Reportagens

Desmate vendado

Números do desmatamento de abril ficam comprometidos pela cobertura de nuvens sobre a Amazônia. Há, no entanto, duas certezas: a destruição aumenta e o Mato Grosso a lidera.

Aldem Bourscheit · Andreia Fanzeres ·
2 de junho de 2008 · 17 anos atrás

A Amazônia perdeu mais 1.123 quilômetros quadrados (Km2) de matas em abril, segundo o Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A área é semelhante a da cidade do Rio de Janeiro. Em março, 145 Km2 foram derrubados. O crescimento do desflorestamento é muito expressivo, mesmo que os dados do governo tenham sido vendados pela grande quantidade de nuvens sobre a região – 53% em abril e 78% em março.

Mato Grosso e Roraima lideram os índices de desmate. De março para abril, o estado de Blairo Maggi saiu de 112,4 Km2 para 794,1 Km2, enquanto Roraima ampliou de 18,8 Km2 para 284,8 Km2. Os números também foram influenciados pela nebulosidade.

Os números do Deter – Sistema Detecção do Desmatamento em Tempo Real do Inpe, no entanto, apontam um aumento do desflorestamento na Amazônia em períodos mais longos. Entre agosto de 2006 e julho de 2007 (12 meses), 4.974 Km2 de verde sumiram do mapa. Já entre agosto do ano passado e abril de 2008 (8 meses), 5.850 Km2 de floresta desapareceram. O aumento é de quase 20%.

A estiagem, quando ocorre a maioria do desmate anual na Amazônia, começa agora e segue até meados de setembro. “O pior está por vir, mas a expectativa é de que medidas de governo ponham freio no desmate”, disse o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. De olho no mercado de commodities como soja e carne, Minc reconheceu sua influência histórica no desmate amazônico e apostou em medidas governistas para equilibrar a balança com o agronegócio e evitar taxas de desflorestamento maiores que os 11.224 Km2 registrados em 2006/07. “Preços da carne e da soja disparam, e eles têm ligação histórica com desmatamento no Brasil. A soja empurra o gado para novas áreas. Dificilmente teremos números menores que os do período anterior”, admite.

Tendência de alta

A mudança significativa no padrão de nuvens pode, na opinião de Sergio Guimarães, coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV), ONG que faz acompanhamento próprio do avanço do desmatamento no Mato Grosso, comprometer a análise dos dados de desmatamento. “Se você só vê 50% da área, o desmatamento que você vê no mês seguinte pode ser mais antigo. Ou então você pode concluir que havia menos ou mais e errar, porque não viu tudo”, considera.


Fonte – Prodes/INPE

O que importa, para ele, é a existência de uma tendência clara de aumento, independentemente da metodologia que se use para aferir o desmatamento na Amazônia. “Os números podem mudar um pouco, mas no caso de Mato Grosso o que continua inaceitável é a taxa de ilegalidade do desmatamento, ainda acima dos 80%”, lembra Guimarães. Essa tendência mostra a necessidade de uma ação mais efetiva do governo federal na execução de políticas públicas que possam incentivar a preservação e também, num aparato maior de fiscalização. “De 2005 a meados de 2007 a tendência era de queda, mas em 2008 isso já se inverteu”.

Desta vez, o INPE fez questão de frisar que os dados divulgados referem-se à degradação progressiva e corte raso. O fato dessa distinção não ter sido compreendida pelo governo de Mato Grosso motivou a maioria dos protestos contra os números do INPE divulgados em janeiro deste ano, pois o estado de Blairo Maggi só considera desmatamento quando é constatado o corte raso. “Essa distinção importa porque o INPE dá instrumentos para a fiscalização. Se ela consegue conter a degradação progressiva, impede, por conseqüência o corte raso”, resume Sergio Guimarães.

Novas medidas

Entre as medidas que devem surtir efeito no médio e longo prazo contra o desmatamento, Carlos Minc lembrou das restrições ao crédito para proprietários irregulares de terras. Ele garantiu que a resolução do Conselho Monetário Nacional corta entra mesmo em vigor dia 1º de julho. Mencionou também o embargo de áreas e da apreensão de cereais produzidos nesses terrenos irregulares. Além disso, o ministro tirou alguns coelhos da cartola.

Anunciou que em 15 de junho começam a apreensão e o leilão de “bois piratas” (gado pastando ilegalmente em áreas protegidas ou irregulares) e a exigência de que siderúrgicas, madeireiras, frigoríficos e agropecuárias informem ao governo sobre seus fornecedores de matérias-primas. A medida é baseada na Lei 10.650/2003. As informações serão veiculadas na Internet. “Quem compra itens de áreas ilegais ou embargadas é co-responsável pelo crime ambiental”, salientou.

Minc também informou que 500 homens foram liberados pelo Ministério da Justiça para engrossar o combate à ilegalidade na Amazônia e formar o “embrião” da Guarda Nacional Ambiental, uma de suas primeiras propostas ao assumir o cargo abandonado por Marina Silva. Um total de 116 operações do Ibama está previsto para os próximos meses, principalmente no Pará, sul do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia. “Nossa guerra é contra o modelo predatório de desenvolvimento, que empobrece a população de destrói a floresta”, arrematou.

Na sexta feira passada, durante o Fórum de Governadores da Amazônia Legal, realizado em Belém (PA), Carlos Minc, havia anunciado a criação do Plano Nacional de Combate a Incêndio e Queimadas e a destinação de um bilhão de reais para a recuperação de reservas legais na Amazônia degradadas ao longo dos anos. O dinheiro será do fundo de proteção a Amazônia e receberá recursos vindos da iniciativa privada e de investimentos estrangeiros. “Será um bilhão com 4% ao ano e 12 anos de carência. Isso é muito importante porque é uma obrigação legal, mas agora vamos garantir que ela seja cumprida. É o cumpra-se da reserva legal”, afirmou o ministro.

Na ocasião, o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, pediu mais prazo para adequação dos estados às novas medidas. Pediu flexibilização do tempo de implementação da resolução do Conselho Monetário Nacional para poder fazer o licenciamento ambiental, alegando que a culpa de não haver propriedades licenciadas não é só dos produtores, mas também do próprio Estado e a União, por não ter estruturado os órgãos ambientais, não ter colocado crédito a disposição, pela insegurança jurídica ao fazer essas regularizações. “Essa medida foi bastante forte e não levou em conta os problemas do campo e da realidade do dia-a-dia. Precisamos tempo, recursos e regras claras para fazer desenvolvimento”, defendeu.

* colaboraram Luciana Cavalcante e Sâmia Maffra, repórteres em Belém.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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