O Parque Linear Várzeas do Tietê, anunciado pelo governo de São Paulo como o “maior parque linear do mundo”, nem saiu do papel mas já está enfrentando problemas. De acordo com denúncias enviadas a O Eco, o uso irregular do solo nas margens do rio ameaça uma espécie importante , o bicudinho-do-brejo-paulista, encontrada unicamente nas várzeas do Tietê e cuja população não passa de 200 indívíduos.
Luiz Fernando Figueiredo, um dos fundadores do Centro de Estudos Ornitológicos, costuma frequentar as várzeas do Tietê para observar pássaros. Em uma destas saídas, no final de 2009, ele percebeu que um dos poucos brejos onde o bicudinho-do-brejo-paulista é encontrado, na cidade de Biritiba Mirim, estava sendo usado para extração de areia. Valetas aparentemente recém abertas estariam sendo usadas para a drenagem da água. A área fica a menos de 100 metros do rio e, pelos esboços da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), deverá fazer parque do parque.
Segundo documentos da Secretaria, a obra é antiga, de 2006, e está licenciada. Mas Figueiredo aponta dois fatos “estranhos” nesta história: o primeiro é que aquela é uma Área de Preservação Permanente (APP), que, pela lei, não deveria ter ocupação; a segunda é que a valeta tem todas as características de ser recente. “Na resposta que nos deram quando fizemos a denúncia, eles [a SMA] dizem que essa drenagem já existia, o que não é verdade, porque visitamos a área com certa regularidade e só recentemente a vimos”, disse.
Para Figueiredo, este é só um exemplo dos riscos que sofrem as áreas pleiteadas pelo governo para se transformar na unidade. “Em função do anúncio do parque, é bem provável que muitos proprietários estão tentando se apossar dessas áreas de alguma forma, dando algum uso para elas”, diz. “Quando fizemos a denúncia, sugerimos que fosse instituída uma vigilância ambiental mais efetiva e regular em toda a extensão do projeto do parque, para evitar essas irregularidades.”
Por vários dias, O Eco procurou a Secretaria de Saneamento e Habitação, responsável pela execução do projeto, mas a assessoria do órgão alegou que não havia tempo disponível para entrevistas.
Pequeno ameaçado
O bicudinho-do-brejo-paulista é endêmico da região da Bacia do Alto Tietê e encontrado apenas em 14 locais distribuídos nos municípios de Mogi das Cruzes, Arujá, Biritiba-Mirim e Salesópolis. A ave mede cerca de 11 centímetros e pesa em média nove gramas. Ela tem pequena autonomia de vôo, conseguindo voar no máximo 20 metros em linha reta. Esse fator faz com que a ave fique restrita a um único tipo de habitat, facilitando a ação de predadores e deixando-a sob constante ameaça de extinção.
Este bicudinho foi descoberto em 2005 e ainda não está descrito na literatura científica, mas já faz parte da lista de espécies ameaçadas do estado. Segundo o ornitólogo da USP Luis Fábio Silveira, orientador dos trabalhos de monitoramento da espécie, a população atual do passarinho não ultrapassa 200 indivíduos. Sua principal ameaça é justamente a degradação dos brejos naturais.
O livro de espécies ameaçadas de São Paulo, lançado em 2008, sugere “proteção imediata dos brejos naturais” e “monitoramento das populações existentes”, entre outras ações. Para o professor da USP, a proteção tem que começar mesmo antes da efetivação de uma unidade de conservação. “Quando estas áreas forem efetivamente preservadas [por lei], se estiverem degradadas não vai adiantar. É preciso tomar cuidado agora”, alerta Silveira.
A preservação das várzeas do Tietê é a carta na manga da administração estadual para o problema das enchentes que, nestas primeiras semanas de 2010, afogam bairros de cidades da Grande São Paulo. O Parque Linear Várzeas do Tietê foi anunciado em julho de 2009 com propaganda na proporção do tamanho que ele pretende ter. Pelo projeto, a unidade terá 75 quilômetros de extensão e 107 quilômetros quadrados de área.Além da desafetação de áreas hoje ocupadas irregularmente, estão previstos para serem construídos 33 núcleos de lazer e recreação, ciclovia com 230 quilômetros e uma via pavimentada que ligará todos os núcleos. Como compensação da obra de duplicação da Marginal Tietê, também está previsto o plantio de 63 mil árvores ao longo de seu traçado, que vai da região Leste de São Paulo até a cidade de Salesópolis (96 km da capital). O custo total do projeto é de 1,7 bilhão e seu término está previsto para 2016. A mensagem de que “a principal função desse parque é proteger o rio e funcionar como um regulador de enchentes”, como afirmou o governador José Serra durante lançamento da obra, tem sido repetida pelos governos locais como forma de alento aos moradores de regiões de várzea quem têm vivido debaixo d água por esses dias.
Em visita ontem (12) ao Jardim São Martinho e Vila Seabra, ambas no distrito de Jardim Santa Helena (zona leste), atingido por alagamentos, o prefeito Gilberto Kassab disse, em entrevista ao jornal O Globo, que ele e seu governo vão “continuar se esforçando para o mais rápido possível concluir o projeto Parque Varzeas do Rio Tiete”.
Apesar da propaganda, pouco se sabe da implantação do parque. Cerca de 280 famílias que ocupavam áreas de várzea, com as enchentes recorrentes, já foram transferidas para unidades populares de habitação, mas ouros detalhes do projeto ainda continuam uma incógnita. Os entraves tmbém já começaram a aparecer. Na última terça-feira (12), a Defensoria Pública do Estado entrou com ação na Justiça pedindo a suspenção das demolições das casas e a retirada de famílias das áreas alagadas. Não há prazo para julgamento da ação.
Atalho:
Parque Linear Várzeas do Tietê
Saiba mais:
Tietê: um rio, muitos problemas
Quando bons exemplos não bastam
São Paulo impermeabilizada
Tesouro urbano
Enfim, abrigados
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