Reportagens

Rios brasileiros: poluição e descaso

Estudo da SOS Mata Atlântica em 43 rios do bioma mostra que nenhum deles apresenta qualidade de água boa ou ótima. Poluição gera graves efeitos.

Felipe Lobo ·
13 de janeiro de 2011 · 14 anos atrás
Membro de campanha Mata Atlântica é aqui faz coleta no rio Salgadinho em Maceió. Veja infográfico abaixo (foto: divulgação)
Membro de campanha Mata Atlântica é aqui faz coleta no rio Salgadinho em Maceió. Veja infográfico abaixo (foto: divulgação)
A baixa qualidade da água nos rios é um dos principais problemas enfrentados pelas populações das grandes cidades brasileiras. Mas não é só: a poluição afeta a biodiversidade e compromete uma série de serviços ambientais prestados pelos ecossistemas. Para entender em qual estágio de pureza estão os corpos d’água de uma das florestas mais ameaçadas do planeta, a Fundação SOS Mata Atlântica coletou e analisou amostras de 69 rios espalhados por 70 municípios em 15 estados brasileiros desde maio de 2009. O estudo, porém, apenas verificou as visitas feitas entre janeiro e dezembro de 2010, com um total de 43 rios e 39 cidades brasileiras de 12 estados mais o Distrito Federal. O resultado não é nada animador.

Clique para ver as cidades visitadas pela caravana da SOS Mata Atlântica)
Clique para ver as cidades visitadas pela caravana da SOS Mata Atlântica)

O trabalho aconteceu durante o ano de 2010 através do caminhão do projeto “A Mata Atlântica é aqui – exposição itinerante do cidadão atuante”. De posse de um kit de monitoramento, foi possível classificar as águas de rios, córregos e lagos, por exemplo, em cinco categorias: péssimo (de 14 a 20 pontos); ruim (de 21 a 26 pontos); regular (de 27 a 35 pontos); bom (de 36 a 40 pontos) e ótimo (acima de 40 pontos). Este sistema tem base no Índice de Qualidade da Água (IAQ), padrão definido pelo Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), e as pontuações giram em torno de parâmetros como temperatura, espumas, peixes e lixo.

“As coletas de água foram realizadas em corpos d’água de regiões urbanas, mesmo no caso dos parques. Portanto, a principal fonte de poluição constatada foi o esgoto doméstico sem tratamento, ou com baixos índices de tratamento de esgotos. As consequências mais nefastas são as doenças de veiculação hídrica, o impacto aos ecossistemas e o empobrecimento das regiões afetadas pela poluição dos rios”, avalia Malu Ribeiro, coordenadora da Rede de Águas da Mata Atlântica na SOS

É mais do que urgente, aliás, abrir os olhos para os impactos. Isso porque, dos 43 corpos d´água monitorados, 70% se enquadram no nível regular, 25% no ruim e 5% no péssimo. Ou seja, absolutamente nenhum chegou perto de índices de pureza considerados satisfatórios. Com 34 pontos, o Rio Doce (em Linhares, Espírito Santo) e a Lagoa Maracajá (Lagoa dos Gatos, Pernambuco) lideram o ranking. Já o Rio Verruga (Vitória da Conquista, Bahia) e o Lago do Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro, RJ), com 19 e 17 pontos, respectivamente, amargam as últimas colocações. 

De acordo com Malu Ribeiro, há maneiras de se contornar este quadro até certo ponto sombrio. A primeira delas é convencer as comunidades ribeirinhas e a sociedade como um todo do caráter indispensável da água, um bem escasso, para a vida. Ela indica que ainda vivemos o falso senso comum de que a água é abundante no Brasil. Já a segunda é o planejamento integrado das bacias hidrográficas brasileiras com o saneamento básico.

 “Ainda não somos capazes de planejar ações que minimizem os eventos climáticos extremos, como as grandes secas ou as grandes cheias e a cada ano assistimos às mesmas tragédias anunciadas, que afetam drasticamente as populações mais desprovidas de recursos que moram em áreas de encostas, fundos de vales, várzeas e beiras de rios (as APP – áreas de preservação permanente – determinadas pelo Código Florestal) e que têm a função de resguardar a vida e o equílibrio hidrológico”.

Nota da redação: “A entrevista com Malu Ribeiro foi realizada em 11 de janeiro. Um dia depois, chuvas torrenciais deixaram, mais uma vez, um cenário de tragédia e devastação no estado do Rio de Janeiro. Até o fechamento desta reportagem, mais de 330 pessoas tinham morrido na região serrana em virtude do evento climático extremo”. 

Água privatizada

O objetivo da exposição itinerante da ONG, que entra em seu terceiro ano, é sensibilizar diretamente a população sobre a importância de se conservar a Mata Atlântica na rotina da cidade e de seus habitantes. Para tanto, há oficinas, palestras, exposições e outras atividades realizadas pela equipe que viaja no caminhão e parceiros locais. Segundo Camila Plaça, coordenadora deste projeto, uma das histórias mais emocionantes aconteceu em setembro de 2010, na cidade de Murici, em Alagoas.

Muito afetada pelas tempestades torrenciais que caíram sobre o estado naquele ano, ela estava carente de eventos de lazer. O veículo da exposição ficou lotado de crianças, que aprenderam bastante acerca dos cuidados necessários com a natureza, e os moradores conseguiram entender que os prejuízos causados pela chuva se devem, em grande parte, ao desmatamento da floresta.

“(Para ser escolhida) A cidade estar dentro dos limites da Mata Atlântica, ou ser uma cidade estratégica para a defesa do bioma, como Brasília, por exemplo. Também levamos em consideração outros critérios como localização geográfica, índices de desmatamento da região, iniciativas em prol do meio ambiente, presença de ONGs parceiras, entre outros”, afirma Plaça.

Malu Ribeiro vai mais longe. Para ela, uma região como a Mata Atlântica nunca deveria passar por problemas de escassez de água. Isto só acontece em função do desperdício, poluição e impermeabilização dos solos, fatos que geram dificuldades notórias de abastecimento e inúmeras enchentes e acidentes climáticos. O reflexo disto é simples e perverso: a água acaba privatizada e poucos podem ter acesso.

“Nas grandes e médias cidades do Brasil, as pessoas que têm melhores condições econômicas não bebem água das torneiras. Ou seja, bebem água mineral ou mineralizada, fornecidas por empresas privadas em galões. Isso é um retrato perverso da exclusão hídrica. Quem tem dinheiro para pagar de R$ 4,00 a R$ 5,00 por um galão de água de 20 litros, que dá para 08 dias em uma familia de cinco pessoas, bebe água em tese de boa qualidade; quem não tem dinheiro bebe a água das torneiras, quando ela chega”, finaliza. 

Lista completa dos rios (Fonte: SOS Mata Atlântica)

Estado

Cidade

Corpo d’água

Pontuação

AL

Maceió

Rio Salgadinho

23 pts. – Ruim

AL

Murici

Rio Mundaú

30 pts. – Regular

BA

Teixeira de Freitas

Rio Itanhém

26 pts. – Ruim

BA

Porto Seguro

Rio Buranhém

30 pts. – Regular

BA

Ilhéus

Rio Cachoeira

26 pts. – Ruim

BA

Vitória da Conquista

Rio Verruga

17 pts. – Péssima

BA

Salvador

Rio Jaguaribe

30 pts. – Regular

BA

Salvador

Rio Pituaçu

32 pts. – Regular

BA

Feira de Santana

Rio Jacuípe

27 pts. – Regular

CE

Aracati

Rio Jaguaribe

31 pts. – Regular

CE

Fortaleza

Rio Cocó

31 pts. – Regular

CE

Fortaleza

Rio Maranguapinho

25 pts. – Ruim

CE

Caucaia

Rio Ceará

29 pts. – Regular

DF

Brasília

Lago Paranoá

33 pts. – Regular

ES

Cachoeiro de Itapemirim

Rio Itapemirim

32 pts. – Regular

ES

Vitória

Rio Santa Maria da Vitória

26 pts. – Ruim

ES

Linhares

Rio Doce

34 pts. – Regular

GO

Goiânia

Rio Meia Ponte

25 pts. – Ruim

GO

Goiânia

Rio João Leite

29 pts. – Regular

MG

Caratinga

Rio Caratinga

23 pts. – Ruim

MG

Belo Horizonte

Ribeirão Arrudas

25 pts. – Ruim

MG

Juiz de Fora

Rio Paraibuna

25 pts. – Ruim

MG

Januária

Rio São Francisco

33 pts. – Regular

MG

Montes Claros

Córrego Vieira

30 pts. – Regular

MG

Teófilo Otoni

Rio Todos os Santos

26 pts. – Ruim

PB

Campina Grande

Açude Velho

30 pts. – Regular

PB

João Pessoa

Rio Sanhauá

29 pts. – Regular

PE

Garanhuns

Rio Mundaú

30 pts. – Regular

PE

Lagoa dos Gatos

Lagoa Maracajá

34 pts. – Regular

PE

Caruaru

Rio Ipojuca

26 pts. – Ruim

PE

Jaboatão dos Guararapes

Rio Jaboatão

30 pts. – Regular

PE

Recife

Rio Capibaribe

28 pts. – Regular

PE

Recife

Açude do Prata

33 pts. – Regular

RJ

Teresópolis

Rio Paquequer

30 pts. – Regular

RJ

Rio de Janeiro

Lago do Quinta da Boa Vista

19 pts. – Péssima

RJ

Nova Friburgo

Rio Cachoeira

27 pts. – Regular

RJ

Campos dos Goytacazes

Rio Doce

29 pts. – Regular

RJ

Resende

Rio Paraíba do Sul

30 pts. – Regular

RN

Natal

Rio Potengi

28 pts. – Regular

SE

Aracaju

Rio Poxim

32 pts. – Regular

SP

Mogi das Cruzes

Rio Tietê

27 pts. – Regular

SP

São José dos Campos

Rio Paraíba do Sul

29 pts. – Regular

SP

Osasco

Nascente do Rio Bussocaba

29 pts. – Regular


  • Felipe Lobo

    Sócio da Na Boca do Lobo, especialista em comunicação, sustentabilidade e mudanças climáticas, e criador da exposição O Dia Seguinte

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