O calendário marcava 31 de março quando as nações-membro do Comitê de Proteção ao Ambiente Marinho (MEPC) da Organização Marítima Internacional (IMO) – chegaram a Londres para uma reunião aparentemente sem grandes divergências. Poucos esperavam que, dali a cinco dias, os líderes políticos retornariam para suas casas com um dilema a resolver. Mas foi o que aconteceu após a Dinamarca ter proposto a redução das emissões de gases estufa da navegação mundial independente do histórico de contribuição de cada país para o aquecimento global. O Brasil lidera o grupo de oposição à idéia que nesta semana é novamente discutida. Desta vez em Oslo, Noruega.
A proposta da Dinamarca feita em Londres pegou os brasileiros de surpresa. Sem indicar metas ou prazos, o país nórdico solicita que a IMO encarregue-se de definir padrões para as emissões de gases estufa efetuadas por veículos marítimos. A ousadia da proposição reside no argumento de que todas as nações devem receber as mesmas responsabilidades, independentes de seus históricos de lançamento de carbono para a atmosfera.
O Brasil, em sua já tradicional posição conservadora quando o assunto é combater as mudanças climáticas, se mostrou totalmente contrário ao arranjo seguido pelos Estados Unidos, Japão e outros países europeus. O apoio de Rússia, Índia, África do Sul, Arábia Saudita, Irã e todos os membros da América Latina, com exceção do Chile, era a força que faltava para o governo brasileiro bater o pé e dizer que não aceita a sugestão de forma alguma.
“As discussões sobre a redução das emissões de gases estufa já tem o seu fórum, devem ser tratadas na Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – UNFCCC – como diz o Protocolo de Quioto. Além disso, este documento diz que as responsabilidade são diferenciadas, e isso deve ser seguido”, explica diretor de Qualidade Ambiental da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente Rudolph Noronha. De acordo com ele, é preciso definir até onde a IMO pode ir. Enquanto for a referência especializada em tecnologia, está tudo certo. Mas não pode invadir os limites estabelecidos pelas Nações Unidas.
Ainda no encontro, a pátria tupiniquim deixou claro que entende como atividade do Comitê de Meio Ambiente apenas auxiliar o trabalho da ONU no que diz respeito aos gases estufa. Para isso, as suas atribuições seriam levantar as emissões de CO2 vindas dos navios, desenvolver um plano de trabalho com cronograma e manter o assunto em revisão constante. Muito pouco para a séria crise ambiental que o planeta enfrenta.
Aopinião de Noronha é compartilhada em gênero, número e grau pelo diretor de meio ambiente do Ministério de Minas e Energia, Claudio Ishihara. Para ele, o lançamento de carbono precisa ter um foco diferente porque não envolve apenas os navios. “Além disso, a navegação contribuiu muito pouco para o aquecimento global, se comparado a outras áreas”, diz. Mas seu argumento vai além: para ele, a velocidade de implementação de qualquer proposta em veículos de locomoção marinha tendem a demorar muito, fato que inviabilizaria um tema como este na IMO.
A participação da navegação nas emissões de gases de efeito estufa não é tão irrelevante quanto menciona Ishihara. De acordo com um estudo realizado pelas Nações Unidas em fevereiro deste ano, a navegação internacional emite cerca de 1.12 bilhão de toneladas de carbono por ano para a atmosfera, o equivalente a 4,5% do total de lançamento de gases estufa em todo o planeta durante o mesmo período. Para se ter uma idéia do volume, a criticada indústria de aviação é responsável por exatamente metade da difusão de CO2 feita pelas embarcações. Muito em breve, os veículos marítimos ficarão entre os cinco principais setores que mais contribuem para o aquecimento global, estima o estudo.
Em nota oficial, a Marinha brasileira informa que, apesar de não concordar com a postura da Dinamarca, o Brasil age fortemente contra as mudanças climáticas. “(O país) vem atuando desde já, com o foco no principal responsável pelas emissões nacionais – desmatamento -, sem negligenciar ganhos positivos de redução de emissões em outros setores. O Brasil é a favor de ações nacionais, no âmbito da IMO e em coordenação com os dispositivos da UNFCCC e do Protocolo de Quioto”, diz o texto.
Com o impasse instaurado, a única solução foi criar um Grupo de Trabalho dentro da IMO específico para tratar sobre o lançamento de gases estufa pelas embarcações. A primeira reunião do conjunto ocorre esta semana, em Oslo. Ali estão sendo discutidos temas como mecanismos tecnológicos para diminuir as emissões. Mas o governo brasileiro já avisou que embarca para a Noruega com sua visão cristalizada e um único objetivo: convencer mais países a recusar o acordo.
Redução do Enxofre
O Comitê de Meio Ambiente da IMO também está revendo o Anexo VI da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios (Marpol), que regula o potencial de contaminação do ar a partir de transportes marítimos, e o Código Técnico para a emissão de poluentes atmosféricos. Embora as duas resoluções já estejam em vigor desde 2005, o Brasil ainda não ratificou nenhum delas – a matéria encontra-se em trâmite na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. “Todos os processos que são encaminhados precisam ser analisados e percorrem diversas etapas. Por isso, a lentidão é normal”, explica Claudio Ishihara, do Ministério de Minas e Energia.
Os acordos em relação a estes dois documentos aconteceram sem maiores percalços na reunião de Londres, em março passado. Eles serão formalmente adotados na próxima reunião do Comitê, em outubro. A expectativa é que, já em março de 2010, eles estejam registrados nos países signatários da IMO e comecem a valer como metas oficiais. Os novos critérios, embora não apresentem melhorias significativas no curto prazo, devem ser úteis na tentativa de limpar a navegação internacional, composta por enormes embarcações que estão na base do comércio mundial.
Em relação ao teor de enxofre (SOx) contido nos combustíveis, calcanhar de Aquiles das locomoções pelo mar, a redução será gradativa. Hoje, a regra internacional estabelece um máximo de 4,5% do gás nos óleos usados por navios em regiões comuns, e 1,5% em Áreas com Controle de Emissão de Enxofre (as SECAs, em inglês). Em janeiro de 2012, esses números deverão cair para 3,5% e 1%, respectivamente. Oito anos depois, quando o período acordado se encerra, a porcentagem deve chegar a 0,5% e 0,1%. Em 2018, no entanto, uma revisão dos avanços irá avaliar se os alvos poderão mesmo ser alcançados em 2020 ou se será necessário estender o prazo por outra meia década.
Os cinco dias passados em Londres também serviram para esboçar novas regras sobre a porcentagem de óxidos de nitrogênio nos combustíveis das embarcações. Desta vez, eles foram divididos em três séries (Tiers): o Tier I serve para os motores atuais; o II para aqueles implantados a partir de 1º de janeiro de 2011 e o III para os instalados em 2016. A partir deste último ano, motores com potência menor do que 130 rpm só poderão contar com 3,4 g/KWh de nitrogênio. O Brasil parece estar confiante de que vai atingir suas metas. “O óleo da navegação tem um potencial de melhoria muito grande. Só a proporção de enxofre, por exemplo, é dez vezes superior à usada pelos caminhões”, avalia Rudolph Noronha.
A decisão do comitê vem em boa hora. O enxofre pode gerar chuva ácida e causar sérios problemas de saúde, enquanto o nitrogênio tem potencial para gerar o ozônio de baixa altitude, também bastante prejudicial ao meio ambiente. Questionada sobre as características do combustível usado pelos navios brasileiros, fornecido pela Petrobrás, a Marinha informou, através de seu comunicado que ele “atende à legislação internacional, conforme as especificações da ISO 8217, da Organização Internacional para Padronização, e os requisitos em relação ao teor de enxofre estatuídos pelo Anexo VI da MARPOL”. Resta entender os motivos que levaram o país a não ratificar, até hoje, esta mesma determinação.
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