Reportagens

Sujeira na siderurgia

Governo federal aplica quase 500 milhões de reais em multas a siderúrgicas que compram carvão produzido ilegalmente no Pantanal e Cerrado. Sessenta empresas estão envolvidas.

Aldem Bourscheit · Felipe Lobo ·
12 de junho de 2008 · 17 anos atrás

O governo anunciou nesta quinta R$ 500 milhões em multas para sessenta siderúrgicas e setenta distribuidoras de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, todas envolvidas no uso e comércio de carvão ilegal. A madeira usada na produção do combustível vinha do Cerrado e do Pantanal. Novas medidas prometem fechar o cerco contra a demora no pagamento das sanções. “São as maiores multas aplicadas nesses biomas. Não estamos olhando só para a Amazônia”, disse o ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente – MMA.

Entre as empresas multadas (confira aqui a lista completa), estão desde a pequena Siderúrgica Gafanhoto (MG) até grandes fábricas como a Gerdau Aços Longos (MG), de Jorge Gerdau Johannpeter, a MMX Metálicos Corumbá (MS), de Eike Batista, e as mineiras Alterosa e Ferguminas. O maior castigo, de quase R$ 46 milhões, foi para a Siderúrgica Mat Prima (MG), por comprar mais de 90 mil metros cúbicos de carvão sem origem legal. O produto alimenta a produção do aço de exportação brasileiro.

Entre os truques usados por carvoeiros para tentar driblar a fiscalização, estão encher caminhões com mais carga do que o declarado, retirar o produto de áreas não-autorizadas, usar documentos de transporte mais de uma vez ou declarações falsas de importação de “carvão paraguaio”. “Só é paraguaio no papel. A turma da delinqüência tem a sua competência, mas a nossa é maior”, afirmou Minc.

Outras irregularidades empresariais apontadas pelo governo foram o carvoejamento sem licença e a falta de reposição florestal em áreas desmatadas para esse fim, como pede a legislação. Além disso, 5% do carvão que abastece o pólo siderúrgico mineiro e 50% do combustível usado no pólo paraense de Carajás são ilegais, aponta o MMA. Parte das empresas não cumpre o Código Florestal, que as obriga a ter lavouras de árvores para abastecimento próprio em dez anos após sua instalação.

“Os prazos já se esgotaram. As fiscalizações serão trimestrais, para acompanhar a legalização das siderúrgicas, fomentando o plantio de árvores e evitando desmates ilegais”, avisou Antônio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama. As indústrias de Carajás, no Pará, por exemplo, já acumulam mais de R$ 600 milhões em multas por uso de carvão irregular.

A produção siderúrgica nacional ainda usa muito carvão feito com árvores do Pantanal e do Cerrado – no Piauí, Bahia, Tocantins, Goiás e Mato Grosso Sul. Conforme o governo, além das multas, será exigido de todas as empresas um replantio global de 11 mil hectares de matas nativas, cerca de 2,5 milhões de árvores. “O Cerrado e o Pantanal não vão virar carvão”, garantiu Minc.

Mato Grosso do Sul

Uma das comprovações mais graves da Operação Rastro Negro, que deu origem às multas, foi de que 50% do suprimento nacional de carvão ilegal estão saindo do Mato Grosso do Sul. Apesar do governo estadual ter assinado um Termo de Compromisso de Conduta (TCC) com o ministério público que proibia o comércio de carvão do Pantanal para qualquer firma do setor, um mandado de segurança derrubou o acordo. Na lista dos responsáveis por impetrar a ação constam diversas carvoarias multadas pelo Ibama. O proprietário de uma delas, inclusive, tem prisão decretada pela justiça e está foragido: ele e sua empresa atendem pelo nome de Ivaldo Fernandes da Silva. “Concederam um mandado de segurança a vários criminosos ambientais”, critica o Ricardo Pinheiro Lima, chefe do escritório regional do Ibama de Corumbá.

A MMX era a última siderúrgica do Mato Grosso do Sul que estava proibida legalmente de comprar a matéria-prima daquela região. Inconformada com o fato de se tornar a única a atender o bloqueio, a usina de Eike Batista decidiu apelar da norma e saiu vitoriosa. Agora, a planta mantém apenas um TCC assinado com o Ministério Público Estadual. O texto do documento é claro ao dizer que a MMX se compromete a não comprar carvão vegetal das cidades de Corumbá, Ladário, Miranda, Bodoquena, Bonito, Jardim e Guia Lopes. Mesmo assim, não há nada que o Ibama possa fazer. “Não temos como enquadrar a empresa por comprar este carvão, pois não configura mais crime ambiental; apenas desrespeito ao TCC. E aí, só o MPE pode tomar alguma atitude”, avalia Lima.

Apesar da provável ação movida pela Procuradoria Estadual, não é possível mais enquadrar a usina em nenhuma lei contra a proteção dos recursos naturais. Só com uma condição: se forem detectadas compras ilegais realizadas no período em que a condicionante estava em vigor na Licença de Operação. Neste caso, as multas ainda podem ser aplicadas.

Vão pagar?

As sanções para siderúrgicas (R$ 414,7 milhões) e fornecedores (R$ 70 milhões) de carvão, conforme o MMA, têm origem no cruzamento de dados federais e estaduais, principalmente do Instituto Estadual de Florestas, de Minas Gerais, terra do novo presidente do Ibama Roberto Messias. Resta saber se esse catatau em multas será pago. Menos de 10% das sanções são pagas, reconhece o governo. O restante fica rolando por anos e anos na Justiça.

O ministro Minc informou que em duas semanas deve ser publicado um decreto com mais de 50 artigos para elevar a taxa de pagamentos de multas ambientais. As medidas incluem redução dos prazos para recursos e depósito de 70% dos valores das sanções para quem quiser recorrer junto ao Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente. Com mais dinheiro entrando em caixa, a idéia é usá-lo para reforçar a fiscalização do verde. Também está no forno um projeto de lei para tornar mais rigorosa a Lei de Crimes Ambientais. “A impunidade ambiental é generalizada no País”, ressaltou Minc.

Entre as grandes siderúrgicas do Mato Grosso do Sul que receberam multas pesadas do Ibama por não seguirem a legislação ambiental, o consenso é de que há algo errado na venda do carvão. “Às vezes, o dono da carvoaria consegue um documento frio, explora uma área e depois comercializa a matéria-prima como se fosse legal”, diz Robson Trevisan, assessor de comunicação da Vetorial.

De acordo com ele, que ficou assustado quando a reportagem de O Eco lhe contou sobre a pesada multa que a empresa vai receber, a Vetorial tenta fugir desses percalços sendo mais exigente na comercialização. “Por isso o preço do carvão vegetal disparou, porque o processo está sendo feito com muito mais critério”, avisa. Neste momento, a usina já plantou 4.600 hectares de eucalipto e tenta chegar em breve à auto-suficiência, para não precisar adquirir o produto chave de seus negócios a partir de terceiros.

Opinião semelhante tem a Simasul Siderúrgica. Em entrevista por telefone a O Eco, o gerente da usina, Rodnei Rabelo, disse que não tinha conhecimento da entrevista coletiva realizada por Minc e Messias em Brasília. Mas também adiantou que sua empresa não compra carvão extraído ilegalmente da natureza. “É uma situação muito delicada. Existe uma autorização expedida chamada Documento de Origem Florestal, e só recebemos a matéria-prima que tenha esta validação. Se há algum problema é de quem autorizou essas carvoarias a terem esse selo”, diz.

Procurada pela reportagem de O Eco, a MMX disse que não vai se pronunciar sobre o assunto enquanto não receber uma notificação oficial do Ministério de Meio Ambiente. Algo parecido aconteceu com a mineira Mat Prima, campeã no ranking das multas. Um funcionário da siderúrgica disse que não havia ninguém na sede para comentar a respeito da Operação Rastro Negro.

* Colaborou Cristiane Prizibiszcki.

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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