Reportagens

O futuro da mobilidade urbana

Estudo mostra que só uma rede interligada de meios dará conta de demanda futura por transporte. Copa do mundo traz esperanças de melhorias.

Cristiane Prizibisczki ·
23 de fevereiro de 2010 · 15 anos atrás

Pesquisa recém lançada pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) mostra que não adianta o Brasil apostar em uma ou outra modalidade de transporte, como o metrô, bastante defendido como solução para a mobilidade paulistana, por exemplo. É preciso investir em uma rede integrada de transporte público, para que o aumento na demanda seja atendido no futuro. Setor aposta alto nos grandes eventos esportivos dos próximos anos para sua renovação.

Nas últimas décadas, muitos avanços foram realizados no transporte público brasileiro. A diminuição das emissões de poluentes pelos veículos a partir da criação do Proconve, o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, é uma delas. Mas ainda falta muito para que as melhorias alcancem todas as grandes cidades do país e estejam associadas ao avanço nas tecnologias e a uma maior vontade pública para incentivos na área.

Ao traçar um panorama sobre a matriz energética do transporte público urbano, o estudo da NTU lembra que a demanda de energia ainda é muito alta. O Balanço Nacional, de 2007, já mostrava que o setor de transportes é responsável por cerca de 31% do total de energia consumida no país. Quando levada em conta somente a energia produzida por fontes fósseis, como o petróleo, a participação dos transportes sobe para 52%. Comparando os diversos meios, o setor rodoviário absorve 92% da energia gasta, sendo irrisória a participação dos setores ferroviário, hidroviário e aéreo.

Aumento na demanda

Se mesmo com as melhorias feitas a situação já não é lá das melhores, no futuro ela tende a piorar, caso mudanças não comecem a ser implementadas. Em 2030, a estimativa é de que o consumo total de combustível pelo transporte rodoviário triplique em relação ao que é hoje. Em 2005,o montante era da ordem de 50 milhões de toneladas equivalentes de petróleo por ano. Daqui a 20 anos, esse número deve chegar a 150 milhões. Para daqui a duas décadas, é esperado um incremento de 53% no número de viagens no país, a maioria de automóveis.

 Isso significa que a poluição jogada no ar pela queima de combustíveis e as doenças decorrentes da má qualidade de ar também tendem a crescer em igual proporção, se os governos locais e empresas responsáveis pela produção e administração do transporte público não começarem a se mexer. 

“Os aspectos mencionados convergem para a necessidade de uma nova política nacional de transportes públicos, que busque combinar as melhores alternativas ambientais e energéticas, passando pela análise da distribuição da rede de transportes coletivos e das mais diversas tecnologias de veículos e combustíveis”, diz o relatório.

Alternativas existem, falta vontade

Quando se fala em rede interligada de transportes coletivos e novas tecnologias, não se está tratando do futuro. Com planejamento, ônibus convencionais poderiam ser interligados a veículos BRT (Bus Rapid Transit)- baseado no transporte por corredores -, a metrôs, trens e até o velho conhecido trólebus, bastante viável em cidades de ruas largas e trânsito moderado. Para abastecê-los, diesel de baixo teor de enxofre, biodiesel, gás natural, álcool, hidrogênio e energia elétrica também já estão à disposição, no Brasil ou fora dele.

O trabalho da NTU mostra que tanto o tipo de transporte como o combustível usado existem no mercado, mas que, para que sejam realmente implementados  e cada vez mais aperfeiçoados, é preciso que haja interesse. “O setor acompanhou as evoluções da matriz energética, mas todas elas sem resultados expressivos. Na verdade o que a gente sente é a falta de uma política energética mais coerente que possa dar respaldo à mudança de tecnologia”, diz Marcos Bicalho dos Santos, diretor superintendente da NTU.

Segundo Bicalho, a questão do gás natural é emblemática. Menos poluente que o diesel, o gás foi testado várias vezes nos ônibus de transporte urbano, mas todas as experiências feitas até hoje resultaram em fracasso porque a falta de uma política de preços, por parte do governo, não deu segurança para que os operadores investissem na mudança da frota. “Para mudar, precisamos ter o mínimo de segurança de que a política energética vai dar respaldo às tecnologias”, diz.

Copa das esperanças

Em meados de janeiro, o governo federal anunciou que R$ 8 bi dos R$ 20 bilhões destinados ao chamado PAC da Copa vão para obras de mobilidade urbana. A notícia reascendeu os ânimos do setor de transporte público do país, que vê neste evento e nas Olímpíadas de 2016 uma possibilidade de mudança. “Acreditamos que, com a Copa, vai haver um salto no setor. Os eventos [a Copa e as Olimpíadas] acabaram obrigando nossos governantes a tomar uma atitude mais ousada para tentar melhorar o caos urbano que vivemos hoje”, defende Bicalho.

Para o superintendente da NTU, a expectativa é que as melhorias não se restrinjam às 12 cidades-sede dos jogos. “Acreditamos que esse é apenas o pontapé inicial. São 12 cidades agora, mas as outras de médio e grande porte não vão querer ficar pra trás. Passado esse momento de euforia, vai haver uma demanda por parte delas. Os eventos esportivos podem trazer uma nova Era para o transporte coletivo no Brasil”, diz Bicalho, cheio de esperança.

O estudo “Perspectivas de Alteração da Matriz Energética no Transporte Público Urbano por ônibus” pode ser lido na íntegra no site da NTU.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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