Reportagens

Sustentabilidade de verdade

Referência em estudos sobre a economia de baixo carbono, Rachel Bidermann diz que Brasil não incorporou o conceito de sustentabilidade.

Cristiane Prizibisczki ·
14 de abril de 2010 · 15 anos atrás
Foto: Divulgação GVces
Foto: Divulgação GVces

Rachel Biderman Furriela é advogada, mas sempre olhou para além do direito tradicional. Paulista nascida em Marília,  foi militante de direitos humanos e sociais, viveu nos Estados Unidos para fazer mestrado na área ambiental e atuou no terceiro setor.

Foi no mundo das ONGs, aliás, que ela se encontrou. Hoje, Rachel é vice-presidente do conselho do Greenpeace, membro do conselho do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), trabalha junto ao Instituto Alana na área de consumo sustentável e é muito requisitada para palestras e debates.

Mas um de seus principais trabalhos fica no Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (GVces), que, junto com Mário Monzoni, ajudou a fundar em 2003. Referência em desenvolvimento sustentável no país, o GVces é responsável por projetos importantes na área, como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) Bovespa, hoje o principal instrumento de medição neste sentido no país, e o Empresas pelo Clima, que tem auxiliado o setor privado a adotar medidas práticas de gestão para minimizar emissões de gases de efeito estufa. O Centro também é o responsável pelo projeto GHG Protocol, que ensina o setor privado a fazer inventários de emissões, e é o facilitador e fomentador do trabalho do Observatório do Clima, uma rede de ONGs e movimentos sociais em mudanças climáticas.

Rachel Biderman recebeu O Eco em seu escritório, na região da Av, Paulista, onde falou sobre o importante trabalho do centro da FGV na aplicação correta do termo sustentabilidade, ainda tão incompreendido no país.

Em uma conversa descontraída, ela conta o que mudou de 2003 até hoje, compara o Brasil com outros países no tema da mudança climática e adianta o que podemos esperar do Centro nos próximos meses.

O Eco – Da época da criação do GVces, em 2003, muita coisa mudou na área ambiental no país. As evidências da mudança climática ficaram muito mais fortes, por exemplo. Como isso impactou o trabalho de vocês?

Rachel Biderman – Aumentou terrivelmente a demanda por projetos na área de clima. A gente antes não conseguia financiamento para alguns grandes sonhos que tínhamos. Quando eu entrei aqui, por exemplo, meu maior sonho era trabalhar com as empresas, ajudá-las a implementar políticas de sustentabilidade na área de clima, e agora conseguimos facilmente os recursos. As empresas estão interessadas, ajudam também no apoio, inclusive financeiro. Nós somos um indicador muito claro de que o clima entrou na agenda das empresas, na agenda do país. Certamente tem uma conjuntura, o momento em que o planeta vive. Nós somos um reflexo dessa consciência.

O conceito de sustentabilidade já foi incorporado corretamente pelas empresas?

RB – Não. Na academia a gente luta muito com esse conceito porque há várias definições, com diferentes entendimentos, vários pilares para sustentação dele. Certamente é um conceito em transformação, relacionado com os valores morais de uma sociedade. Uma sociedade que hoje acorda para os fenômenos ambientais globais.  Os elementos da sustentabilidade estão sendo cada vez mais ampliados. É um conceito que, na área ambiental, nasceu e é decorrente de um outro, o desenvolvimento sustentável. É uma evolução. Agora, dentro das empresas, percebemos a necessidade de um entendimento desse desafio como uma coisa integrada, holística. As empresas ainda trabalham numa lógica em que meio ambiente é tratado nesse departamento, a questão do consumidor naquele outro departamento, a governança está lá no nível do conselho. Essas são questões estratégicas que afetam profundamente a imagem da empresa, que são traduzidas em maior ou menor consumo dos seus bens, dos seus serviços. A integração desses temas como sendo a espinha dorsal de sustentação de uma empresa a gente não vê ainda como uma regra.

“O conceito de sustentabilidade ainda não foi incorporado corretamente pelas empresas”

As cidades, e seus setores público e privado, estão preparadas para as mudanças climáticas?

RB – As mais vulneráveis às mudanças climáticas estão já com forças-tarefas grandes para poder instalar. Em Nova York, por exemplo, eles estão injetando mais dinheiro na adaptação da infra-estrutura porque tudo ali é debaixo da terra. Se o nível do mar elevar pode alagar o sistema elétrico, o sistema de telefone, de cabo. E se Nova York pára, tudo pára, não só os EUA, mas uma boa parte do mundo. São Paulo também é uma cidade importantíssima para a economia nacional, para a América Latina, mas que ainda está engatinhando em termos de sua política municipal de clima.

O que está sendo feito no caso paulista?

RB – Nós trabalhamos com a prefeitura de São Paulo na formulação de um projeto de lei de mudanças climáticas. Ali abrimos uma discussão muito grande sobre a necessidade de mapeamento das vulnerabilidades e de preparar a sociedade para se adaptar a essa nova realidade. Teve todo um esforço do Kassab [Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo], ele foi realmente muito diligente, delegou a tarefa a um grupo que realmente se debruçou e fez um trabalho belíssimo de construir uma política e junto à Cârama para aprovar a lei que é exemplar em termos de abordagem da questão climática de uma forma mais completa. Agora, qual o desafio? É implementar. Quais são os recursos e quanto a prefeitura vai investir? O que ela vai fazer de parceria para viabilizar certas coisas?

Só as capitais estão preocupadas com o tema?

RB – Não. Primeiro que a maior vulnerabilidade parece estar na zona costeira. Eu sei que houve um esforço em Santos, em Recife, de mapeamento das vulnerabilidades, mas eu desconheço de outras cidades. [O tema] tem que estar no Plano Nacional de Mudanças Climáticas e tem que ter recursos. Sei que há uma preocupação, agora o desafio é colocar recurso financeiro e humano pra mapear as vulnerabilidades.

Você acabou de voltar dos EUA. Poderia fazer um paralelo de como o Brasil está em comparação com os americanos quanto a preparação das cidades para as mudanças climáticas?

RB –
Eu fiquei bem impressionada com o que vi. Percebi que a movimentação dos Estados Unidos vem de baixo pra cima. Não tem lei federal de clima, ainda não tem obrigatoriedade de redução de emissões, toda aquela dificuldade de aprovar Quioto, mas a temática ambiental está presente no dia-a-dia. De um lado ainda é o país mais motorizado, baseado no planejamento rodoviário e de altíssimo consumo. Mas o nível de consciência certamente está instalado. Em termos de aprovação de políticas municipais de mudanças climáticas os EUA são o campeão, se comparado com qualquer outro país do mundo. O americano está muito mais ligado na comunidade, eles trabalham com o bairro, tem aquela coisa de trabalho voluntário junto a sua igreja, escola.  Então acho muito natural em um país que tem esse tipo de preocupação e que se cobra muito mais diretamente seu prefeito, seu vereador, que haja o fervilhar da discussão climática. Os estados do oeste e nordeste têm um nível de cobrança maior do eleitor, são os mais adiantados na questão climática. De longe os estados de Washington, Oregon e Califórnia têm legislação ambiental mais rígida, e são onde as normas de clima estão sendo instaladas.

“No Brasil falta demais investimento na inovação em termos tecnológicos para baixo carbono.”

E como as empresas e indústrias se inserem neste movimento?

RB – O americano é absolutamente aficionado com inovação, é a cultura da inovação para o ganho econômico. O estímulo para a criatividade do pequeno cientista que vai descobrir a nova grande invenção é uma coisa corriqueira no dia-a-dia deles. Eles valorizam a criatividade na busca de soluções tecnológicas e isso é premiado de todas as formas que você puder imaginar. Nas universidades eles investem nos grandes cérebros, e não importa se é norte-americano ou não. Eles querem lá as melhores cabeças, têm uma retenção de talentos. Vai vir muita resposta dos EUA para o problema do clima, mas não vai ser na ordem política e nem na presença dos EUA nas negociações internacionais, vai ser lá no chão mesmo.

Então para o Brasil falta interesse dos governos locais e incentivo à tecnologia?

RB – Acho que falta demais investimento público e privado na inovação, em termos tecnológicos para baixo carbono.

O que podemos esperar do GVces para este ano?

RB – Estamos trabalhando em parceria com a Embaixada Britânica e o governo federal para tentar construir o arcabouço legal, a moldura necessária para o mercado de carbono no Brasil. Tem um projeto de finanças e clima, que é um estudo sobre quem está investindo em tecnologia de baixo carbono. Esse mapeamento é fundamental para entendermos se vamos ser competitivos na economia mundial. E até o final do ano que vem deve sair uma recomendação de política pública para a desoneração do custo Brasil na economia de baixo carbono. Tem certos tributos que podem sufocar alguns setores. Vamos olhar para esses pequenos nozinhos que poderiam ser desatados para poder deslanchar estes setores, como o de energia limpa, e fazer com que sejam competitivos.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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