O apoio dos ruralistas diminuiu, ou ao menos ficou explícito o descontentamento com parte do texto no voto em separado de Valdir Colatto do PMDB –SC. Outros 3 votos divergentes (PT, PV e PSOL) tornaram o quadro mais complicado para o que os ruralistas achavam que seria uma aprovação tranquila de uma lei que só beneficia a eles próprios.
Numa mostra de que tudo pode acontecer nestes últimos rounds, deputado Ivan Valente (PSOL) trocou empurrões com um agricultor logo após o término da sessão que durou exaustivas 8 horas. Debate encerrado, a votação foi convocada para terça as 9h da manhã na mesma sala 2 do anexo II.
Durante toda a tarde os discursos pareciam parte de um macabro horário eleitoral gratuito. Ruralistas de diversos estados contavam como é dificil a vida dos agricultores da região de onde vieram. Todos diziam conhecer muito bem a realidade do povo do campo. Mostravam intenção de defender a natureza e o Brasil como verdadeiros patriotas, contra as forças internacionais que queriam acabar com a nossa produção de alimentos.
Fica fácil acreditar nas boas intenções quando não se sabe que a pressa em aprovar o novo Código Florestal está diretamente ligada à necessidade de doações de campanhas eleitorais. Todos os deputados ali defendendo os interesses ruralistas recebem doações vultosas dos proprietários rurais beneficiados pelo relatório em suas campanhas. Todos falavam abertamente da importância de se representar a sua base eleitoral que estava ali assistindo atenta aos discursos.
Os ânimos exaltados culminaram num triste climax. Ao final da entrevista coletiva que dava Ivan Valente na saída da reunião, o agricultor Roberto Cardoso, de Batatais (SP), chamou o deputado de “equivocado” e ”ignorante”. Recebeu em troca um empurrão que deu início ao tumulto. Foram 4 minutos de correria e agressões verbais que você pode ver na íntegra clicando no vídeo abaixo.
Veja vídeo da confusão entre agricultor e Ivan Valente
Torcida dividida
O clima de tulmulto começou antes mesmo da primeira palavra do presidente da Comissão Moacir Micheletto (PMDB-PR). Em resposta aos servidores ambientais que se manifestaram na última semana, centenas de agricultores lotaram o auditório em apoio ao projeto ruralista. As permissões de entrada no auditório do debate terminaram, por coincidência, quando tentou entrar o primeiro funcionário do Ibama que estava na fila. Foram seis salas preparadas para que o público presente pudesse assistir a sessão e todas elas estavam lotadas até o começo da noite. Claques barulhentas se dividiam em áreas separadas como perigosos torcedores de times de futebol.
A Contag – Confederação dos Trabalhadores da Agricultura – levou cerca de 600 pessoas contrárias ao relatório atual, mas parte delas se manifestava hora a favor hora contra o texto do Aldo. Mesmo tendo trazido um manifesto contrário ao texto assinado em conjunto com a Fetraf, Via Campesina e MST, o discurso fácil dos ruralistas propondo uma falsa compatibilização entre produção e preservação ecoou nos camponeses, deixando nítida a falta de clareza das propostas em jogo.
Os pontos mais polêmicos eram a isenção de recuperação de área florestada para propriedades de até 4 módulos fiscais o que na Amazônia significa 400 hectares. Isso faria com que muitos proprietários dividissem suas areas até este número para evitar a recomposição da vegetação nativa. Aldo recuou neste ponto para o descontentamento de seus novos aliados ruralistas depois de uma reunião com o Ministério do Meio Ambiente.
Outros pontos pedidos pelo MMA foram atendidos. A autonomia dos estados em criar a sua própria definição de reserva legal foi tirada do relatório. Assim como aconteceu com a definição minima de 15 metros para a mata ciliar onde o relatório permitia chegar a zero.
Segundo João de Deus, Diretor de Florestas do MMA, o texto ainda precisaria prever que as multas pudessem ser convertidas pelos próprios agricultores em ações de reflorestamento e deveria se retirar qualquer possibilidade de anistia aos desmatamentos apenas pela data em que se realizaram. “Essa lógica de anistia por tempo apenas é injusta com quem preservou sua reserva legal e agora vai ver seus concorrentes que não preservaram sendo anistiados pelo governo”, afirmou.
PT e PSDB fogem do debate
Para Alessandra da Costa, vice-presidente da Contag é preciso fazer a diferenciação entre produtores familiares de subsistência e o agronegócio de pequena propriedade. Segundo ela o tamanho não pode ser o parâmetro, a função do uso da terra também deve ser considerada. “Não podemos mais aceitar que o agronegócio use os agricultores familiares para justificar as decisões políticas que só beneficiam a eles. Nenhum agricultor familiar derruba sua mata ciliar pois sabe que a água precisa da floresta para se manter.”
Uma posição semelhante assumiu o Deputado do PT do PR Assis de Couto. Defendendo mudanças no código para favorecer a agricultura familiar ele apresentou um voto em separado que não pôde ser lido durante o debate por falta de tempo, mas que deve constar como mais um substitutivo a atrapalhar os ruralistas na votação plenária. Não está claro ainda se ele poderá ser considerado um voto da bancada do governo uma vez que o partido está fugindo deste debate para evitar possiveis desgastes da candidata Dilma em seu arco de alianças. Aliás, a ausência da participação do governo no debate foi sentida por ambos os lados.
O Deputado do PSDB paulista Ricardo Tripoli afirmou que o relatório atual inviabiliza os compromissos feitos pelo presidente Lula em Copenhague. “Ou o presidente envia seus parlamentares para participar do debate ou vai ter que ir até a ONU pedir desculpas pelas promessas de reduzir em até 38% as emissões de gases de efeito estufa em 2020”, afirmou. Segundo Tripoli, o seu partido não tem consenso sobre o tema e liberou seus membros para assumirem a posição que acharem melhor. Mesmo assim o PSDB enviou ofício à comissão excluindo o parlamentar Tripoli e empossando em seu lugar um deputado convalescente que não pode participar da reunião. José Serra, no entanto, declarou em entrevista que a votação deve ser feita depois das eleições. No mínimo, contraditório.
Batalha regimental
Como era de se imaginar de uma comissão que se formou com um golpe dos ruralistas ganhando a presidência, a vice-presidência, a relatoria e encerrando a sessão sem deixar que houvesse debate, a batalha será mesmo pelo regimento interno da câmara muito mais do que pelas propostas de cada lado para solucionar o problema. O artigo 106 do regimento foi citado por Ivan Valente, líder do PSOL, logo no início da manhã, para encerrar a discussão por ainda não ter sido apresentado um relatório final consolidado. O regimento obriga que os deputados tenham 24h para analisar o texto em que foram feitas mudanças substanciais. Um intervalo de 15 minutos foi necessário para se negociar um acordo com a mesa e quando o debate foi reiniciado o acordo foi contestado mais uma vez com rispidez pelo líder do PSOL. “Não há acordo nenhum presidente, devemos cumprir o regimento”.
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