Reportagens

Orgânicos: mercado em crescimento, mas à procura de espaço

Tendo como consumidores o governo e as grandes redes de supermercado, setor encontra nas grandes feiras a chance para se expandir.

Maurício Thuswohl ·
15 de maio de 2014 · 10 anos atrás

Feira Green Rio, no Jardim Botânico. Evento debateu os desafios do setor. Foto: Divulgação
Feira Green Rio, no Jardim Botânico. Evento debateu os desafios do setor. Foto: Divulgação

Rio de Janeiro – O consumo de produtos orgânicos não cessa de crescer no Brasil. Impulsionada pelas políticas públicas de compra de alimentos junto aos agricultores familiares e pelo surgimento de lojas especializadas e até mesmo supermercados que apostam na venda de produtos livres de qualquer agrotóxico, hormônio, remédio ou componente transgênico, a agropecuária orgânica é hoje uma realidade ao alcance de milhões de consumidores em várias cidades do país. Para discutir a evolução desse mercado e também promover o intercâmbio entre produtores, vendedores e consumidores de orgânicos, cerca de 800 pessoas participaram do encontro Green Rio – Rio Orgânico, realizado nos dias 8 e 9 de maio no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). Além dos debates, o evento teve uma rodada de negócios que fechou R$ 2 milhões em possíveis parcerias.

Ao fim de 2013, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil tinha 10.064 unidades de produção orgânica. O Nordeste lidera o ranking nacional, com 3.198 unidades de produção, seguido pelas regiões Sul (3.165), Sudeste (2.409), Norte (1.023) e Centro-Oeste (269). Para Rogério Dias, coordenador de Agroecologia do ministério e um dos participantes do Green Rio, “o mercado vem se estruturando cada vez mais e a agricultura orgânica está deixando de ser vista como uma coisa para poucos”. A produção e o consumo crescentes, no entanto, não impedem que os orgânicos ainda sejam pouco conhecidos e consumidos pelos cidadãos brasileiros, se comparados aos europeus e japoneses, por exemplo.

Segundo a definição da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), o que caracteriza um produto orgânico, além da ausência de transgênicos, venenos ou fertilizantes sintéticos, é o fato de ser oriundo “de uma agricultura baseada em práticas sustentáveis que buscam o equilíbrio ecológico e o respeito ao homem”. Na prática, esse conceito se traduz por um modo de produção que valoriza a biodiversidade, minimiza o desperdício de recursos naturais e evita a contaminação do solo, da água e do ar, que devem ser usados de forma racional.

Cinco práticas, segundo a SNA, devem ser observadas para que uma produção possa ser considerada orgânica: 1) solo enriquecido naturalmente, sem receber agrotóxicos, pesticidas ou adubos químicos; 2) sementes transgênicas não são usadas; 3) animais são criados livres, não tomam hormônios de crescimento, anabolizantes ou outras drogas e têm o seu bem estar assegurado; 4) trabalhadores têm os seus direitos e os de sua família preservados; 5) a legislação sanitária deve ser atendida e deve-se fazer a correta disposição do lixo. Do ponto de vista legal, para que seja considerado orgânico, um produto deve se enquadrar nas normas e princípios estabelecidos pela Lei 10.831, promulgada em dezembro de 2003.

A certificação dos orgânicos no Brasil é responsabilidade do MAPA que, por intermédio do Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica (SisOrg), concede um selo de identificação aos produtos. Os agricultores familiares que produzem orgânicos, por sua vez, ao participarem dos programas institucionais de compra de alimentos, passam a integrar o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos. Os alimentos considerados orgânicos são oriundos de diversas modalidades de produção agropecuária identificadas pela SNA, e podem ser produzidos a partir de processos naturais e regenerativos ou com práticas de agroecologia, biodinâmica e permacultura.

Além do ministério, a certificação dos orgânicos pode ser feita também por entidades especializadas em determinados tipos de produção. A empresa Korin, por exemplo, que desde 1994 se destaca pela venda de frangos orgânicos, apresenta outros dois selos de certificação de qualidade. O certificado WQS (World Quality Services) atesta que os frangos foram criados livres de antibióticos e de ingredientes de origem animal em sua ração. Já o Certified Humaine atesta que a criação dos frangos “cumpriu um protocolo rígido” de bem-estar animal, que passa, sobretudo, pelo não confinamento e pela nutrição adequada, além da adoção de métodos de abate menos estressantes.

Outra forma de certificação, ainda que informal, acontece quando a produção orgânica tem a assistência técnica de entidades reconhecidas pelo mercado e a sociedade. É o caso do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com o projeto Alimentação Saudável e Sustentável, que tem o objetivo de fortalecer a gestão empresarial e aumentar a competitividade da cadeia produtiva da agricultura familiar, incluindo a produção orgânica.

Políticas Públicas

Em 2013, foi lançado pelo governo federal o 1º Plano Nacional da Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), com o objetivo de articular as ações dos vários atores federais e também dos governos estaduais e municipais. O plano prevê investimentos de R$ 8 bilhões, que serão destinados ao fortalecimento da organização da produção orgânica em todo o país: “O Planapo é fundamental para mexermos em questões estruturantes. Temos que ter insumos para que esse tipo de agricultura possa ser executada com mais facilidade. Várias ações caminham nesse sentido, por isso acredito que daqui a mais uns cinco ou dez anos estaremos colhendo o resultado”, diz Dias.

Além do Planapo, o desenvolvimento do setor de orgânicos vem sendo impulsionado por algumas políticas públicas de incentivo à agricultura familiar, como os dois principais programas de comercialização direta com o governo: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), lançado em 2007, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que existe desde a década de 40, mas foi associado à agricultura familiar na última década: “Os assentamentos vendiam muito pouco porque não tinham para onde vender. Através do PAA houve uma mudança substancial nessa realidade, e o programa também promoveu a diversificação de produtos. Já o PNAE determina que pelo menos 30% da produção a ser consumida pelas escolas municipais, estaduais e federais do país tem que ser adquirida junto à agricultura familiar”, explica Sérgio Coelho, delegado substituto do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no Rio de Janeiro.

Embora não exista uma meta governamental específica para a aquisição de orgânicos, Coelho afirma acreditar na expansão do setor: “O PAA e o PNAE têm uma agregação no valor de venda para o produtor orgânico de 30% em relação ao produto convencional. Na medida em que essas políticas institucionais têm um aporte de recursos endereçado exclusivamente à agricultura orgânica e agroecológica, imaginamos que em dez ou vinte anos tenhamos uma competição cada vez mais igual entre a agricultura orgânica e a convencional”, diz.

Feira Green Rio. Foto: Divulgação
Feira Green Rio. Foto: Divulgação

Pesquisa

Durante o Green Rio, foi apresentada a pesquisa “Mercado e Rede de Valores”, uma análise sobre o setor de orgânicos realizada ao longo de 2012 e 2013 pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Segundo André Funcke, um dos responsáveis pela pesquisa, o trabalho teve enfoque nos canais de mercado disponíveis aos produtores e que estes teriam potencialmente condições de abastecer. O estudo identificou três formas de mercado: local, institucional e varejo, este dividido em mercado de qualidade (lojas especializadas) e supermercados.

“O setor de supermercados passou por uma grande transformação no Brasil nos últimos dez anos, com um processo de fusões e aquisições. Hoje em dia, as três maiores cadeias são Carrefour, Pão de Açúcar/Casino e Walmart, que detêm 60% da rede varejista do Brasil. Elas trouxeram um novo processo de garantia de qualidade, baseado na experiência que tinham do mercado norte-americano e do mercado europeu. O perfil de compra das grandes redes de supermercado mudou, e hoje elas compram 80% dos produtos diretamente dos produtores rurais”, diz o pesquisador.

Já as demais formas de mercado, segundo Funcke, são menos exigentes que as grandes redes do varejo: “O mercado de mais simples acesso, mas que menos valoriza o produto, é o mercado local, seguido pela ordem por PAA, PNAE, mercados de qualidade e grande redes de varejo. Dentro dos programas institucionais, por exemplo, as exigências de qualidade do PAA são menos impactantes do que as da merenda escolar”, diz.

Já as exigências de qualidade do grande varejo são maiores, afirma o pesquisador, porque ele exige rastreabilidade do produto orgânico: “E esta não é apenas a garantia de que todas as etapas do processo de produção e fornecimento sejam conduzidas de maneira correta, é também a disponibilidade dessas informações para quem está comprando na ponta de consumo”, diz, acrescentando que “o grau de dificuldade de acesso ao grande varejo é ainda maior do que o grau de dificuldade de acesso aos mercados de qualidade”.

Desafios

Gerente de Agronegócios do Sebrae e membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), Enio Queijada trouxe durante o Green Rio números atualizados sobre a agricultura familiar, que hoje tem 4,37 milhões de estabelecimentos agropecuários e – em apenas 24% da área plantada, reflexo de uma grande concentração fundiária – produz cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. A agricultura familiar concentra 44% da mão-de-obra no meio rural e 38% do valor da produção bruta do Brasil (R$ 450 bilhões).

O Sebrae identificou como desafios estratégicos do setor: 1) aumento da produção e ganho de produtividade; 2) agregação de valor; 3) gestão produtiva e comercialização fortalecendo a cooperação; 4) adequação às regras e normas de produção; 5) aproximação com o mercado consumidor, sobretudo os circuitos curtos de produção e consumo, sem a existência de intermediários. Segundo Queijada, “isso é muito importante para a agroecologia e os orgânicos”. Ele apresentou uma sugestão de meta para estimular a produção orgânica: “O PNAE tem R 3,5 bilhões para alimentação escolar, e a meta é adquirir 30% disso junto à agricultura familiar. Será que, se pegarmos um terço deste um terço para a produção de orgânicos, isso seria uma meta possível?”.

Green Rio

Feira Green Rio. Foto: Divulgação
Feira Green Rio. Foto: Divulgação

Três associações de pequenos produtores, representando 380 agricultores familiares fluminenses que trabalham com orgânicos, montaram seus stands de venda durante o Green Rio no espaço Tenda da Agricultura Familiar. Os produtores levaram cerca de meia tonelada de alimentos orgânicos para serem vendidos no evento, como queijos, geléias, conservas de diversos tipos, mel, legumes, hortaliças e até mesmo escargots produzidos em Petrópolis, na Região Serrana. Além disso, o contato direto entre produtores e comerciantes durante a Rodada de Negócios possibilitou o início de negociações que podem chegar a R$ 2 milhões.

Diretora do Planeta Orgânico e principal organizadora do Green Rio, Maria Beatriz Martins Costa analisa a rodada: “Vários restaurantes e redes de lojas e supermercados participaram da Rodada de Negócios, com destaque para restaurantes formadores de opinião, que estiveram no Green Rio pela primeira vez e se surpreenderam com a qualidade e inovação dos produtos expostos”, diz.

Bia, como é mais conhecida, afirma que o crescimento e a estruturação do mercado de orgânicos no Brasil são notáveis: “Estou muito animada porque o que eu vi durante o Green Rio é um amadurecimento muito grande da agricultura familiar. Eu acompanho os expositores da agricultura familiar desde 2003, e vi um amadurecimento do ponto de vista da embalagem dos produtos, da estratégia de marketing e da organização comercial. A grande alavancagem para isso foram as políticas públicas do PAA e do PNAE, que os obrigou de alguma maneira a se organizarem. Está provado que políticas públicas são indutoras e modificam paradigmas”, diz.

Durante o Green Rio, foi promovida a campanha contra o desperdício de alimentos “Eat.Think.Save”, que tem a chancela do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma). O evento também serviu para que avançassem as conversações entre o Mapa e o Sebrae em torno do projeto Cosméticos de Base Florestal da Amazônia, que tem o objetivo de desenvolver a produção de cosméticos orgânicos na região amazônica.

 

 

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Comentários 1

  1. Realmente houve uma consolidação do mercado via fusões e aquisições, que aumentou o profissionalismo. Isto não foi ruim para o setor dos orgânicos, pois a maior parte das lojas das grandes redes tem uma seção de orgânicos.