Durante a Conferência da ONU sobre Mudanças do Clima, ocorrida em Cancún no mês de dezembro, o Greenpeace lançou uma nova edição do relatório “Revolução Energética: a caminho do desenvolvimento limpo” (clique para baixar), elaborado em parceria com representantes e especialistas do setor energético.
O novo relatório traça o cenário de um futuro baseado em matrizes elétricas 100% renováveis, apostando em fontes como energia eólica, solar e biomassa. Com base em estudos aprofundados, o estudo qualifica as energias sustentáveis em relação ao baixo custo, eficiência, rentabilidade e desenvolvimento social e econômico para o país.
A novidade apresentada pelo Greenpeace é a proposta de uma real revolução, que ajudaria na redução das emissões de gases estufa no Brasil sem ameças ao desenvolvimento do país, além da geração de empregos. Porém, essa revolução está atrelada a uma série de mudanças na forma como a energia é tratada hoje no país, além de envolver a sociedade em ações que visem um desenvolvimento sustentável.
A revolução, além de benéfica para o meio ambiente, é interessante para a economia, pois com a consolidação da procura por essas fontes, seu custo diminui ainda mais. Dessa forma, o relatório apresenta argumentação sólida para investimentos no setor de energias limpas em detrimento de outras mais caras e mais poluentes, como é o caso da energia termoelétrica e nuclear (ainda cogitadas pelo governo brasileiro).
“Propomos uma quebra de paradigma do atual modelo de geração e demanda de energia. Acreditamos que uma simples evolução ou continuísmo do modelo atual não fará com que alcancemos os objetivos principais propostos. Estes objetivos seriam: ter uma matriz energética diversificada, não apenas baseada em uma ou duas fontes, e que garantisse segurança energética, baixas emissões, baixos impactos ambientais e sociais e acesso à energia à toda a população brasileira. Esse objetivo depende tanto dos governantes e de tomadores de decisão, quanto da população brasileira, e só pode ser alcançado com essa revolução energética que propõe uma mudança na maneira com que usamos e encaramos a energia”, diz Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha de Energias Renováveis do Greenpeace Brasil.
Leia a seguir entrevista com completa com Baitelo.
Como você vê a situação brasileira em relação as fontes de energias renováveis?
Ricardo Baitelo: No momento, as chamadas novas energias renováveis (na prática as renováveis excluindo as grandes hidrelétricas) têm se desenvolvido no país, mas ainda carecem de uma política sólida de incentivos e estruturação que garantam o desenvolvimento de pólos de fabricação e de pesquisa destas fontes no país. Temos leilões para energias renováveis, mas não temos a garantia legal de que eles ocorram todos os anos. Para a cogeração, a biomassa ou as pequenas centrais hidrelétricas, mesmo com os leilões, não se chegou a um ponto ótimo em termos de condições de contratação e preço deste contrato que satisfaça aos geradores e aos distribuidores. Já no caso da energia solar, nunca tivemos uma política sólida para a fonte e temos apenas propostas na câmara dos deputados. Ou seja, é a fonte mais atrasada neste sentido, e a que apresenta custos mais altos, por não contar com fabricação nacional ainda.
Quais são as perspectivas futuras para esse setor no país e quais as medidas que o governo pode adotar para avançar nesse aspecto?
RB: As perspectivas são de crescimento da indústria eólica, por conta da realização mais frequênte dos leilões. Já temos o estabelecimento de vários fabricantes de aerogeradores no país, mais atrás vem a energia solar, com o anúncio de duas fábricas diferentes no nordeste. Neste sentido apontamos as energias eólica e solar como as opções de maior potencial brasileiro e que compõe, somadas, 30% da energia elétrica em nosso cenário, no ano de 2050.
Existem propostas concretas de implementação de energias renováveis em grande escala no país?
RB: A proposta mais concreta é o projeto de lei 630/03, que na verdade é um texto que compila 19 projetos de lei sobre energias renováveis e reúne propostas positivas em termos de contratação, incentivo e pesquisa para estas fontes. O problema é que esta proposta está parada na câmara dos deputados há um ano e precisa ainda ser votada para seguir ao senado e então ser aprovada.
Quando vocês falam de uma revolução, o que isso significa?
RB: O nome revolução energética é proposital. Propomos uma quebra de paradigma do atual modelo de geração e demanda de energia, e acreditamos que uma simples evolução ou continuísmo do modelo atual não fará com que alcancemos os objetivos principais propostos. Estes objetivos seriam: ter uma matriz energética diversificada, não apenas baseada em uma ou duas fontes, e que garantisse segurança energética, baixas emissões, baixos impactos ambientais e sociais e acesso à energia à toda a população brasileira. Esse objetivo depende tanto dos governantes e de tomadores de decisão, quanto da população brasileira, e só pode ser alcançado com essa revolução energética que propõe uma mudança na maneira com que usamos e encaramos a energia. Propõe uma geração mais descentralizada, ou seja, que não apenas usinas enormes de grandes impactos tragam energia a nós através de centenas ou milhares de quilômetros de linhas de transmissão. Com usinas de porte médio ou pequeno, podemos concentrar a geração em pontos mais próximos, reduzir as perdas e reduzir estes impactos. O outro ponto desta cadeia é o uso final, ou seja, melhorar a eficiência energética tanto dos equipamentos que usamos em casa, em hotéis, ou em indústrias e ter hábitos racionais de uso sobre estes equipamentos.
Quais são os maiores desafios para implementação de fontes renováveis de energia e quais as melhores opções?
RB: As melhores opções são as menos impactantes e as que apresentam os maiores potenciais. Porém, temos que observar até que ponto esse desenvolvimento será viável sem um arcabouço legal por trás, que incentive as pessoas a comprarem os painéis e instalarem em suas residências ou edificios. No caso da biomassa e das pequenas centrais hidrelétricas (pchs), acredito que temos uma estagnação relativa dos setores, pelo impasse em relação à condições mais interessantes de comercialização destas energias. Alguns destes empreendedores têm migrado para a geração eólica, onde existem condições melhores em termos de subsídios e abatimento de impostos. Em resumo, o que o governo precisa fazer é concretizar uma política de incentivo e desenvolvimento dessas fontes. Precisamos sair de ações isoladas e ter um conjunto de regras claras que dêem segurança a todas estas indústrias de que teremos possibilidades de desenvolvimento destes mercados, o que aumenta a escala de produção dessas tecnologias e reduz o preço dessas energias.
No relatório são feitas previsões sobre o cenário mundial no setor energético, o que elas indicam?
RB: Sobre as previsões, o cenário mundial foi tratado no “Energy Revolution 3”, relatório feito pelo Greenpeace Internacional e lançado em junho em Bonn. Neste cenário fizemos previsões apenas nacionais, que partem do que projetamos para o PIB brasileiro nas próximas décadas, repercutindo para a demanda de energia destas décadas, ou seja, quanta energia vamos precisar para que o país cresça de forma sustentável, quanta energia podemos economizar deste pacote (com medidas de eficiência energética) e qual o máximo de energia renovável que podemos utilizar para atender ao país. Para isso, colhemos avaliações e opiniões tanto de economistas de diferentes instituições, como de especialistas do setor energético ligados às fontes energéticas consideradas.
Quais pressões políticas por parte da própria sociedade podem e devem ser feitas para que se consigam tais avanços?
RB: Acredito que em primeiro lugar devemos conhecer o posicionamento das pessoas que elegemos a respeito do tema e convencê-los a aumentar a pressão sobre o tema dentro do congresso. É necessario também aumentar o nível de discussão sobre o tema renováveis, que é de extrema importância a todos nás, tanto pelo uso de energia no dia a dia, quanto pelo papel de protagonistas que podemos ter quando pudermos gerar energia em casa e escolher por formas de geração mais limpas e de menores impactos ambientais.
No caso do relatório, acha que ele pode impulsionar tais mudanças? Como está a veiculação e divulgação dessas informações ao público?
RB: Certamente, o relatório já vem sendo comentado em círculos acadêmicos e do setor elétrico e ele mostra duas opções de caminho para o crescimento da matriz eletrica brasileira – uma opção seguindo tendências de crescimento de grandes hidrelétricas e combustíveis fósseis – e a opção pela diversificação das fontes renováveis, na qual 93% da matriz será renovável, complementada apenas pelo gás natural, como um combustível de transição. O relatório mostra que esta segunda opção não é melhor apenas para o meio ambiente, como também para a economia – o custo da matriz será menor do que a opção de apostar em combustíveis fósseis derivados de petróleo – e para a sociedade – as energias renováveis tem a capacidade de gerar muito mais empregos do que a construção de grandes usinas previstas no cenário tendencial. Acreditamos que estes argumentos são muito positivos para a discussão e a tomada de decisão de empreendedores e do governo, que devem pesar ambas as opções em seus planos estratégicos – o caminho renovável ou o caminho de emissões de CO2 e impactos ambientais e sociais.
Algum resultado concreto até agora?
RB: Oficialmente ainda não, por conta do curto tempo de lançamento. Normalmente trabalhamos este material por pelo menos um ano, mas podemos adiantar que temos recebido convites para apresentá-lo em instituições acadêmicas e associações do setor elétrico.
Quais outros benefícios econômicos e sociais a implementação de energias sustentáveis trazem ao país?
RB: O cenário ao optar por opções renováveis, elimina de vez a geração mais poluente por termelétricas a carvão e óleo combustível e a geração nuclear. Estas são opções que consideramos absolutamente dispensáveis para o pais em 2050, por conta dos altos impactos ambientais e sociais, e por serem consideradas tecnologias ultrapassadas e que não nos ajudarão a mitigar as emissões de gases de efeito estufa.
Em relacao à eficiência energética, qual a sua importância nesse setor?
RB: Apesar de não ser uma fonte de energia, prevemos que o papel de ações de eficiência é primordial, pois ao propormos a reducao de 26% do que projetamos de consumo de energia em 2050, temos a redução de impactos de construção de novas usinas, temos a possibilidade de reduzir a participação de fontes poluentes na matriz, a um custo menor para a sociedade, tanto econômico, quanto ambiental.
O governo deveria utilizar-se dessa potencialidade para melhorar índices socioeconômicos no país, com projetos de democratização energética de baixo custo e impacto?
RB: Com certeza. A geração descentralizada em comunidades isoladas é um aspecto que trará desenvolvimento humano a estas regiões, que costumam receber o impacto de grandes obras e não usufruem da eletricidade por conta de dificuldades de se expandir a estrutura de redes de transmissão até elas.
No cenário mundial, o Brasil pode firmar-se como um exemplo no setor energético, ou ainda está muito atrás de outros países?
RB: Em termos de ter a primeira matriz elétrica 100% limpa, diria que temos a faca e o queijo na mão no que se refere a potencial téorico e recursos naturais, mas em termos tecnológicos e políticos estamos ainda atrás dos principais centros de desenvolvimento de novas renováveis, como Alemanha, Espanha ou mesmo a China. O pontapé inicial deste ciclo é a questão legislativa, seguida pelo estabelecimento de indústrias e pelo desenvolvimento da pesquisa. Assim teremos condições futuramente de não apenas usufruirmos o potencial nacional das fontes – sol, vento, biomassa – como também desenvolver tecnologias e patentes que possam ser exportadas a outros países.
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