Disposta e bem humorada, aparentemente ilesa após sua saída do Ministério do Meio Ambiente – MMA, a ex-ministra Marina Silva (PT/AC) concedeu hoje uma entrevista coletiva marcando seu retorno ao Senado. Confirmou que não sabia da nomeação do ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos Mangabeira Unger para o comando do Plano Amazônia Sustentável – PAS, disse que não conversou com Lula sobre seu afastamento do MMA e recomendou que o novo ministro Carlos Minc (PT/RJ) mantenha planos e projetos de sua gestão, como forma de não enfraquecer o combate ao desmatamento e crimes ambientais.
Pontuado como um dos principais motivos para a extemporânea saída de Marina Silva da pasta ambiental do governo, a nomeação de Unger sem dúvida foi muito indigesta para a senadora acreana. Ela confirmou que foi pega de surpresa com a nomeação do ex-professor da Universidade de Harvard (Estados Unidos) pelo presidente Lula, durante o lançamento do PAS, semana passada. “Não fui consultada”, disse.
Consulta por consulta, Marina parece ter dado o troco em Lula ao pedir demissão via carta, sem informá-lo antes. O caso foi parar na imprensa, por onde o presidente e boa parte de sua equipe foram comunicados. Questionada sobre quando haveria um encontro com Lula, como manda o protocolo, Marina foi enfática. “A carta diz tudo”. Sua exoneração foi publicada hoje no Diário Oficial da União.
Sobre o petista Carlos Minc, ministro que assume a partir de segunda-feira o Ministério do Meio Ambiente, a senadora comentou que ele tem capacidade e histórico para tocar a agenda ambiental do governo, mas ressaltou que a tarefa não será jogo fácil. “Conheci o Minc quando ele ainda tinha cabelo, e ele pode até perder um pouco mais. Não sei qual foi o termo de referência acertado entre ele e Lula”, disse.
Marina Silva quis dar a entender que foi para a cruz em nome de programas e planos pela preservação da Amazônia e pelo desenvolvimento sustentável nacional. Recomendou que Minc mantenha e reforce ações e realizações vistas como positivas em sua gestão. Entre elas, a criação de unidades de conservação, a implementação de planos nacionais de águas e de combate à desertificação, o sistema Deter de alerta de desmatamentos e a resolução do Conselho Monetário Nacional que dificultou a liberação de créditos para quem não segue a lei e o Plano Amazônia Sustentável. “Não seguir essas políticas seria um retrocesso. Essas agendas precisam se consolidar”, avisou.
Ela também desfiou outras realizações de sua gestão, ligadas ao chamado “comando e controle”, como a prisão de 665 pessoas e a criminalização de 1,5 mil empresas ligadas a ilegalidades ambientais, além das 66 mil propriedades inibidas por grilagem. Tudo isso estaria atrelado a ações de fomento ao desenvolvimento sustentável, como a Lei de Gestão de Florestas públicas e os planos da BR-163 e Amazônia Sustentável.
Muitas dessas medidas ganharam terreno desde o início do ano, quando a senadora decidiu pela divulgar os números do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que apontavam a retomada do desmatamento na Amazônia. Uma das medidas mais duras foi o ataque massivo do governo a 36 municípios que responderiam pela metade das derrubadas na região.
Governadores como Blairo Maggi (MT) e Ivo Cassol (RO), nenhum com currículo ambiental em dia, passaram a tecer críticas duras e diretas à atuação de Marina Silva. Muitas censuras foram sussurradas no pé do ouvido do próprio presidente, cada vez mais próximo de setores produtivos e ruralistas.
“Alguns governadores estão pressionando muito contra as medidas tomadas com base no Deter, mas um sistema de alerta serve para isso mesmo. Mas não podemos só esperar pelo desmatamento consolidado. Tenho muita segurança sobre os dados do Inpe, que monitora a Amazônia há mais de 20 anos”, comentou ao admitir que os líderes de Rondônia e Mato Grosso querem reverter o pacote de medidas contra desmatadores adotado este ano.
Marina Silva preferiu não ligar a um momento específico a pendurada de chuteira no MMA, atribuiu tudo a um longo processo de desgaste. Depois de tanta deterioração política, a senadora afirmou que não tinha mais “condições dentro do governo de dar continuidade à agenda ambiental”. Por isso, ela acredita que a chegada de Minc possa dar novo fôlego à pasta “Melhor o filho vivo no colo de outro do que jazendo no próprio colo. Entrei e saí pela porta da frente, no momento oportuno. O tempo e a história mostrarão se foi ou não uma derrota”, ressaltou.
Lula amigo
Apesar de ter dado todas as faces à tapa ao presidente Lula, Marina Silva deixa o Ministério do Meio Ambiente aparentemente confiando em seu colega de partido. Diz-se contente com as afirmações do presidente de que a agenda ambiental não mudará, mas não revela exatamente se manterá uma atuação pacífica na tribuna do Senado. “Agradeço à Lula a oportunidade. Continuarei ajudando nesse processo no Senado. O Brasil tem que fazer jus à potência ambiental que é”, disse.
Ela não poupou recados, no entanto, aos eufóricos dos biocombustíves. Reforçou que os mesmo devem ser produzidos com sustentabilidade ambiental e social, e bem longe da Amazônia, de preferência. “A Amazônia não pode ter cana de jeito nenhum”, afirmou.
Sobre o futuro, a senadora foi econômica em comentários, mesmo com seu nome ser lançado freqüentemente por correligionários verdes à Presidência da República. O último episódio aconteceu durante a 3ª Conferência Nacional do Meio Ambiente. Diz-se ainda fiel ao Partido dos Trabalhadores e que não pensa no governo do Acre. No horizonte, Marina Silva e Jorge Viana devem concorrer ao Senado, enquanto o senador Tião Viana (PT/AC) pode lançar-se ao pleito do governo acreano.
O retorno de Marina Silva ao Senado, retomando a vaga ocupada por seu suplente Sibá Machado, deve levar ao Congresso alguns de seus assessores diretos tradicionais, como Bazileu Alves Margarido, ex-presidente do Ibama, além de Jane Villas Boas e Carlos Vicente. A dúvida maior é para onde irá Fábio Vaz de Lima, assessor de Machado e marido da senadora.
Transição tranqüila
Ouvidor pela reportagem de O Eco, secretários do MMA apostam em uma transição tranqüila com a chegada de Carlos Minc. Ele não deve promover grandes rupturas em ano de eleições e com seca se aproximando das florestas na Amazônia. Luciano Zica, secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do MMA, estava com saída marcada para agosto. Agora, adiantou seu afastamento. “Quem tiver disposição, poderá ser reaproveitado”, projetou o ex-deputado pelo PT paulista.
Um dos destaques na coletiva de hoje da ex-ministra Marina Silva foi a ausência do secretário-executivo João Paulo Capobianco, braço direito da senadora no MMA. Será que ele permanece na presidência do ICMBio? Capobianco é filiado ao Partido Verde, sigla que o novo ministro Carlos Minc ajudou a fundar.
A volta de Marina Silva ao Senado, além de dar novo fôlego à Bancada Evangélica do Congresso, promete novos arranjos políticos, ainda mais se fizer uma dobradinha real com Minc no Ministério do Meio Ambiente. No entanto, caso o novo titular da pasta ambiental de Lula não dê sinais de continuidade administrativa, pode acabar a trégua entre o governo e organizações não-governamentais. A maioria das entidades civis mantinha os ânimos arrefecidos com a presença da senadora no MMA.
“O posicionamento de muitas organizações não-governamentais foi pragmático, frente à crença de que Marina Silva estava fazendo o que era possível e necessário. Seguramente essa trégua pode acabar, imagino que as ONGs serão duras”, disse Paulo Adário, coordenador da Campanha Amazônia do Greenpeace.
Leia também
Concessionária quer fechar parques da Serra Geral e Aparados da Serra
ICMBio é contra a proposta, gerada por supostos prejuízos pela baixa procura pelas unidades de conservação, no RS e SC →
Plot Twist Ecológico: a resiliência de sistemas naturais após a eliminação de goiabeiras
Frutos atraentes de espécies exóticas, como a amoreira e a nêspera, acabam monopolizando a atenção dos frugívoros, que deixam de consumir frutos de plantas nativas →
Adeus ao mestre imortal Milton Thiago de Mello
Médico-veterinário com mais de 80 anos de carreira, referência no ensino e na formação de primatólogos, Milton faleceu nesta terça (1º), aos 108 anos →