Reportagens

Paute, desde os frios páramos do Cajas até a fonte de energia

Seguimos o caminho das águas desde os frios páramos do rio Cajas até chegar ao rio Paute, protagonista da produção energética do país.

Maricela Rivera ·
16 de outubro de 2012 · 12 anos atrás
As florestas de Polylepis crescem entre os 3.500 e 5.000m, e são vulneráveis à pressão humana, por ser o único recurso madeira nestas alturas. Crédito: Martín Bustamante, Finding Species.
As florestas de Polylepis crescem entre os 3.500 e 5.000m, e são vulneráveis à pressão humana, por ser o único recurso madeira nestas alturas. Crédito: Martín Bustamante, Finding Species.
No sul do Equador, a bacia do Rio Paute não só se caracteriza pela beleza de suas paisagens, mas também por ser o lugar onde está sendo construído o complexo hidrelétrico mais importante do país: “Paute Integral”. Seguimos o caminho das águas desde os páramos gelados do Rio Cajas na Cordilheira Ocidental até chegar ao Rio Paute, protagonista da produção energética do país.

Cuenca
O caminho à cidade de Cuenca pela Serra Central está cheio de contrastes, com montanhas fartas de vegetação e lugares desérticos. Os picos nevados e a cadeia vulcânica da Serra centro-norte do Equador viram bruscamente ao sul, e os altos picos se convertem em milenares montanhas erodidas.

Santa Ana de los Rios de Cuenca foi fundada em 1557, antes foi a conhecida cidade Inca Tomebamba, atualmente é a terceira cidade mais importante do país. Crédito: Rubén Ramírez, Finding Species.
Santa Ana de los Rios de Cuenca foi fundada em 1557, antes foi a conhecida cidade Inca Tomebamba, atualmente é a terceira cidade mais importante do país. Crédito: Rubén Ramírez, Finding Species.

Chegando à Cuenca, a paisagem se torna verde pela umidade de um vale que recebe ventos do leste e rios do oeste, alimentando o frio típico desta cidade. Desde o mirante de Turi, notáveis são os corredores verdes que atravessam a cidade, formados pelos quatro rios que dão o nome à “Santa Ana dos Quatro Rios de Cuenca”: Machángara, Tomebamba, Yanuncay e Tarqui, que se unem para formar o Rio Cuenca. Todos eles nascem nos páramos ocidentais do Cajas e produzem a água usada nas zonas agrícolas de Cuenca, e também destinada para o consumo humano.

Com meio milhão de habitantes é a primeira cidade grande no Equador com uma estação de tratamento de esgoto. O que antes era descarregado diretamente nos rios Tomebamba e Cuenca, agora é coletado graças ao sistema de esgoto interconectado na parte baixa da cidade. As águas residuais recebem um tratamento de 12 dias, e logo são devolvidas ao Rio Cuenca livres de contaminação, um processo sem precedentes no país.

Parque Nacional Cajas
Ao oeste de Cuenca está o Parque Nacional Cajas; aqui se formam os quatro rios que atravessam a cidade e outros tantos que irrigam o vale interandino. O parque forma parte do Sistema Nacional de Áreas Protegidas e abrange 28.544 hectares, dos quais 90% correspondem a páramos com alta umidade, com um sistema lacustre com mais de 230 lagoas temporais e zonas úmidas estacionais. Ali realizamos a trilha da lagoa “A Toreadora”, onde pudemos contemplar remanescentes de florestas de Polylepis que parecem encantados.

Dos 28.544 hectares que conformam o Parque Nacional Cajas, 90% são páramos que mantém as mais de 230 lagoas que conformam o sistema hídrico do parque. Crédito: Rubén Ramírez, Finding Species.
Dos 28.544 hectares que conformam o Parque Nacional Cajas, 90% são páramos que mantém as mais de 230 lagoas que conformam o sistema hídrico do parque. Crédito: Rubén Ramírez, Finding Species.

Luis Bravo, guarda do parque, explica que a água que ali se produz é usada para o consumo e irrigação na região, sendo o parque a principal fonte de água para Cuenca e para a central hidrelétrica de Paute. Sua localização estratégica na divisória de águas andinas faz que receba a forte influência da umidade proveniente da costa pacífica, criando um regime intenso de chuvas que começa nos meses de dezembro e janeiro. Bravo lembra que por estes páramos também passa o Caminho do Inca, vestígio da via que unia Tomebamba com o Tambo de Paredones, uma rota histórica de comércio.

O desmatamento, o tráfico de animais, e a pecuária estão entre os principais problemas da área protegida. Segundo Seu Luis, devido à criação do parque nacional, “atualmente a conservação do páramos é melhor que em décadas passadas”. Porém, assegura que a lei de entrada gratuita em áreas protegidas foi prejudicial porque “tem gente que gosta de queimar só por maldade, jogar lixo como se estivessem em sua casa”.

Produção hidroelétrica
O rio Paute se nutre das águas que descem dos páramos ocidentais. Em sua bacia média ele drena para o lado oriental e nesta região é influído também pelas chuvas do leste. Deste modo o sistema gerador de eletricidade no Equador pode aproveitar as chuvas estacionais de leste e oeste, assegurando a produção de energia elétrica para o país.

Hidrelétrica Mazar
Na via Cuenca – Paute, está o reservatório Mazar, impressionante corpo d’água de 400 milhões de metros cúbicos, que desde 2010 retêm as águas do Rio Paute. Foi construído como um complemento à represa “Daniel Palacios/Amaluza”, pois o reservatório é três vezes maior e em tempos de estiagem, Mazar pode abastecer a represa de Paute a jusante.

A represa Mazar gera 170 MW ao ano. Seu reservatório regula o fluxo do rio Paute e contém o assoreamento para prolongar a vida útil do reservatório Amaluza. Crédito: Rubén Ramírez, Finding Species.
A represa Mazar gera 170 MW ao ano. Seu reservatório regula o fluxo do rio Paute e contém o assoreamento para prolongar a vida útil do reservatório Amaluza. Crédito: Rubén Ramírez, Finding Species.

Antes de entrar no dique de Mazar passamos por Shoray (ou Zhuray), pequena comunidade de Rivera, em Azogues. Ali, seus habitantes nos contam que desde sua construção o clima mudou drasticamente, “agora é muito mais frio, é por toda essa água represada”. 

Nosso percurso teve que ser mudado porque a instabilidade das ladeiras andinas frequentemente interrompe o caminho. Por isso tivemos que atravessar o Rio Paute pela grandiosa e imponente estrutura da represa do reservatório de Mazar. No começo do caminho cruza nossa vista a comporta aberta para esvaziar a água excedente da represa, que em plenitude de condições produz 170 MW. Antes de cruzar a ponte e o túnel que nos levarão a Paute, um guarda pede documentos e nos proíbe parar o veículo para tirar fotos.

Central Hidrelétrica Paute
Quatro quilômetros rio abaixo fica a represa “Daniel Palacios, Amaluza” ou Molino, a maior geradora hidrelétrica do Equador, que produz 1.100 MW por ano. Obra-prima da engenharia, opera desde 1983 e é a principal central do sistema “Paute Integral”. Junto com Mazar, Sopladora (em construção) e Cardenillo (em estudo), será gerado um estimado de 2.243 MW na bacia do Rio Paute.

Para garantir a vida útil e a produção elétrica, o cuidado da cobertura florestal nas cabeceiras (partes altas) das microbacias desta região se mostra de vital importância.

Conforme o Rio Paute segue seu curso pela rodovia Troncal Amazônica, avança até Méndez, província de Morona Santiago. Ali, se junta ao Rio Upano para formar o Rio Namangoza, principal afluente do Rio Zamora.

A bacia do Rio Paute não apenas reúne uma grande e diferente quantidade de ecossistemas, mas também é a coluna vertebral na produção energética no país.

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