A OSX, empresa do Grupo EBX, do empresário Eike Batista, voltada para a construção naval, protocolou ontem (24) na Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA) uma complementação dos estudos sobre os possíveis impactos do estaleiro que pretende construir no estado. Este será mais um passo em direção à concretização da obra, que tem gerado muita controvérsia entre os catarinenses.
O estaleiro está previsto para ser construído na cidade de Biguaçu, vizinha de Florianópolis no lado continental e voltada para a Baía de São Miguel. O empreendimento será dedicado exclusivamente à construção de plataformas de extração de petróleo semi-submersíveis e fixas, além de navios-sonda, ambos voltados para exploração e extração de petróleo.
No continente, a área construída abrangerá 155,33 hectares. Para permitir o acesso de navios ao estaleiro, responsáveis por levar partes das plataformas que serão construídas, e a saída destas da Baía, será construído um canal com 12,3 km de comprimento, 160 metros de largura e nove de profundidade. Segundo o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da empresa, um volume de cerca de 8,7 milhões de m³ será dragado do fundo do mar para a construção desse canal. Para o governo do Estado, favorável à construção do estaleiro, a obra trará muitos benefícios para a região, como geração de emprego e renda. Para ambientalistas, ela será um desastre para a biodiversidade local.
Vozes contrárias
A área em que o estaleiro será construído é vizinha de três unidades de conservação – a Área de Proteção Ambiental (APA) de Anhatomirim, a Estação Ecológica (ESEC) de Carijós e a Reserva da Biosfera (Rebio) do Arvoredo – e é aqui que começam as críticas ao projeto. Segundo os chefes das áreas protegidas, as unidades serão diretamente impactadas pela construção da obra, principalmente a APA de Anhatomirim, que fica ao lado da área do estaleiro e foi criada justamente para assegurar a proteção das populações residentes de boto da espécie Sotalia fluviatilis, além de remanescentes de Mata Atlântica do local. O canal da obra passará no meio da área de alimentação e reprodução da espécie, que naquela região está reduzida a poucos indivíduos.
“O desprezo dos empreendedores pelas unidades de conservação locais pode ser demonstrado pelo simples fato de que não houve nenhum contato prévio com qualquer chefe ou técnico dessas unidades de forma prévia à apresentação da proposta. Ou seja, não tiveram nenhum interesse em se interar sobre as peculiaridades daqueles ambientes e suas fragilidades”, disse Apoena Figueiroa, chefe da ESEC Carijós.
Além do impacto direto na área dos botos e nas unidades de conservação, ambientalistas também destacam outros pontos negativos do projeto. O leito do oceano naquela região é muito rico em arsênio, um metal pesado extremamente tóxico. Com a dragagem, o metal será movimentado, podendo contaminar peixes e a população local, dizem. A própria movimentação das águas, por conta das dragagens e entrada e saída de embarcações, causará mudanças no habitat das espécies marinhas, aumentando a turbidez da água, o que pode causar impactos na maricultura e pesca.
Jorge Albuquerque, biólogo e coordenador da não-governamental Associação Montanha Viva, ainda destaca a possível contaminação da água com óleo que poderá vazar das embarcações e possível erosão das praias da região, como a Praia da Daniela, por causa da mudança na maré. Segundo ele, são 19 pontos críticos ao meio ambiente. “A área é ainda rota dos flamingos-andinos, ameaçados de extinção”, diz.
Para Eduardo Bastos, advogado da Associação Montanha Viva, o projeto choca-se com compromissos assumidos pelo país em relação ao meio ambiente. O Brasil é signatário da Convenção de Ramsar, conhecida como Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional e, portanto, deveria preservar a região, rica em mangues e zonas alagadas. Além disso, o Plano de Manejo das Unidades de Conservação não permite atividades como a do estaleiro na área. “Se formos considerar o Plano de Manejo, o estaleiro só sai se mudar a lei”, diz Bastos.
Erro conceitual
Em entrevista a O Eco na última quinta-feira (20), Paulo Monteiro, diretor de sustentabilidade do Grupo MPX, explica que muito das manifestações negativas devem-se a um entendimento errado que os chefes das unidades e ambientalistas estão fazendo em relação ao projeto. “A primeira confusão que fizeram foi confundir porto com estaleiro. Não vai haver circulação de navio, atracação de navios, portanto, não vai haver vazamento de óleo, por exemplo”, explica.
O estaleiro, segundo o RIMA do projeto, será destinado apenas à produção de plataformas de petróleo e navios-sonda. Para confeccionar estes produtos, no pico da produção vão entrar somente duas barcaças por mês no estaleiro, trazendo aço. Por ano, a estimativa é que saiam dali somente seis unidades. “Estamos falando de um fluxo mínimo, muito menor do que as cinco mil embarcações, de pequeno porte, que circulam na ilha de Florianópolis”, diz Monteiro.
De acordo com o diretor, os estudos realizados pela empresa mostraram que a obra não vai impactar as unidades de conservação, nem a população de golfinhos. Apesar disso, certos cuidados serão tomados em relação aos pontos frágeis apontados pelos ambientalistas. Para garantir que o impacto seja mínimo sobre os golfinhos, por exemplo, a empresa se comprometeu a realizar a dragagem somente nos meses em que os animais se deslocam mais ao centro da Baía. “Se vocês acham que não são suficientes [os estudos realizados pela empresa], digam o que mais querem que nós faremos. Se tivermos alguma evidência que estaremos causando a morte dos golfinhos, nós não faremos o empreendimento”, diz.
A empresa também garante que a movimentação de arsênio será mínima. Isso porque toda a lama dragada do canal vai ser utilizada para aterramento da própria área do empreendimento. Isto é, ela sairá do fundo do mar e irá direto para o continente, sem que haja transbordamento. “O arsênio é um material pesado e que gruda nessa lama. O que vamos retirar de arsênio vai vir junto com o material dragado. Este não é um problema. Além de ser provisório [somente na época da dragagem] o metal vai assentar”, diz. Monteiro ainda garante que os estudos matemáticos realizados pela empresa sobre a mudança na movimentação das marés mostram que não haverá erosão das praias e que a pesca e o turismo não serão afetados.
Segundo o diretor da OSX, os pontos positivos do projeto estão sendo negligenciados por aqueles que o criticam. Do ponto de vista da geração de postos de trabalho, a previsão inicial é de 3,5 mil empregos diretos na fase de implantação e 4 mil na fase de operação. A empresa ainda estima que serão criados mais 12 mil postos indiretos. Para garantir que haja mão de obra capacitada para realização dos trabalhos no estaleiro, a empresa já começou o treinamento de pessoal. Além disso, a OSX firmou parceria com as prefeituras das cidades envolvidas para evitar impactos negativos, como ocupação irregular do entorno, e com o Senai, para capacitação de mão de obra em outras atividades, como garçom e cabeleireiro, visando a futura demanda por emprego. Ainda está programada a construção de um centro tecnológico em construção naval próximo ao empreendimento. “A sustentabilidade faz parte da vocação das empresas do grupo EBX”, garante Paulo Monteiro.
Em meados de abril, os chefes das UCs do entorno do projeto apresentaram parecer técnico contrário à realização do empreendimento, o que, pela lei, impede que a FATMA conceda a licença. A O Eco, o chefe da ESEC Carijós, Apoena Figueiroa, garantiu que os estudos protocolados ontem pela OSX na FATMA não vão modificar o parecer do ICMBio, porque o órgão entende que os impactos não são mitigáveis. A realização do empreendimento, portanto, continua negada pelo órgão ambiental federal. O impasse ainda parece estar longe de uma solução.
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