Este número – 20% – não se tornou comum por acaso: sua fama vem da citação feita no quarto relatório do IPCC (Painel Integovernmental sobre Mudanças Climáticas). Mas mesmo sustentado por fonte tão conceituada, a cifra não para de gerar controvérsias entre estudiosos do ciclo de carbono nas florestas tropicais. Há quem ache que o número é superestimado, há outros que falam que ele pode ser baixo demais. O que todos concordam é que a estimativa usada pelo IPCC é antiga, de 1990.
Uma das vozes que decidiu colocar o famigerado 20% em questão é a do diretor-geral do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), Gilberto Câmara, que classifica a cifra de emissões de “mantra” e “abobrinha.” Em reunião recente da Sociedade Brasileira para o Avanço da Ciência (SBPC), em Manaus, ele anunciou que o INPE vai produzir artigos científicos que terão números mais atualizados sobre as emissões globais por desmatamento.
“Pelo cálculo do IPCC, o desmatamento da Amazônia contribuiria com até 10% das emissões mundiais de carbono. Isso é muito e temos que lembrar que o desmatamento caiu pela metade nos últimos anos. Isso certamente teve impacto sobre o total das emissões”, argumenta Câmara . Ele prefere esperar pelos resultados das pesquisas antes de arriscar dizer qual poderia ser a real participação das emissões amazônicas. Mas garante que até o fim do ano os novos dados já estarão disponíveis.
Impacto nas negociações
A disposição do INPE para ter dados prontos até o fim do ano coincide com o prazo das negociações de um novo acordo climático na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que ocorre em Copenhague, Dinamarca. Ali, o tradicional embate entre os países ricos e as nações em desenvolvimento vai mais uma vez determinar o alcance das novas metas de redução de carbono.
O Brasil e outros países com floresta tropical, se munidos de novos dados sobre as emissões por desmatamento, poderão assumir compromissos de acordo com o verdadeiro tamanho de suas partipações nas emissões mundiais, pondera Gilberto Câmara. Porém, mais do que assumir responsabilidades, com a prova de emissões menores, Brasil e seus aliados poderão cobrar metas mais duras para os países desenvolvidos.
“A quem interessa difundir esse mantra dos 20%?” questiona o diretor do INPE. “Não há bonzinhos nesta história”, alfineta. Apesar disso, Câmara diz que a idéia não é diminuir o compromisso do Brasil com a meta de reduzir o desmatamento. “Nosso papel como instituição de pesquisa é fornecer os melhores e mais precisos dados ao governo brasileiro.”
Como será o estudo
crédito : Liana Anderson
Queimada no Mato Grosso. Determinar biomassa será chave para saber emissões corretas por desmatamento. |
Os levantamentos mais recentes mostram que as emissões por queimadas e desmatamentos ao redor do mundo são de fato inferiores àquelas apresentadas no relatório do IPCC. O World Resources Institute lançou seu balanço de emissões baseado nos dados de 2005 e sustenta que ao contrário dos 20%, as mudanças no uso da terra chegariam a apenas 12,5% das emissões globais, onde 11,3% são emissões por desmatamento e 1,3% por manejo de áreas agrícolas (queimadas, aragem de terra). Desconta-se ainda 0,4% por regeneração florestal.
Luiz Aragão, da Universidade de Exeter (Reino Unido) e que está conduzindo uma pesquisa com apoio do Conselho de Pesquisa em Ambientes Naturais (NERC – sigla em inglês), é um dos pesquisadores brasileiros envolvidos em um dos mais amplos levantamentos sobre as emissões de carbono por queimadas florestais na Amazônia. Para ele, os 20% sustentados pelo IPCC para as emissões globais por mudança da terra podem estar superestimados. Mas para comprovar isso, ele diz, é preciso resolver as muitas incertezas entorno do número.
Mais ou menos?
“As emissões podem estar superestimadas, mas elas podem muito bem estar subestimadas também”, alerta. Por exemplo, o tempo de decomposição das árvores tombadas em uma área desmatada é vital para determinar a taxa de emissões. Para saber com precisão as taxas de emissão de carbono é preciso verificar o destino das árvores retiradas. Ou seja, se as árvores derrubadas são deixadas no campo para queimar e se decompor ou estão sendo utilizadas para outros fins, como construções, onde o carbono é imobilizado. Alguns dados mostram que árvores grandes na Amazônia demoram até três anos para se decompor, e neste período as emissões continuam ocorrendo.
Talvez o dado que necessita ser melhor explicado, aponta Aragão, é das queimadas por baixo da copa das árvores. Ao contrário do corte raso da floresta, que pode ser enxergado facilmente nas lentes dos satélites, os incêndios florestais que se espalham por baixo do denso dossel da Amazônia queimam e emitem sem serem notados. “Não sabemos ainda, mas já existem estimativas que indicam que este tipo de queimada, quando a floresta está muito seca, como ocorreu em 1998 e 2005, pode emitir quantidades de carbono similares a todo o desmatamento computado”, diz.
As estimativas preliminares do pesquisador são que a Amazônia pode contribuir, durante períodos de seca intensa, com emissões entre 0,22 bilhão de toneladas por ano a 0,68 bilhões de toneladas, contando-se os desmatamentos, o corte seletivo de madeira e os incêndios florestais. Isso significa que a Amazônia pode partipar com 13% a 42% das emissões por mudança do uso da terra. Na visão de Aragão, uma incerteza ainda grande, mas o suficiente para pressionar os negociadores em Copenhague a buscar uma solução contra a destruição da floresta.
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