O maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus rufa) é um exemplo dessa realidade fatídica. A ave de 24 centímetros de comprimento realiza uma das mais longas migrações, partindo do Ártico e indo até o Sul da América do Sul, passando pelo Brasil. Por ser limícola, isto é, por viver na lama ou no charco, realiza esse trajeto pelo litoral do continente. Antes de realizar a viagem que começa na América do Norte, cerca de 80% dos maçaricos-de-papo-vermelho fazem uma parada na Baía de Delaware, no Nordeste dos Estados Unidos, para pesca do caraguejo-ferradura.
Como ocorre a superexploração do caraguejo-ferradura, os maçaricos-de-papo-vermelho sofreram a redução da oferta dos ovos desses artrópodes, ficaram sem seu alimento para longa migração rumo ao Ártico, onde se reproduzem. De acordo com dados do WikiAves, na contagem da espécie feita na Baía Lomas, no Sul da Argentina, em 1989, 53 mil indivíduos foram contabilizados. Em 2010, a contagem caiu para 16 mil. Este ano, foram 11 mil.
Ameaça generalizada, publicação abrangente
A razão do fundo da lei de conservação de aves migratórias do Serviço de Pesca e Fauna dos Estados Unidos ser aplicado em pesquisa no Brasil está no papel desempenhado pelo nosso país como território de passagem, descanso e alimentação desses animais. “Mas qual seria esse papel?”, perguntou o coordenador do programa de subsídio financeiro Guy B. Foulks. A resposta a essa pergunta veio em etapas no decorrer de três anos. “Foi definida uma lista preliminar das espécies que poderiam ser classificadas como migrantes neárticas. Depois, foi estruturado um modelo básico para orientar a forma como as informações sobre cada uma das áreas deveriam ser apresentadas. Por fim, foi lançado um convite aberto para que toda a comunidade de ornitólogos brasileiros pudesse contribuir com artigos de síntese”, explica Renata Valente, bióloga e co-organizadora da publicação.
A publicação contém 74 trabalhos de 90 especialistas das cinco regiões do país. É uma ferramenta preliminar para a conservação de mais de 80 espécies de aves migratórias neárticas que utilizam o território brasileiro – em diferentes épocas do ano, em áreas específicas e com hábitos característicos.
Mapeando as áreas importantes
Além de dados sintéticos, a publicação reúne fotos de todas espécies tratadas e infográficos com a ocorrência de cada espécie em cada uma das regiões do país. A região Norte foi privilegiada com 24 trabalhos, seguida da região Sul com 21 sínteses. A região Sudeste, embora concentre a maioria dos pesquisadores do país, participou com seis trabalhos.
A reunião dos dados em uma única publicação e sua oferta de forma aberta e eletrônica será o primeiro passo em busca da criação de políticas internacionais de conservação. A diretora da CI no Brasil Patrícia Baião explica que as aves migratórias cruzam longas distâncias e atravessam fronteiras entre países. “As estratégias de conservação para esse grupo são dificultadas pela falta de unidade entre as ações de diversos países”.
Patrícia Baião conta que as estratégias de conservação de aves migratórias são mais difíceis com a transposição de barreiras geopolíticas. “Existem iniciativas como a Convenção de Bona sobre a Conservação das Espécies Migradoras Pertencentes à Fauna Selvagem, que não é restrita a aves e o Acordo sobre Aves Aquáticas Migratórias Africano-Euroasiáticas (AEWA), ambos sob o Programa das Nações Unidas pelo Meio Ambiente (PNUMA)”.
A situação preocupante vivida por pequenas aves limícolas, como maçarico-de-papo-vermelho, também acontece com espécies maiores, como aves canoras e aves de rapina, igualmente sob graves ameaças. Logo na introdução, Guy Foulks trata de espécie, como o vira-pedras (Arenaria interpres), que é classificada como “pouco preocupante” no levantamento da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).
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