz o vendedor, que comemora a venda de dois outros filhotes no dia anterior. Segundo ele, os filhotes vêm da Bahia e são saudáveis. “Ela está bem”, mostra o ambulante, levantando e sacudindo o animal, que chama de tartaruga.

Segundo outros camelôs da 25 de março, os vendedores de jabutis não têm ponto fixo, mas o comércio ocorre perto de ambulantes que vendem cortadores de legumes, que acabam fornecendo cenoura e repolho ralado para os filhotes.

Fiscalização

Além da quantidade de gente que circula na região e da sagacidade dos vendedores, a fiscalização da venda de animais esbarra em outros entraves. O primeiro deles é a distribuição de responsabilidade entre os órgãos fiscalizadores, já que na 25 de março são vendidos animais silvestres, como o jabuti – a quem a fiscalização compete ao Ibama e à Polícia Ambiental -, e os cachorros e gatos, de responsabilidade da Prefeitura da cidade.

O outro é na elasticidade do conceito de “mau-trato”, que determinaria a prisão do vendedor de animais domésticos. “Só podemos autuar se tiver ato de crueldade, como uma situação de stress ou se o animal estiver machucado, sem água ou alimento”, disse o tenente Robis. “Se houver dúvida de que haja mau-trato, eu preciso de um médico veterinário. O problema é que um veterinário pode achar que há, outro não”, lamenta.

De acordo com o Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), o conceito de “mau-trato” não está delimitado e realmente depende da interpretação do médico veterinário. Porém, o órgão lembra que, no dia 16 de julho deste ano, foi aprovada a lei municipal número 14.483, que regulamente a compra e venda de animais domésticos. Segundo a lei, “são vedadas a venda e a realização de ventos de doação de cães e gatos em praças, ruas, parques e outras áreas públicas do município de São Paulo”. A multa é de R$ 1 mil a R$ 500 mil.

Apesar das constantes fiscalizações dos órgãos competentes – que realizam rondas periódicas e atendem denúncias -, Ibama e Polícia Ambiental são unânimes em dizer que, “se vende é porque tem alguém que compra”. “Periodicamente passamos lá, mas é como enxugar gelo, porque é o tempo todo. Isso tem que mudar e a grande mudança está no consumidor, que tem que se conscientizar para o problema”, explicou em comunicado a assessoria de imprensa do Ibama em São Paulo.

No caso das denúncias, o órgão alerta para alguns dados que as pessoas devem fornecer, para que a fiscalização seja facilitada. E preciso que o denunciante dê detalhes da pessoa, como porte físico, que roupa usa e que lugar geralmente fica, orienta o Ibama.

* Cristiane Prizibisczki é repórter em São Paulo

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Análises
23 de dezembro de 2024

Soluções baseadas em nossa natureza

Não adianta fazer yoga e não se importar com o mundo que está queimando

Notícias
20 de dezembro de 2024

COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas

Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados

Reportagens
20 de dezembro de 2024

Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial

Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.