Dez dias após a ministra do Meio Ambiente Marina Silva participar de um encontro do Criacionismo, teoria que atribue a origem do universo a entidades inteligentes, chega ao Rio de Janeiro uma exposição sobre a vida e obra de Charles Darwin, o naturalista responsável por definir os preceitos da biologia moderna. Lecionadas nas escolas em todo o planeta, suas pesquisas tiveram início na viagem a bordo do navio HMS Beagle e servem de base até hoje em diversos campos de estudo, como na descoberta do DNA e cura de doenças. A partir desta quarta-feira, o Museu Histórico Nacional abre suas portas para o público conhecer um pouco mais da história de um dos maiores ícones do século XIX.
A trajetória de Darwin no mundo natural começou desde cedo, quando costumava colecionar besouros na Inglaterra, seu país natal. Membro de uma família abastada, foi educado para se tornar médico e pastor, mas o fascínio pela biodiversidade o levou a caminhos bem distintos daqueles traçados por seu pai. Em 1831, já com a graduação religiosa da Universidade de Cambridge em mãos, embarca em uma viagem pelo País de Gales a convite do grande geólogo Adam Sedgwick, um de seus professores. Na ocasião, ele percebe a real importância de estudar as características físicas de uma região e adquire conhecimentos que lhe seriam fundamentais no futuro.
Ao voltar de viagem, uma carta o aguardava com potencial de modificar todo o rumo de sua vida: o seu grande mentor, J.S. Henslow, o havia indicado para ser o naturalista da embarcação HMS Beagle, liderada pelo capitão Robert Fitzroz. De acordo com a hierarquia da sociedade inglesa à época, um comandante não poderia fazer refeições em companhia da tripulação. Tenso com a previsão de passar dois anos em alto mar, Fitzroz pediu a presença de alguém do mesmo nível intelectual que o seu para colocar a conversa em dia e tornar a viagem mais agradável. Depois de um único encontro, Darwin foi escolhido.
O objetivo principal do trajeto era mapear todos os portos do litoral da América do Sul para atualizar os mapas, já que a região tinha extrema importância estratégica para a Inglaterra mercantilista de então. Mas, na verdade, a história reconhece a expedição como a base para as fundamentais descobertas de Darwin, que deram origem ao famoso livro “A origem das espécies”. Afinal, dois terços do período vivido pelo cientista na viagem, que durou de dezembro de 1831 até outubro de 1836 (três anos a mais, portanto, do que a previsão inicial de duração), foram passados em terra firme, em busca de material para suas análises.
Humanidade
“A exposição demonstra que a ciência é essencialmente humana”, avalia Niles Eldredge, curador do Museu de História Natural de Nova Iorque e responsável pela mostra. De acordo com ele, a passagem pelo Rio de Janeiro trouxe inovações na exibição, como um olhar mais localizado das aventuras de Darwin pelo território nacional. Afinal, foi em Salvador que o jovem naturalista, então com 22 anos, realizou o sonho de ver pela primeira vez a exuberância da floresta tropical e de sua vegetação costeira. Na ocasião, com a formação religiosa recém completa, Darwin ainda acreditava que as espécies de animais e plantas eram fruto de obra divina.
Tudo começou a mudar quando o cientista observou a rica biodiversidade brasileira, dona de espécies jamais vistas pelos europeus. “Minha mente é um caos de deleite”, chegou a dizer quando avistou a beleza da Mata Atlântica. Durante os quatro meses de estadia no país, Darwin coletou diversos insetos, invertebrados e plantas, os quais encaixotava e enviava para amigos naturalistas europeus, que examinavam com maior rigor os indivíduos. Este procedimento foi seguido no decorrer de toda a viagem.
A volta ao mundo que seria realizada pelo HMS Beagle seguiu por diversos países, como Argentina, Chile e Cabo Verde. “Mas Darwin acredita que a América do Sul foi a região de maior relevãncia para suas pesquisas”, explica Eldredge. “Na exposição há a evolução científica de Darwin, porque ele escondeu por tanto tempo suas descobertas e o que o forçou a publicar seus escritos”, completa. Ao caminhar pela ampla sala do Museu Histórico Nacional que vai reunir textos e objetos para narrar a trajetória do homem conhecido por revolunionar a ciência, percebe-se que o curador tem razão.
Basta andar um pouco pelos corredores da exposição para esbarrar com uma placa informativa que conta detalhes para o público da estadia de Darwin na Patagônia. Foi lá que ele encontrou fósseis de espécies já extintas, como um animal parecido com um tatu gigante, chamado de gliptodonte. A partir daí veio uma das perguntas que, um pouco mais tarde, ele mesmo responderia: “Por que as espécies atuais vivem junto de seus semelhantes?” É também nesta expedição que entende ter a Terra muito mais do que seis mil anos, como era a crença de então. Afinal, muitos animais e plantas já haviam desaparecido, o que demanda um tempo muito maior de história.
Ancestral comum
Outros locais também tiveram fundamental importância em seus estudos. Na costa do Chile, por exemplo, ele vê vulcões em erupção e reconhece, no alto dos Andes, uma floresta tropical petrificada. “Ele descobre que esse fenômeno não caberia em um espaço curto de tempo. E, como anotava tudo o que via, era mais fácil de estudar depois. Também nota, em suas andanças, que os parâmetros naturais capazes de modificar um ambiente são inúmeros. Por isso, é também infinita a possibilidade de aparecimento de novas espécies adequadas a cada local”, afirma Maria Isabel Landim, bióloga do departamento de zoologia da USP e co-curadora da mostra para a visão brasileira.
Um dos principais exemplos dessa percepção, explica Landim, são os tentilhões coletados por Darwin em Galápagos. Recolhidos em ilhas iguais ou próximas, o cientista enviou as aves para a Inglaterra em lotes diferentes, como se pertencessem a famílias distintas, de tão opostos que eram fisicamente. Apenas com estudos minuciosos feitos por seus amigos naturalistas, foi possível perceber que, na verdade, todos eram tentilhões da mesma família, membros de espécies variadas em virtude das mínimas diferenças ambientais e regionais.
Outra descoberta de suas pesquisas foi a comprovação de semelhanças entre avestruzes na África e as emas na América do Sul. Essa foi uma das muitas evidências que o levaram a crer serem todos os seres vivos oriundos de uma mesma ancestralidade. Darwin começava, neste momento, a criar as bases para a teoria de evolução das espécies, na época conhecida como transmutação. Ele percebeu que elas permaneciam em constante transformação.
Quando regressou para Londres, em 1836, Darwin se dedicou a entender tudo o que havia presenciado. A exposição apresenta uma réplica do primeiro esboço da árvore genealógica, de onde todos os seres vivos teriam partido. Corria o ano de 1837. Algum tempo depois, o cientista se muda com a família para o interior da Inglaterra, onde passa seus dias no escritório estudando teorias para fundamentar suas descobertas. Sempre com apenas uma lupa ou microscópio rústico.
Depois de ler o ensaio de Robert Thomas Malthus sobre o crescimento da população, Darwin ampliou ainda mais seu leque de informações. A partir daí, percebeu que nascem mais animais e plantas do que podem sobreviver, e ficam apenas os mais competitivos (como os que têm tolerância à seca, pelagem mais espessa etc). Um grão de areia, descreve, pode mudar a estrutura de uma região e propiciar o desaparecimento de algumas espécies e o surgimento de outras.
Detalhes técnicos
A exposição ficará no Rio de Janeiro até o dia 13 de abril de 2008. Depois de uma temporada de grande sucesso em Nova Iorque, quando foi visitada por meio milhão de pessoas, a mostra desembarcou em São Paulo em 2007. Na capital do estado, recebeu novos 175 mil curiosos pela história de quase dois séculos atrás, que, entre outros fatos, mostra o medo de Darwin em publicar tantas novidades na sociedade conservadora da época.
Além de conhecer um pouco sobre a vida e a trajetória do autor de uma das teorias mais revolucionárias do período moderno, o público que for até o Museu Histórico Nacional terá a oportunidade de perceber o choque causado em Darwin pela escravidão no Brasil e o quanto essa realidade afetou a sua obra. Será possível também conhecer um pouco sobre a influência de seus manuscritos, livros e cartas em cima do trabalho científico atual no mundo e em nosso país, a partir do relato de pesquisadores brasileiros.
A mostra é também destinada às crianças, e uma extensa parceria com a rede pública e particular está sendo formada pelo Instituto Sangari, que atua na melhor disseminação da educação a partir da ciência e foi responsável por trazer a exposição ao país. “Nossa intenção é melhorar a qualidade da educação nas escolas públicas. Por isso temos uma parceria com o museu de Nova Iorque”, ressalta Ben Sangari, presidente do instituto.
Depois do Rio, a mostra vai viajar o Brasil e passar pelas principais capitais. Quem dá o recado é Bianca Rinzler, diretora do Sangari. “Vamos passar por Brasília, Goiás, Curitiba, Belo Horizonte, Fortaleza, entre outros”, diz. Não custa enviar um convite para Marina Silva.
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