Reportagens

Roubo de madeira na Serra do Urubu

Extração de madeira e plantações ilegais de bananeiras ameaçam o que restou do maior fragmento de Mata Atlântica de Pernambuco.

Celso Calheiros ·
22 de setembro de 2010 · 14 anos atrás
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A Serra do Urubu, o maior fragmento remanescente de Mata Atlântica em Pernambuco, reúne adjetivos de grande relevância. Conectado à Serra do Murici em Alagoas, é a maior e mais importante reserva de Mata Atlântica acima do Rio São Francisco, com diversas espécies de aves, répteis, anfíbios, insetos e bromélias que apenas lá são encontradas. A serra foi utilizada por diferentes pesquisadores, de biólogos a economistas, como base para estudos. Alguns fizeram descobertas inéditas para a ciência. Nessa mesma Serra do Urubu, duas Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN) protegem fauna e flora, mas têm sido alvo recorrente de roubo de madeira. A situação tem sido flagrada por pesquisadores que frequentam a área.

Ao retornarem às reservas, mesmo após o término de seus trabalhos, eles presenciaram toras de madeira nativa, cortadas no meio da mata, a espera de transporte. Os ladrões não têm qualquer preocupação em derrubar as árvores após o entardecer. Depois de quatro horas, ao voltarem ao mesmo ponto entre as Reserva Frei Caneca e a Pedra Dantas, as lenhas já não estavam lá. “São serrarias conhecidas na região. Cortam e levam em poucas horas”, denunciou o um cientista, que pediu para manter o nome em sigilo.

Em 630,4 hectares da Serra do Urubu está a Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) Frei Caneca, a maior reserva privada em Pernambuco. A Serra do Urubu é rica em grupos biológicos encontrados apenas em seu território, além de espécies ameaçadas de extinção, com 187 aves, 23 anfíbios, e centenas de espécies vegetais. Quando se diz que não há verde como o da Serra do Urubu, não é ufanismo. É endemismo, mesmo.

A reserva foi reconhecida oficialmente pelo governo do estado em 2001 como área de extrema importância biológica para a conservação. Em 2002, o governo federal passou a dar a mesma consideração a esse pedaço de Mata Atlântica. Também foi identificada com Área Importante para a Conservação de Aves (Important Bird Area, IBA) pela SAVE Brasil e a BirdLife International. Junto com a Serra de Murici (AL), o local é o única área onde podem ser vistas quatro espécies ameaçadas em todo mundo, como o limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi), o choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), zidedê-do-nordeste (Terenura sicki) e o cara-pintada (Phylloscartes ceciliae).

Além da retirada de madeira observada e fotografada por pesquisadores, os promotores de municípios que têm parte do território na Serra do Urubu afirmam também conhecer pequenas plantações de bananeiras dentro de área protegida e construção de casas e barracos próximo dos rios além da permissão legal. “São situações delicadas, que envolvem camponeses de pouco instrução, precisamos do apoio municipal para oferta de cursos profissionalizantes nestes casos”, comentou o promotor Jorge Gonçalvez Dantas Júnior, que responde pelo Ministério Público em Jaqueira e Maraial.

A Associação para a Proteção da Mata Atlântica do Nordeste (Amane) nasceu da união de oito ONGs por um objetivo comum: a preservação do bioma mais ameaçado do país na região onde são raras suas manifestações originais. De acordo com Dora Melo, da Amane, a despeito da importância ecológica, toda região da Serra do Urubu foi degradada pela retirada de lenha e produção de carvão, pela cana-de-açúcar e outras culturas, além do pastoril abandonado. “Essa atividade ameaça a rica biodiversidade”, comenta a ambientalista, que acrescenta. “Grande parte dessa floresta é vizinha de populações de baixa renda, que, por falta de outras oportunidades, exercem enorme pressão sobre o bioma remanescente”.

O professor José Alves de Siqueira, da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), é outro conhecedor da Serra do Urubu e, de forma especial, da Reserva Frei Caneca. “Depois de teses de doutorado, livro financiado pelo Ministério do Meio Ambiente e mais ações para promover a conservação da Frei Caneca, vejo que estamos perdendo a batalha, não para a população excluída, mas para ladrões de madeira”, protesta o professor. Ele foi um dos articuladores da transformação da RPPN Frei Caneca e por anos realizou trabalhos em campo na Serra do Urubu.

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A região encanta quem a conhece e ao menos parte dessa admiração vem da biodiversidade existente lá. Biodiversidade essa que possibilita ambiente para espécies sensíveis ao desequilíbrio. O entomologista José Albertino, com pós-doutorado pela Canadian National Collection of Insects e conhecimento em florestas de Norte a Sul, do Sudeste ao Nordeste, aponta a Serra do Urubu como uma das poucas florestas onde pode encontrar, em quantidade, o grupo de insetos que estuda, o Zoraptera. “Eles vivem principalmente sob as cascas das árvores quando estas estão em decomposição, têm um papel de reciclar a matéria orgânica. No Nordeste, esse grupo (os zorápteros) foi encontrado em poucos locais e a Frei Caneca foi um deles, e lá, em abundância. Isso significa que, para esse grupo, a reserva ainda está em boas condições”, analisa.

O economista e ecólogo Clóvis Cavalcanti, da Fundação Joaquim Nabuco, é outro admirador da Serra do Urubu. Acredita que a Reserva Frei Caneca é bem administrada, mas também se preocupou com as notícias sobre corte de madeira. Cavalcanti é autor de um artigo sobre a Mata Atlântica nordestina com nome ilustrativo: Opulência vegetal, cobiça insaciável e a entronização da entropia: uma visão da história sócio-ambiental da Mata Atlântica.

Urgência de fiscalização

Uma operação da agência de meio ambiente do estado, a CPRH, flagrou o transporte para a venda irregular de madeira nos municípios de Bom Conselho, São João e Ribeirão, no Agreste e Zona da Mata (no caso de Ribeirão). Em apenas uma dessas ações, foram apreendidas 59 toras de sucupira e murici, além de 70 barrotes de angico.

Ao ser investigado para falar a respeito do roubo de madeira na Reserva Frei Caneca, a CPRH não ofereceu nenhuma informação. O chefe do setor de fiscalização da agência, Thiago Costa Lima, retornou, por e-mail, em busca de mais dados sobre o local onde foi verificada a retirada de madeira. No entanto, não respondeu às perguntas sobre como funciona a fiscalização, nem sobre o contingente disponível para o trabalho em todo o estado.

Uma reserva particular de patrimônio natural (RPPN) é um instrumento no qual o dono da terra oferece a área, em caráter permanente, para ser preservada. Por essa razão fica isento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), além de manter sua prerrogativa de dono. De acordo com o promotor Jorge Gonçalves, o proprietário da terra, juntamente com os poderes públicos, tem a obrigação de zelar pela integridade da área, da mesma forma que toda a sociedade.

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