Ilhéus – O comércio exterior brasileiro sempre teve como uma de suas fontes principais a exportação de matérias-primas. Há séculos, seja nos ciclos da cana, ouro, café, minério e soja, o Brasil aposta – e investe pesado – na exploração de seus recursos naturais, com baixo valor agregado. A manutenção deste modelo de desenvolvimento é justamente a questão que está no centro das discussões sobre a construção do Complexo Porto Sul, em Ilhéus.
Para a concretização do Complexo, o governo planeja gastar cerca de R$ 6 bilhões – 1/3 do orçamento anual da Bahia – na construção de uma ferrovia que ligará Figueirópolis, em Tocantins, à cidade de Ilhéus, no litoral sul baiano. A obra está inserida no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esta linha férrea, de quase 1.500 mil quilômetros, passa pela cidade de Caetité, onde existe uma mina de ferro e também onde começa a parceria-público-privada do empreendimento. A mina é explorada pela multinacional Bahia Mineração (Bamin), que pretende escoar o minério por um porto a ser criado na antiga capital do cacau. O terminal de cargas e o porto estão orçados em R$ 800 milhões.
A construção do Complexo é necessária, segundo governo e iniciativa privada, porque esta região da Bahia, que viu sua economia decair após a crise do cacau, em meados do século XX, nunca mais conseguiu se reerguer. Tal justificativa, no entanto, não agrada ambientalistas, empresários do setor privado e grande parte da população da cidade, que pedem investimentos “em um modelo de desenvolvimento do século XXI, levando em conta as futuras gerações, uma economia mais justa e sustentável e o respeito à natureza e as reais vocações da região”, diz um manifesto de várias organizações não-governamentais e setores da economia local, entregue na última semana a autoridades estaduais e federais.
Além dos impactos à natureza, as organizações questionam pontos polêmicos do processo. A começar por quem será realmente beneficiado com a construção dos empreendimentos. A multinacional Bamin é propriedade atual de indianos e cazaquis. Serão eles, segundo as organizações, os maiores beneficiados com os investimentos públicos na rodovia – que somente em seu trecho entre Ilhéus a Caetité custará R$ 1,4 bilhão.
No litoral, outro questionamento. Para a implementação do Terminal Portuário, a empresa anuncia “milhares” de empregos. Os números variam de acordo com o interlocutor: já se ouvir falar em Ilhéus da geração de dois, seis e até oito mil vagas. A realidade é que, após sua implementação, serão criados apenas 460 postos de trabalho definitivo, segundo o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da Bamin, destinados à mão-de-obra especializada, ou seja, que muito dificilmente vai inserir a população local.
Outras formas de crescer
A região de Ilhéus é densamente ocupada por pescadores, marisqueiros, produtores de chocolate e remanescentes indígenas. Mais do que isso, é local de grande vocação turística. Segundo levantamento da Associação de Turismo de Ilhéus (Atil), 2% da economia local é movida pela agropecuária, 10% pela indústria, 2% pelo governo e 68% pelo comércio e serviços.
Por isso, as entidades que assinam o manifesto enviado ao governo pedem que os bilhões de reais que serão investidos no Complexo sejam destinados ao fomento de uma nova economia regional, movida pela produção de cacau e chocolate, frutas, fibras naturais, indústrias de base local e de micro e pequena escala, turismo e cultura regional. “Esta não é simplesmente uma briga local. Ela é sobre a conservação da Mata Atlântica como um todo e de uma forma de pensar o país. A região de Ilhéus é uma das poucas onde é possível pensar em desenvolvimento sustentável”, diz Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Baseados na experiência de outras cidades portuárias, que viram sua população crescer de forma desordenada, levando à criação de favelas e degradação ambiental – além das já inerentes à construção do porto – os empresários de turismo dizem se sentir ameaçados com a nova configuração que querem dar à cidade. O empresário alemão Thilo Scheuermann que o diga. Ele investiu R$ 15 milhões na construção de um resort que está instalado bem à frente de onde ficará a ponte que levará o minério aos navios. “É triste por causa da [falta de] comunicação também”, diz, lembrando que os empresários do setor foram motivados pelo governo federal, por meio do Programa de Desenvolvimento do Turismo – Nordeste (Prodetur), a investir no local.
População dividida
Governo estadual e federal entendem que o empreendimento é estratégico para o desenvolvimento da região e garantem que farão de tudo para que os impactos sejam minimizados. A Bamin também aposta nisso. “Vamos gerar renda, riqueza e desenvolvimento sustentável. Acreditamos que há toda possibilidade de convivência entre indústria a turismo”, disse Clovis Torres, presidente da empresa, a O Eco.
Toda propaganda e promessas em prol do Complexo têm dividido a população. Carentes de infraestrutura, eles apostam no porto para trazer melhorias. “O porto é uma possibilidade de a gente sobreviver”, diz Raimunda Ferreira, moradora da Ponta da Tulha há quatro anos – onde desembocará a ferrovia – e dona de um bar na beira da estrada que liga Ilhéus a Itacaré. Além disso, segundo moradores locais, a empresa tem oferecido cursos profissionalizantes de hidráulica e informática para a população. Dessa forma, mesmo conscientes dos impactos que o empreendimento poderá trazer, eles nutrem a esperança de que o Complexo virá para salvar a região.
Veja entrevista com moradora Raimunda Ferreira
* A repórter Cristiane Prizibisczki viajou a convite do grupo de organizações não governamentais Rede Sul da Bahia.
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