Propostas de mudança no Código Florestal Brasileiro (Lei 4771/65), como as que prevêem diminuição da Reserva Legal de 80% para 50% na Amazônia e autorização para o plantio de espécies exóticas para fins de recuperação, têm gerado discussões acaloradas no Congresso Nacional. Enquanto isso, a Assembléia Legislativa de São Paulo aprovou, a toque de caixa, uma lei que permite a recomposição da Reserva Legal do Estado com a introdução de espécies exóticas. De autoria do deputado Valdomiro Lopes (PSB-SP), a lei foi promulgada pelo governador José Serra no dia 23 de abril, apenas quarenta dias depois do começo de sua tramitação. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente só divulgou a notícia na segunda semana de maio.
A norma 12.927 diz que o proprietário que tiver sua área de Reserva Legal menor do que o previsto na legislação poderá “optar por recompor a vegetação no próprio imóvel, por meio de plantio de espécies arbóreas exóticas, intercaladas com espécies arbóreas nativas de ocorrência regional ou pela implantação de Sistemas Agroflorestais”.
O que a lei propõe é um sistema de plantio consorciado em que o percentual máximo de plantas exóticas não ultrapasse 50%. Também está previsto que os proprietários que optarem por esse tipo de plantio têm direito a sua exploração, mas não podem replantá-las ao fim do ciclo de produção do plantio inicial, de modo que elas atuem como espécies pioneiras da recomposição vegetal. Ficam liberadas desta restrição as pequenas propriedades – com área até 30 hectares – manejadas para subsistência.
A lei ainda determina que só poderão ser plantadas espécies exóticas que já ocorrem no bioma, como a seringueira. As plantas consideradas “espécies-problema”, ou seja, aquelas que poderão interferir negativamente no desenvolvimento da recuperação florestal, como a Leucaena spp, Pinus spp, Brachiaria spp, entre outras, estão vetadas no Estado. A lei será regulamentada em 90 dias, a contar da data de sua publicação, e os proprietários que optarem por ela terão prazo de até oito anos para que seja efetivada.
De olho no agronegócio
O texto da lei 12.927 começou a ser formulado há cerca de três meses, depois que um outro projeto do deputado Valdomiro Lopes – que propunha a recomposição da Reserva Legal com 100% de espécies exóticas – ter sido vetado pelo governador José Serra. Na época, o projeto de lei passou pela Assembléia. Ambos os projetos de Lopes partiram das reivindicações de proprietários rurais no interior de São Paulo, descontentes com o Decreto 50.889, assinado pelo então governador Cláudio Lembo em junho de 2006, que regulamentou o Código Florestal e exigiu que a determinação do percentual de 20% de Reserva Legal fosse seguida à risca.
Segundo Lopes, a reclamação centrava-se no fato de que, se cumprido o decreto, o Estado perderia 10% de suas áreas cultiváveis, o que traria um impacto econômico muito grande aos produtores paulistas. “Em algumas comarcas, principalmente na minha região, no Norte e Noroeste do Estado, os promotores começaram a chamar os proprietários rurais e a notificá-los para que cumprissem essa lei. Isso criou um alvoroço muito grande lá, principalmente porque é uma região focada no agronegócio. Então eles me procuraram [os produtores rurais], eu coloquei minha equipe para fazer um estudo”, argumenta Lopes.
Como o projeto de recuperar as áreas de Reserva Legal degradadas com introdução somente de espécies exóticas não passou pelo crivo do governador José Serra, o segundo foi criado, com a determinação de que a introdução de espécies nativas e exóticas fosse igualitária. “O governador sugeriu que fosse feito um estudo do impacto no meio ambiente e foi quando eu ganhei um grande aliado, que foi o secretário da agricultura [João de Almeida Sampaio Filho]. O secretário Xico [Francisco Graziano] também achou boa a idéia, então eu coloquei alguns técnicos da minha equipe e eles colocaram algumas pessoas da secretaria […] Discutimos o percentual e chegamos à conclusão de que 50% seria o número ideal”, diz o deputado, que atribui a rapidez com que o projeto foi aprovado a este “acordo” de porcentagem feito entre as secretarias e sua equipe.
Bom tom
Segundo dados da SMA, hoje São Paulo possui 230 mil propriedades rurais. Destas, cerca de 200 mil não cumprem os 20% de Reserva Legal previstos na lei. Tendo à frente este cenário, o argumento da SMA é que vale mais uma floresta mista em que as espécies exóticas funcionem como pioneiras e, a longo prazo, cumpram com sua função de biodiversidade, do que o quadro que existe hoje, em que a presença de florestas é praticamente zero. “A lei regulamenta uma coisa que já está prevista no Código Florestal”, diz Helena Carrascosa, técnica da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo.
De acordo com ela, a idéia é que tanto as árvores exóticas quanto os sistemas agroflorestais sejam conduzidos de forma a permitir a regeneração natural das áreas. “Acho que ele [Projeto de Lei] foi aprovado tão rápido porque junta os interesses de produção e conservação. Esse é o tom da proposta e foi, inclusive, a sinalização para a Assembléia”, diz.
Para Carrascosa, apesar de a “regra geral” da conservação ser priorizar o plantio de espécies nativas, ainda não é possível implantar medidas neste sentido no Estado, devido ao seu alto custo. “Sabemos por muitos trabalhos de pesquisa que se você visitar uma área que foi implantada uma floresta só com nativa e uma outra área que foi um SAF, depois de uns 30 anos é igual, tem a mesma diversidade, chega no mesmo lugar. Só que, ou chega no mesmo lugar de um jeito que é mais caro e que você acaba contrapondo a idéia de ‘ou produz ou preserva’, ou chega no mesmo lugar enquanto você produz e preserva ao mesmo tempo”, argumenta.
Quem também comemorou a lei foi a ONG SOS Mata Atlântica, cuja linha de pensamento segue a da SMA. Segundo Mário Mantovani, diretor da entidade, a aprovação da lei foi uma “boa surpresa” para o Estado. “Hoje a Reserva Legal só existe no papel. Em Araçatuba, por exemplo, onde fizemos um levantamento no cartório, só 2% dela são averbados, então significa que ela não existe. Eu acho não é a principal, mas [a aprovação da lei] é uma das estratégias pra fazer São Paulo ter a Reserva Legal recomposta”, diz.
Contraponto
Apesar do clima otimista com que a lei 12.927 foi recebida, há quem vê com ceticismo a proposta da SMA. Segundo o pesquisador Mauro Galetti, doutor em ciências biológicas pela Universidade de Cambridge e especialista em biologia da conservação, as experiências de introdução de espécies exóticas ou Sistemas Agroflorestais já feitas no Brasil foram “desastrosas”. Isso porque, segundo ele, apenas algumas conseqüências desta introdução são previsíveis e sempre ocorrem situações inesperadas, como o descontrole da dispersão da espécie, que pode tomar o lugar das plantas nativas e tornar-se um problema ambiental.
“A jaca, por exemplo, foi introduzida em várias florestas, na Tijuca, em Ilha Grande, Ilhabela. Mas hoje, se não for controlada, ela pode ser uma invasora e competir com as plantas nativas e, com isso, reduzir a diversidade da floresta. Por outro lado, a mesma jaca alimenta diversas espécies nativas onde ela ocorre. Removê-la dos biomas seria um erro enorme, antes teríamos que aumentar a ‘capacidade suporte’ dessas florestas, para que quando tirarmos as jacas, os animais não morram de fome”, explicou ele.
Segundo Galetti, as Reservas Legais devem ser áreas o mais naturais possível e só cumprirão sua função quando tiverem alta diversidade de espécies nativas, abundância de plantas-chave, como palmeiras e figueiras, e quando as espécies plantadas contemplarem uma seqüência fenológica que faça com que essa área tenha sempre flores e frutos para a fauna local. “O problema maior dessas ‘grandes idéias’ é que elas carecem de dados científicos e visam mais o interesse do proprietário do que o da natureza. O Brasil possui a maior diversidade de plantas do mundo, por que em vez de escolhermos espécies exóticas não colocamos as nativas? Existem inúmeras espécies nativas que podem ser usadas como pioneiras ou de sucessão inicial”, argumenta o pesquisador, em crítica à nova lei paulista.
Para Fábio Olmos, biólogo e doutor em zoologia, a existência da lei 12.927 deve estar associada à capacidade da SMA de acompanhar os proprietários que adotarem as determinações e à escolha e manejo das espécies que serão implantadas. “A questão é: quais espécies exóticas serão utilizadas na proposta da secretaria. Pelo que entendi há um cuidado para evitar o uso de espécies que sejam invasivas, isso realmente é uma preocupação válida e é uma coisa que a secretaria tem que estar atenta”, defende.
De acordo com o pesquisador – que defende a lei, mas não a generaliza para outros biomas brasileiros – a Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo é uma das que tem maior corpo técnico e que conta com amplo apoio da Polícia Ambiental. Por essas razões, ele acredita que o órgão está com a faca e o queijo na mão para dar início a um bom trabalho de recomposição da Reserva Legal no Estado. “Jamais vai ser o que tinha antes, mas o produto final da implantação de medidas como as especificadas na lei acaba sendo melhor do que o que temos hoje”, defende.
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