Reportagens

O fim da era Maggi

Blairo Maggi abandona governo de Mato Grosso após 7 anos para tentar uma vaga de senador. Entrou como estuprador da floresta e saiu como defensor da natureza desde criancinha

Andreia Fanzeres ·
31 de março de 2010 · 15 anos atrás

Depois de sete anos e três meses no governo de Mato Grosso, Blairo Maggi deixou nesta quarta-feira o cargo para disputar uma vaga no Senado nas eleições de outubro. A partir da eclosão de sucessivos escândalos ambientais sob a gestão de um dos maiores produtores de soja do mundo, Maggi fez de quase tudo para para sair do governo pintado de verniz verde e tentar mudar a imagem de destruidor das florestas, que lhe rendeu prêmios como o “Motosserra de Ouro”. Para isso, firmou pactos como a moratória da soja, da carne, se comprometeu com a recuperação de áreas de preservação permanente, aprendeu a usar e abusar da palavra sustentabilidade em seus discursos e acabou vendo os índices relativos de desmatamento na Amazônia no estado caírem, em vez de subirem.

Os jornais mato-grossenses ressaltaram a história do governador, jovem empresário do agronegócio, que, como boa parte da população do estado, veio do Paraná para transformar o Cerrado e a Amazônia em lavouras de monocultura de grãos, seguindo o império já construído por seu pai, André Maggi. Foi aclamado do início ao fim dos seus dois mandatos pelos eleitores locais como alguém que promoveu a economia mato-grossense e se esforçou para melhorar a infraestrutura no estado – nos últimos meses entregou maquinário pesado a todos os municípios e inaugurou obras de asfaltamento nas principais cidades. Mas Maggi jamais conseguiu a mesma empatia em âmbito nacional graças às denúncias sobre a conduta de seu governo na área ambiental . Bastava acompanhar os números do desmatamento e de focos de calor, mês a mês.

Taxa de desmatamento anual  na Amazônia Legal (km2/ano) – Fonte: INPE
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Estados\Ano00010203040506070809 (*)
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Pará6671523773246996852157315505542556063687
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 * taxa estimada
Variação Relativa – Fonte: INPE
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Amazônia Legal018189-31-25-1812-46 

O desinteresse para zelar pelo meio ambiente no estado foi escancarado após a Operação Curupira, que deflagrou em junho de 2005 esquemas complexos e arraigados de fraude no controle madeireiro apoiados por servidores do Ibama, foco inicial da atuação intervencionista do governo federal. Mas a sujeirada revelada era tão generalizada que foram presos, além de gente do Ibama, despachantes e madeireiros e servidores da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fema), inclusive seu presidente, Moacir Pires. A entidade acabou extinta e em seu lugar foi criada a atual Secretaria do Estado de Meio Ambiente (Sema). Um mês depois da operação Curupira, o desmatamento em Mato Grosso caiu 95%.

Naquele ano, uma pesquisa do IBOPE mostrou que os mato-grossenses eram contra a destruição da floresta e achavam que os cuidados com recursos naturais deviam aumentar, mesmo que isso prejudicasse a economia inicialmente e provocasse desemprego. Mas a população não ligava o desempenho ambiental do estado com seu governador. Metade dos entrevistados votou no empresário Blairo Maggi em 2002 e 68% aprovavam a sua administração.

Após o escândalo da Curupira, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) verificou que entre 2005 e 2006 apenas 1% das multas dadas na mega operação foram pagas. Na Sema, até 2008, 83% das multas aguardavam análise jurídica, 9% apresentavam processos inconclusos, 3% foram canceladas, apenas 1% tinha sido paga e 4% resultaram na condenação do infrator. Em 94% das multas por grandes desmatamentos, os autuados alegaram que não eram proprietários das áreas em questão, e por isso, não poderiam ser responsabilizados.

Represamento de rio em Sapezal. (Foto: Andreia Fanzeres)
Represamento de rio em Sapezal. Foto: Andreia Fanzeres

A administração Maggi também foi marcada pela propagação de usinas hidrelétricas ao longo dos principais rios formadores da bacia amazônica. Além de empreendimentos do porte da usina de Dardanelos, hoje em fase final de construção em Aripuanã, que afetou o regime de águas nas quedas Andorinhas e Dardanelos, assistiu-se no estado a uma profusão de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Com a intenção de dispensar a necessidade de estudos ambientais aprofundados, essas usinas de até 30 MW de potência vêm sendo aprovadas pelo governo estadual, cujos empreendedores são empresas como a própria Maggi Energia S/A.

Por causa de estudos fajutos, impactos ambientais gravíssimos a terras indígenas e manobras para compensar financeiramente diversas etnias que inicialmente se posicionaram contra essas usinas, muitas delas foram, nos anos Maggi, alvo de ações judiciais. A maioria, no final das contas, não têm conseguido barrar os empreendimentos. Os rios Teles Pires, Juruena  e Xingu são os mais ameaçados por hidrelétricas no estado. Essas intervenções numerosas nos rios mato-grossenses fizeram ictiólogos compararem o que acontece nas terras de Maggi hoje ao represamento em cadeia dos rios paulistas, entre 1950 e 1960.

Melhorando a imagem

Placas indicam extensão de fazendas do Grupo AMaggi em Campo Novo do Parecis. (Foto: Andreia Fanzeres)
Placas indicam extensão de fazendas do Grupo AMaggi em Campo Novo do Parecis. Foto: Andreia Fanzeres.

Maggi começou, então, a tentar se mexer para mostrar que sua vilania ambiental não era aquilo tudo. E os índices de desmatamento começaram a cair. Em 2006, o estado assumiu a gestão florestal e inaugurou sistemas de cadastro e controle da movimentação madeireira. Entretanto, as medidas não evitaram novos escândalos no setor como os revelados pela Operação Guilhotina, em 2007, desencadeados pelo próprio estado. E também por outras operações organizadas pelo Ibama que demonstraram que o compromisso de Maggi em coibir os crimes ambientais não eram ainda tão profundos, como visto na Operação Mapinguari.

Em 2007, em evento pomposo com organizações não governamentais e associação de sojicultores, Maggi intermediou um ‘pacto ambiental’ em que os produtores de soja se comprometiam a recuperar, até 2010, as áreas de preservação permanente destruídas em suas propriedades, o que somava mais de cinco milhões de hectares. Naquela época, Maggi disse que em 2010 não haveria mais “um pé de soja plantado em área de preservação permanente (APP)” no estado. Passados três anos da promessa, técnicos da secretaria de meio ambiente atestam que o compromisso não está nem perto de ser cumprido.

A imagem de Maggi passou a mudar mesmo a partir da divulgação das primeiras ações do programa Lucas Legal. Lucas do Rio Verde, município que sozinho ostentava a produção de 1% da soja nacional em 2008, aceitou a presença da organização The Nature Conservancy (TNC) para dar assistência técnica à regularização dos passivos ambientais em 100% das propriedades, chamando os proprietários a se adequarem à legislação ambiental sem a cobrança de multas por infrações ambientais anteriores ao seu compromisso.  Esta foi, a princípio, uma boa estratégia para mostrar que Mato Grosso estava se esforçando para recuperar o tempo perdido, sem que imediatamente tivesse que mostrar resultados concretos.

Não demorou muito para o programa Lucas Legal servir de base para o MT Legal, que logo recebeu as bênçãos de Carlos Minc, então ministro do meio ambiente. Em poucos meses, Minc transformaria o MT Legal em sustentação para o programa federal Mais Ambiente.

Caminhão da Marfrig carregado atravessa Terra Indígena Utiariti. (Foto: Andreia Fanzeres)
Caminhão da Marfrig carregado atravessa Terra Indígena Utiariti. Foto: Andreia Fanzeres.

Quando no ano passado Maggi se empolgou e assumiu que seu governo apoiava a moratória da carne e estava de acordo com o compromisso de frigoríficos como a Marfrig, que não iria comprar carne de áreas de desmatamento ilegal, recebeu uma saraivada de críticas dos deputados estaduais e associações de classe. Ficava claro que os rompantes verdes do governador não tinham respaldo em muitas das ações do governo mato-grossense.

O recrudescimento das ações federais contra o desmatamento, como a imposição de restrições a crédito rural aos envolvidos com atividades ilegais e a execução de operações de fiscalização como a Arco de Fogo, irritaram ainda mais o governo Maggi e deputados. Uma sessão na Assembléia Legislativa em 2008, poucos dias após a saída de Marina Silva do governo Lula, revelou que para tentar manter a carapuça verde, Mato Grosso se valeu de tudo que podia, até de tentar desmoralizar os números oficiais do desmatamento aferidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Por baixo dos panos

Outras inúmeras atitudes, que não costumam ganhar as manchetes nacionais, mostram que o meio ambiente não é prioridade na administração pública estadual. Se assim fosse, o próprio Maggi não teria assinado em novembro de 2009 uma ordem de serviço autorizando o início da duplicação da estrada Cuiabá-Chapada dos Guimarães sem licença ambiental de instalação. Tampouco teria permitido as manobras da sua secretaria de meio ambiente para que, em nome da Copa do Mundo de 2014, a obra saia — não importa que impactos exerça sobre as paisagens mais famosas de Mato Grosso.

O orçamento da pasta ambiental de Maggi foi incrementado em 198% entre 2005 e 2008, de acordo com o então secretário Luis Henrique Daldegan. Mas o que se investe na gestão de áreas protegidas ainda é risível no estado e em 2010 não passou de 550 mil reais para a gestão dos 41 parques e reservas estaduais. A sequência desses baixos incentivos foi relevada pelo modelo RAPPAM (Avaliação rápida e priorização da gestão de unidades de conservação), desenvolvido pela WWF, onde a eficiência da gestão mato-grossense foi de 24%, quando o índice minimamente gerível deveria ser de 40%. Daldegan também deixou o cargo hoje. A Sema passa agora a ser comandada pelo coronel da Polícia Militar Alexandre Torres Maia, que foi chefe de gabinete de Maggi e ajudante de ordens do governo do estado entre 2003 e 2008. Em seu currículo, não consta experiência na área de gestão ambiental.

O último dia do governo Maggi simbolizou esse distanciamento entre o que se discursa e o que se faz em Mato Grosso. Maggi preferiu deixar para o seu sucessor a decisão de vetar ou não o projeto de zoneamento ecológico e econômico do estado, que após ser aprimorado por mais de 20 anos foi alterado às pressas pela Assembléia Legislativa. Na calada da noite, a nova proposta excluiu 14 terras indígenas, reduziu em 73% as áreas destinadas à criação de unidades de conservação e aumentou as áreas de agropecuária. Foi aprovada com louvor pela Casa mato-grossense. Será que algo mudou mesmo?

O fim da era Maggi

Foto: Assembleia Legislativa de MT.

No lugar de Maggi assume o vice-governador, Silval Barbosa. Apesar da pouca visibilidade nível nacional, ele concentra seu eleitorado e sua força política em pequenas cidades que nasceram e cresceram transformando o que era floresta na região conhecida como arco do desmatamento. Matupá, com atuais 14 mil habitantes e a 750 quilômetros de Cuiabá, é um exemplo. Foi onde Barbosa iniciou sua carreira política como prefeito, quando a cidade tinha oito anos de fundação, em 1993.Justamente a região do entorno da BR-163 (Cuiabá-Santarém), na divisa com o Pará, é cenário de um episódio que coloca em xeque as intensões ambientais de Barbosa. Ele, enquanto deputado estadual e presidente da Assembléia Legislativa de Mato Grosso, foi o principal articulador da redução de 27 mil hectares do Parque Estadual do Cristalino. Em 2006, organizou audiências públicas nas cidades no entorno do parque, falou em nome de assentados da reforma agrária, e participou ativamente dos esforços para aprovar a medida na Assembléia Legislativa.

Dentro do Parque do Cristalino– que manteve seus 186 mil hectares depois da intervenção da Justiça e, quem diria, um veto do governador Blairo Maggi ao projeto de Barbosa – há uma fazenda que pertence à família de Barbosa. Embora tenha sido declarada como área para desapropriação e ser proibida de ampliar benfeitorias, a fazenda conta com uma pousada e realiza diversas obras sem ser incomodada, inclusive com desvio de rios.

Silval Barbosa era um dos políticos de Mato Grosso que defendiam incondicionalmente a divisão do estado. Mas agora, diz que mudou de idéia ressaltando que não existe mais razão para separação da parte norte porque o governo Maggi investiu no desenvolvimento do interior. Barbosa concorrerá às eleições para permanecer como governador a partir de 2011.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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