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Produtos orgânicos na cadeira do dentista

Mercado de orgânicos cresce no Brasil. Desde 2004, os produtores contam com uma associação criada pelo dentista José Alexandre Ribeiro.

Felipe Lobo ·
30 de junho de 2010 · 14 anos atrás
José Alexandre entrega cesta de produtos orgânicos ao presidente Lula (foto: divulgação)
José Alexandre entrega cesta de produtos orgânicos ao presidente Lula (foto: divulgação)

A produção orgânica surgiu quase por acaso na vida de José Alexandre RIbeiro. Nascido e criado na região de Franca, em São Paulo, sempre teve contato com alimentos cultivados pela agricultura familiar, sem qualquer tipo de agrotóxico.

Na hora de escolher uma profissão optou por odontologia, e não se arrepende. Foi atuando como dentista, em seu consultório, que ele percebeu a invasão de produtos recheados de químicos na rotina de seus pacientes. Ao receitar uma dieta mais saudável, a qualidade de vida melhorava – na mesma proporção em que os problemas dentários diminuíam.

Com esta experiência, alguns anos depois, Ribeiro criou o Café IAO. Durante uma feira de orgânicos em Nuremberg, na Alemanha, percebeu o sucesso de seu cultivo sem aditivos e não parou mais: ajudou a fundar o BrasilBio, associação de fomento à agricultura sem fertilizantes, e foi seu presidente durante três anos. Nesta entrevista a ((o))eco, ele explica qual a situação atual do mercado em que atua no país, as perspectivas para o futuro e os principais benefícios ambientais de sua escolha.

O senhor presidiu a BrasilBio durante três anos e também é o responsável pelo Café IAO. Mas, antes de tudo, é dentista. Como surgiu o seu interesse pela produção orgânica?
José Alexandre Ribeiro: Tenho um trabalho de muitos anos nesta área, que começou com plantas alternativas e homeopatia, quando o paciente não respondia a problemas na gengiva. Como, no entanto, o paciente sempre voltava com o mesmo problema algum tempo depois, decidi aprofundar mais estudos sobre a alimentação. Venho de família simples, meus avós eram agricultores familiares e me sentia muito bem com o que era usado na época. Há 50,60 anos, não existia produto químico na lavoura e sentia que esta alimentação era diferente do que hoje existe no mercado. Comecei a indicar para os meus pacientes uma nova dieta, e ele não voltavam mais, pois os problemas eram resolvidos. Em seguida, ajudei a criar uma feira orgânica em Franca, em 2005, onde os agricultores vendiam os seus produtos. Começamos com 12, hoje já temos 40.

Quais são os principais dados do mercado de orgânicos do Brasil, como por exemplo a relação, em porcentagem, deste tipo de produção no mercado nacional de alimentos e a média de preços?

“Há, aqui, 842 mil hectares de agricultura familiar orgânica, todos com certificações feitas por várias empresas nacionais e estrangeiras que garantem o que o consumidor está comprando. A partir de 2011 teremos um selo para padronizar a certificação.”

Ribeiro: O mercado é crescente, cada vez mais. Temos hoje, no Brasil, produção em todo o lugar. Há, aqui, 842 mil hectares de agricultura familiar orgânica, todos com certificações feitas por várias empresas nacionais e estrangeiras que garantem o que o consumidor está comprando. A partir de 2011 teremos um selo para padronizar a certificação. Se levarmos em consideração as áreas preservadas onde há extrativismo, estamos falando de 9,4 milhões de hectares. É importante destacar, porém, que existem 90 milhões de hectares de terras improdutivas no país, sem falar da cultura tradicional. Atualmente, estamos desenvolvendo feiras locais para atender municípios. A ideia é que cada município consiga desenvolver associações de pequenos produtores para que os mesmos vendam diretamente. Deste modo, o preço do orgânico sai quase o mesmo do convencional. Quando há atravessador, o preço fica mais alto, pois tem muita demanda e pouca oferta. É impossível formar um agrônomo especialista em agricultura orgânica em apenas três anos, tempo em que existe a lei. Estamos crescendo, mas o café vendido no Brasil, por exemplo, é apenas 1% orgânico. Há muito o que crescer

A BrasilBio surgiu a partir de uma demanda dos produtores, ou vocês notaram a importância de criar uma associação para fomentar o mercado nacional de orgânicos?

Ribeiro: Comecei a trabalhar com o café orgânico em 2004 e, na mesma época, fui a uma feira internacional (em Nuremberg, na Alemanha) para ver se os produtos orgânicos eram apenas um modismo, ou se tinham vindo mesmo para ficar. Levei o café IAO, a região de Alta Mogiana, em Franca (onde fica o IAO) já tinha um certo nome por lá. Foi um sucesso, todos voltavam para beber mais, a qualidade era reconhecida. Nesta mesma feira estavam os Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, além de outros grupos. Eles solicitaram que fundássemos um órgão que representasse este movimento no Brasil. Reunimos pequenas empresas processadoras de orgânicos e o fizemos.

 A partir daí, qual foi a história da BrasilBio? Vocês tiveram que ajudar uma base legal para o mercado?
Ribeiro: Fui o presidente da associação até o começo de junho. É difícil realizar projetos levantando bandeiras recentes no Brasil. Fizemos um café com o presidente Lula e, depois, ele assinou a Lei dos Orgânicos em 2007, que institui o mercado no Brasil. Mas não tínhamos técnicos, profissionais capacitados. A previsão inicial era de que cresceria 100% no ano, já que a regulamentação ajuda empresas de fora do país a investirem no setor. O Brasil, acredito, vai ser o futuro celeiro de orgânico no mundo. Temos um crescimento de 40% ao ano. Atendemos a uma demanda de desenvolvimento de consciência sobre qualidade de vida, alimentação saudável, e um custo que atende a necessidade de quem produz, com inclusão social.

Quais são os principais benefícios ambientais dos produtos orgânicos em relação aos tradicionais?
Ribeiro: Não podemos falar em ecologia, em preservação ambiental, sem falar em produção orgânica. Ela deixa de contaminar os lençóis freáticos e não afeta a biodiversidade – os fertilizantes se acumulam geneticamente nas sementes, e os animais que as consomem sofrem seus efeitos. Isto é comprovado, não podemos mais ficar calados, temos que levantar uma bandeira pela vida do planeta. Precisamos trabalhar com controle biológico, pois ele dificilmente se resgata e acaba cada vez mais depende de produtos químicos.

Como é constituída a BrasilBio? Ela tem o objetivo, por exemplo, de criar um amplo banco de dados de toda a cadeia de orgânicos no Brasil, certo? Em qual estágio esta estratégia se encontra?
Ribeiro: Hoje estamos em um bom estágio de defesa da agricultura familiar. Os objetivos da Brasilbio, uma entidade federativa que atende um projeto nacional de desenvolvimento da agricultura desde a formatação da lei, é a regulamentação dos insumos orgânicos para aumentar a produtividade e atender a demanda. Preserva-se a saúde de quem produz, do meio ambiente e de quem vai se alimentar.

 

  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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