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Santiago de Chiquitos: ex-missão jesuíta agora preserva Matas Secas

A floresta seca tropical melhor conservada do mundo está na Bolívia. Mas sua preservação e defesa dependem dos esforços de um vilarejo.

Giovanny Vera ·
7 de agosto de 2012 · 12 anos atrás
A beleza cênica da região protegida pelos habitantes de Santiago de Chiquitos. (Foto: Giovanny Vera)
A beleza cênica da região protegida pelos habitantes de Santiago de Chiquitos. (Foto: Giovanny Vera)

A Mata Seca melhor conservada do mundo está no leste da Bolívia, na Reserva Municipal Vale de Tucavaca. Como diz o nome, essa vegetação perde suas folhas durante a estação sem chuvas. A reserva de quase 262 mil hectares fica no município de Roboré, parte do departamento de Santa Cruz.


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Seu maior protetor é o povo do vilarejo de Santiago de Chiquitos, que a vigia e repele as repetidas tentativas de colonização incentivadas pelo governo. Por quê? Ela “é parte da nossa vida”, diz Filomena Vargas, uma santiaguenha, apelido dos nativos.

Dona Filo, como é conhecida na região, expressa o amor pelo lugar onde nasceu e pelo ambiente que oferece a sua comunidade água pura e cristalina, paisagens e montanhas espetaculares, temperatura agradável e espaço para produzir seus alimentos. Além disso, Santiago de Chiquitos almeja ser um destino de ecoturismo para gerar renda aproveitando a boa conservação da região

O movimento pela proteção das Matas Secas começou no ano de 2000. Antes, poucos habitantes de Santiago percebiam a importância do meio ambiente em que estavam inseridos. Foi nesse ano que o município de Roboré criou a reserva. Vale do Tucavaca foi a primeira reserva municipal no país e possivelmente na América Latina. Sua criação também marcou o início do envolvimento da comunidade em geral com a proteção do seu patrimônio ambiental

Vale generoso

A gralha-picaça e o gavião-tesoura são espécies encontradas na Reserva Municipal Vale de Tucavaca. (Fotos: David Monniaux e Wikimedia)
A gralha-picaça e o gavião-tesoura são espécies encontradas na Reserva Municipal Vale de Tucavaca. (Fotos: David Monniaux e Wikimedia)

A Reserva Municipal Vale de Tucavaca é um corredor biológico onde convergem 3 ecorregiões: a mata seca chiquitana, o cerrado e o chaco, este último definido pela baixa umidade e ocorrência de secas severas. A reserva é rodeada pelas áreas protegidas de San Matías, com 2.9 milhões de hectares, pelo Parque Pantanal Otuquis, de quase 1 milhão de hectares, e o Parque Kaa Iya, com 3.5 milhões de hectares, somando próximo de 7.4 milhões de hectares protegidos.

Tucavaca é rico em biodiversidade. Segundo seu plano de manejo, abriga mais de 100 espécies de mamíferos, como o tamanduá-bandeira e o lobo-guará; 100 espécies de répteis e anfíbios, entre eles o jacaré-do-pantanal; 83 de peixes, como a traíra; e 328 de aves como a ema e a arara-azul-grande.

Segundo Julio César Salinas, funcionário da Fundação para a Conservação do Bosque Chiquitano, o Vale de Tucavaca é importante pela existência de quase 115 espécies endêmicas — que só existem nesta área — devido às formações rochosas da região.

Essa riqueza foi confirmada por estudos da  Darwin Initiative e o Museu de História Natural Noel Kempff Mercado, que descobriram 55 novas espécies de plantas vasculares endêmicas no país, 35 particulares de Tucavaca. “Mas ainda falta muito para descobrir”, afirma Julio César.

A reserva é ainda fonte de água para Santiago e toda a região. Em suas montanhas estão as nascentes dos rios que abastecem a população do município de Roboré, e que, em seguida, formam os Banhados de Otuquis, parte mais úmida do Pantanal boliviano.

Um vilarejo defende a reserva

Santiago é uma antiga missão jesuíta, fundada em 1754. (Fotos: P. Vargas C.)
Santiago é uma antiga missão jesuíta, fundada em 1754. (Fotos: P. Vargas C.)

Fundada em 1754, Santiago de Chiquitos é uma antiga missão jesuítica e a porta de entrada para o Vale de Tucavaca. Com a modesta população que não chega a 1.000 habitantes, é a maior defensora da reserva, pois descobriu que seu presente e futuro dependem dela.

“Desde que se iniciou a gestão da Área Protegida, em 2001, as pessoas de Santiago começaram a ver a importância de cuidar do meio ambiente, porque assim é possível viver melhor”, diz Filomena Vargas. Essa percepção também é resultado de ações municipais em educação ambiental, turismo e criação de microempresas, orientados para fomentar o desenvolvimento sustentável.

Santiago se posicionou como atração turística e começou a “cuidar mais e melhor do seu entorno”, diz o professor Lucho Moreno. Hoje, dispõe de guias de turismo, serviços de hospedagem e transporte que apoiam os visitantes.

“No Brasil,me falaram sobre Santiago e eu pensei em ficar 2 dias, mas agora acho que poderia viver aqui para sempre”, diz o turista espanhol Carlos Andrés Pérez. “Santiago é um lugar mágico e encantador. Encontrei montanhas para explorar, paisagens para contemplar, trilhas para caminhadas e um povo que luta por manter sua natureza em pé”.

Batalha permanente

Nas montanhas, a turista aproveita a paisagem para uma foto. (crédito: Carla Isabel Soria)
Nas montanhas, a turista aproveita a paisagem para uma foto. (crédito: Carla Isabel Soria)

Desde o ano 2007, o governo boliviano planeja iniciativas de colonização na região. Em 2011, um grupo de invasores tentou entrar ilegalmente na reserva e a comunidade de Santiago os enfrentou e expulsou. Não voltaram mais.

Já houve várias tentativas de invasão por traficantes de madeira. Moradores e líderes locais pressionaram o governo municipal de Roboré para que protegesse o Vale de Tucavaca. Em abril de 2011, os locais bloquearam estradas e a ferrovia como protesto contra as iniciativas de colonização do vale, patrocinadas pelo governo Evo Morales. A causa levou a criação, em Roboré, de uma lei municipal de proteção à Reserva Vale de Tucavaca, que conteve o ímpeto dos pretensos colonos.

Talvez a defesa do vale pelos habitantes de Santiago seja consequência da clareza com que percebem sua dependência dos seus recursos. Eles sempre viveram em interação direta com o meio ambiente, construindo suas casas com madeira da região, obtendo remédios naturais no campo e usando a água dos riachos.

Hoje, quem vai à Santiago pode achar esses remédios naturais na casa de dona Patricia Frías, entre eles o óleo de babaçu para evitar a perda de cabelo ou a pomada de almécega para as dores nos ossos. Se quiser saborear licores naturais, encontrará de pêssego, de tamarindo e jabuticaba, feitos por dona Filomena.

Para conhecer as montanhas, encontrará um guia turístico que lhe mostrará também as cavernas do Vale de Tucavaca. Para hospedagem, há 8 opções de pousadas familiares e um hotel.

O turismo em Santiago não perde a oportunidade de destacar a sua natureza. Vanessa Suárez, coordenadora de Turismo de Roboré, diz que “a reserva é a farmácia, o supermercado, o meio de subsistência, sua vida e seu lar. E assim que todos nós queremos que continue para sempre”.


  • Giovanny Vera

    Giovanny Vera é apaixonado pela área socioambiental. Especializado em geojornalismo e jornalismo de dados, relata sobre a Pan-Amazônia.

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