Reportagens

Uma sombra paira sobre Copenhague

Encontro preparatório para Conferência do Clima, em dezembro, termina sem metas de redução de gases de efeito estufa. Para piorar, confiança entre delegações foi abalada.

Gustavo Faleiros ·
9 de outubro de 2009 · 15 anos atrás
Delegados em negociação em Bancoc: encontro deixou mais dúvidas sobre acordo de Copenhague em Dezembro

A 15a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, marcada para começar no dia 07 de dezembro na cidade Dinamarquesa de Copenhague, já foi chamada por ambientalistas e líderes políticos de única oportunidade de salvar o planeta. Da reunião de 170 países, espera-se um novo acordo para evitar que a temperatura do planeta suba mais do que 2oC. Mas parece que o sentido de urgência está sendo perdido, pois a apenas 58 dias da grande conferência negociadores não chegam a um consenso.

Nesta sexta-feira, terminou em Bancoc, Tailândia, mais uma rodada preliminar ao encontro de Copenhague e o balanço das negociações não poderia ser pior. Nenhuma meta concreta de redução de gases de efeito estufa foi estipulada e continua indefinido o pacote financeiro que permitiria a países desenvolvidos estimularem ações ambientais em nações pobres.

Embora os diplomatas tenham conseguido nas últimas duas semanas reduzir diversas incertezas na linguagem do texto que será levado a Copenhague – ele tinha mais de 200 páginas -, a reunião de Bancoc acabou com um problema ainda mais sério: um abalo da confiança entre as delegações. Isso porque os Estados Unidos e a União Européia apresentaram uma proposta para que o acordo climático de Copenhague seja inteiramente feito fora do escopo do Protocolo de Kyoto. Ou seja, após o fim das metas de redução de 5,2% de gases de efeito estufa até 2012 , as diferentes responsabilidades estabelecidas entre países desenvolvidos e as nações emergentes seriam suprimidas, abrindo caminho para pressões sobre grandes emissores ainda sem metas obrigatórias, como Brasil, China e Índia.

A proposta foi rejeitada pelo G77, grupo de países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, que continua defendendo a negociação no modelo dois trilhos. Isso siginifica que os países que estão em Kyoto assumem metas adicionais, e os que estão fora, em especial o Estados Unidos, adotam metas sob o regime da Convenção da ONU. O choque de posições deixou para trás um grande racha político instalado nas negociações.

Até mesmo o secretário-executivo da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), Yvo de Boer, ponderou na coletiva de imprensa de fechamento em Bancoc que as desavenças precisam ser resolvidas “O processo está andando, mas por outro lado existe esta reclamação de uma tentativa de se matar Kyoto sem ao menos oferecer nada em troca. Isso causou muita insatisfação entre os países em desenvolvimento”, disse. Veja vídeo ao lado com entrevista de Yvo de Boer. (em inglês)

As organizações não-governamentais que estão acompanhando de perto as negociações climáticas criticaram o movimento dos Estados Unidos e Europa, e agora esperam uma posição clara sobre o futuro de Kyoto. “É preciso agora ter responsabilidade política de todas as partes, pois sugestões como essa são um retrocesso imenso nas negociações. O Protocolo de Kyoto é imprescindível. Não dá para substituirmos por algo totalmente novo a essa altura do campeonato. Demoraria demais e provavelmente não alcançaríamos o nível de ambição, justiça e eficácia necessários para conter o aquecimento global”, afirmou Carlos Rittl, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil.

VEJA AQUI DRAFT DO TEXTO QUE SERÁ NEGOCIADO EM COPENHAGUE

Mundo sem metas

À parte do enrosco em torno de Kyoto, o encontro de Bancoc surpreendentemente não trouxe qualquer indicação de quais serão as taxas de redução de gases de efeito estufa que cada país terá que adotar. Desde a Conferência de Bali, em 2007, quando os objetivos gerais a serem alcançados em Copenhague foram decididos, sabe-se que em média o conjunto das maiores economias do globo terá de cortar de 25% a 40% do total de emissões até 2020. O problema é que União Européia afirma que só fará um corte significativo, na casa de 30%, se outras economias apresentarem metas igualmente ambiciosas. O Japão já indicou que pode cortar 25% , a Noruega se prontificou a diminuir suas emissões em 40%, mas falta o principal emissor, os Estados Unidos.

A lua de mel entre os ambientalistas e Barack Obama já estava mesmo perto do fim, mas Bancoc parece que foi a gota que faltava para o presidente americano ficar mais vulnerável a críticas. A administração americana continua apresentando metas apenas de longo prazo: 80% de redução em 2050, enquanto o que Copenhague precisa decidir é o que será feito até 2020. Além disso, os negociadores americanos não tomarão qualquer decisão enquanto a lei de mudanças climáticas proposta pelo governo Obama não for aprovada no Senado. “O lei no Senado americano se tornou um elefante na sala. Mas o problema é que ele não é único, precisamos negociar e dar asas a esses elefantes para eles voarem”, brincou o ambientalista Kim Cartensen, da WWF.

Agora, para destravar as negociações antes do encontro final de Copenhague, haverá apenas uma pequena reunião em Barcelona. Serão cinco dias (normalmente são 15) em que os países-membros da Convenção do Clima terão para resolver todas as diferenças antes da grande rodada final. Depois de Bancoc, dizem as ONGs, a bola ficou nas mãos dos países ricos, que ainda não mostraram a liderança que se espera deles. No entanto, se Estados Unidos e União Européia apresentarem metas, a pressão novamente deve voltar para as economias emergentes, como Brasil e China.

Em comunicado de imprensa, o WWF Brasil defendeu que Lula deva ir a Copenhague com números claros sobre as emissões brasileiras e não apenas repetir e se gabar dos bons números de redução do desmatamento na Amazônia. Isso vai ser importante para consolidar apoio financeiro de países ricos a ações ambientais por aqui, até para a continuação do combate à destruição da floresta. Como já se disse por aí, Copenhague pode ser mesmo a chance de salvar o planeta de catástrofes climáticas. Mas falta saber quem será o herói desta história.

Saiba mais
Pedras no caminho de Copenhague
Expectativas congeladas em Poznan

Atalhos
Site da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas


  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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