O impacto deste aumento significa que o objetivo de impedir um aumento de temperatura de mais de 2 graus Celsius - o que para os cientistas é o limite para “perigosas mudanças climáticas” – está perto de ser somente “uma utopia agradável”, segundo Fatih Birol, economista-chefe da AIE. Isso também mostra que a recessão global mais grave em 80 anos teve apenas um efeito mínimo sobre as emissões, ao contrário de algumas previsões.
Ano passado, uma quantidade recorde de 30,6 giga toneladas de dióxido de carbono foi despejado na atmosfera, principalmente pela queima de combustíveis fósseis – um aumento de 1.6Gt em 2009, segundo estimativas da AIE, considerada o principal padrão para os dados de emissões. “Estou muito preocupada. Estas são as piores notícias sobre as emissões,” disse Birol ao Guardian. “Está ficando cada vez mais desafiador nos manter abaixo de 2 graus. A perspectiva está ficando sombria. É o que dizem os números.”
O professor Lord Nicholas Stern, da London School of Economics, autor do influente Relatório Stern sobre a economia das alterações climáticas para o Tesouro em 2006, advertiu que se o padrão continuasse, os resultados seriam terríveis. “Estes números indicam que [as emissões] estão agora perto de ser consideradas ‘normais’. De acordo com as projeções do [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], tal normalidade… significaria uma chance de 50% de aumento da temperatura média global de mais de 4ºC até 2100”, disse ele. “Tal aquecimento perturbaria as vidas e o sustento de milhares de pessoas no planeta, levando a uma migração em massa generalizada e conflitos. Este é um risco que qualquer pessoa em sua sã consciência procuraria reduzir drasticamente.”
Birol disse ainda que um desastre poderia ser evitado, se o governo atender à advertência. “Se tivermos uma ação corajosa, decisiva e urgente, muito em breve ainda temos uma chance de sucesso”, disse ele. A AIE calcula que se o mundo escapar dos efeitos mais nocivos do aquecimento global, as emissões anuais relacionadas à energia devem ser de não mais do que 32Gt até 2020. Se as emissões deste ano crescerem tanto quanto cresceram em 2010, esse limite será ultrapassado nove anos antes do previsto, tornando-se quase impossível manter o aquecimento a um nível administrável.
Forte recuperação
As emissões de energia caíram ligeiramente entre 2008 e 2009, de 29.3Gt para 29Gt, devido à crise financeira. Um pequeno aumento foi previsto para 2010 com a recuperação das economias, mas a escala do aumento chocou a AIE. “Eu estava esperando uma recuperação, mas não uma tão forte”, disse Birol, que é amplamente considerada uma das maiores especialistas do mundo em emissões.
John Sauven, diretor-executivo do Greenpeace no Reino Unido, disse que o tempo estava se esgotando. “Essa notícia deveria ter chocado o mundo, mas até agora os políticos em cada uma das grandes potências estão de olho em maneiras extraordinárias e arriscadas para extrair do mundo as últimas reservas de combustíveis fósseis – mesmo sob o gelo do Ártico que está derretendo. Não se apaga um incêndio com gasolina. Caberá a nós impedi-los.”
A maior parte do aumento – cerca de três quartos – vem de países em desenvolvimento, já que as economias emergentes têm resistido à crise financeira e à recessão que assola a maior parte do mundo desenvolvido. Mas ele acrescentou que embora os dados das emissões já tenham sido notícia ruim o suficiente, outros fatores tornaram ainda menos provável que o mundo pudesse alcançar suas metas de gases de efeito estufa.
• Cerca de 80% das estações de energia que poderiam ser utilizadas em 2020 já estão construídas ou estão em construção, segundo a AIE. A maioria são usinas de combustíveis fósseis improváveis de serem logo desativadas. Sendo assim, elas vão continuar a derramar carbono – possivelmente até meados do século. As emissões provenientes dessas estações são de cerca de 11,2Gt, de um total de 13,7Gt do setor da eletricidade. Estas emissões significam que uma economia deve ser encontrada em outros lugares. “Isso significa que a margem de manobra está diminuindo”, alertou Birol.
• Outro fator que sugere que as emissões vão continuar a subir é a crise na indústria de energia nuclear. Com os danos causados pelo tsunami em Fukushima, o Japão e a Alemanha interromperam seus programas de reatores e outros países estão reconsiderando a questão da energia nuclear. ”As pessoas podem não gostar, mas a energia nuclear é uma das maiores tecnologias para a geração de eletricidade sem o dióxido de carbono”, disse Birol. A lacuna deixada pela interrupção das ambições nucleares mundiais é pouco provável de ser preenchida por energias renováveis, o que significará um aumento da confiança nos combustíveis fósseis.
Somado a isso, as negociações de um novo tratado global sobre mudanças climáticas lideradas pelas Nações Unidas foram estão em suspenso. “Nos debates políticos internacionais não tem se falado tanto na importância das mudanças climáticas como se fazia há alguns anos”, disse Birol.
Ele estimulou os governos a tomarem medidas urgentes. “Isto deve ser um grito de alerta. A chance [de ficar abaixo de 2 graus] seria se tivéssemos um acordo internacional juridicamente vinculativo ou movimentos importantes em tecnologias de energia limpa, eficiência energética e outras tecnologias.” Líderes governamentais deverão se encontrar semana que vem em Bonn para a próxima rodada de reuniões das Nações Unidas, mas pouco progresso é esperado.
Sir David King, ex-chefe conselheiro científico do governo britânico, disse que os números de emissões globais mostraram que a ligação entre o aumento do PIB e o aumento das emissões não havia sido quebrado. “As únicas pessoas que vão se surpreender com isso são as pessoas que não têm lido a situação corretamente”, disse ele.As próximas pesquisas lideradas por Sir David irão mostrar que o ocidente tem apenas conseguido reduzir as emissões por depender das importações de países como a China.
Outra mensagem informando das estimativas da AIE é o efeito relativamente pequeno que a recessão – a pior desde 1930 – teve sobre as emissões. Inicialmente, a agência esperava que a consequente redução de emissões pudesse ser mantida, ajudando a dar ao mundo um “espaço para respirar” e fixar os países no caminho do baixo uso do carbono. As novas estimativas apontam que a oportunidade pode ter sido perdida. (Tradução Adriana Mansur)
* Este artigo faz parte da parceria entre ((o))eco e o jornal britânico Guardian. Ele foi originalmente publicado em inglês e pode ser lido aqui
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