Sinop (MT) – A segunda-feira começa às 8h na sede do Ibama em Sinop, onde fica o controle da Operação Soberania Nacional. Viaturas do órgão se acumulam nas proximidades do prédio térreo na área central da cidade, trazendo cerca de 50 agentes do órgão, lotados em várias regiões do Brasil, convocados para essa operação. Eles estão prontos para sair a campo.
Lá fora, ouve-se o barulho do helicóptero do Ibama decolando. O pássaro de metal parte para aferir uma área suspeita e voltar com informações sobre as melhores rotas para que as equipes em terra tentem fazer os flagrantes. Essa operação se repete diariamente.No fim da manhã, reunião para passar as últimas orientações. A saída a campo é determinada para as 14 horas. O calor na região é intenso, com temperaturas acima de 30 graus centígrados e pouco ou nenhum vento. No clima abafado da Amazônia, a sensação é de 40 graus.Nossa viagem começa pela rodovia MT-225 e vai até o município de Feliz Natal, a 120 km de Sinop. Ao longo do caminho, passamos por vários caminhões transportando toras ou subprodutos da madeira e avistamos muitas, muitas serrarias, com pilhas de toras impressionantes a sua frente. Feliz Natal tem cerca de 200 madeireiras registradas, 90 em operação.
O comboio faz várias paradas, checa mapas, a equipe para os veículos, se reúne nos acostamentos, volta aos carros e penetra em estradas vicinais que variam de paisagens que vão da plantação de soja à mata fechada.A área onde estão os focos de desmatamento tem 2 mil hectares, cada hectare equivale a um campo de futebol. O helicóptero não pode sobrevoar a área específica para evitar alertar os infratores.Há agentes armados, alguns com armas de grosso calibre, pois sempre existe risco de conflito. O Ibama pode aprender tratores e equipamentos vitais para os desmatadores, e eles podem reagir para retomá-los, seja bloqueando estradas ou destruindo pontes de madeira.Encontramos tudo muito quieto. Normalmente deveria haver tráfego caminhões carregados de toras. É possível que o comboio do Ibama tenha sido avistado. Ou o helicóptero foi visto e um alerta por rádio amador tenha chegado antes dos agentes. É a chamada contra-inteligência: ao mesmo tempo que os agentes se equipam, os infratores utilizam-se de diversas artimanhas.
18h34. Chega a noite e acendemos lanternas e os faróis dos carros. Pelo rádio, comunica-se o achado e chegam mais viaturas. Há também informação de que, no mesmo polígono, foram feitas outras apreensões.As equipes se dividem: uns ficam e farão pouso na mata para guardar o maquinário apreendido e evitar que os desmatadores retornem e desapareçam com os tratores. Outros continuam as buscas por mais maquinário.O procedimento a seguir é tirar as máquinas da mata e aguardar a chegada da carreta do Ibama. Ela transportará os tratores ao pátio do órgão em Sinop, onde já há dezenas deles e uma carreta carregada de palanques de madeira ilegal.É também lá o novo heliporto do helicóptero do órgão, após a sabotagem do mês passado.
As equipes se separaram. Alguns voltarão à cidade, enquanto outros grupos ficarão para o plantão em meio à mata. Renê explica porque essa guerra não acaba:- Essa madeira financia o desmate a corte raso. Aqui no entorno vimos áreas abertas, com soja plantada. Se não houver ação constante do poder público nessa região, provavelmente daqui a cinco anos ela estará devastada. Essa madeira ilegal é vendida, possibilitando a contratação de máquinas e pessoal para dar continuidade ao processo, para deixar o solo exposto para a plantação de soja, na degradação total a floresta. É a sua consumação final. E isso tudo poderia ser feito de forma legal, o que é obrigação do proprietário, mas não”.Já é quase meia-noite. O trabalho prosseguirá pela madrugada para a equipe que ficou de guarda. Ainda deve haver mais máquinas em meio à mata. Fomos para o hotel. Na quarta-feira, devemos sobrevoar a região, localizada a leste do Parque Indígena do Xingu. A expectativa é grande.
Nota: na manhã dessa terça (30), soubemos que o saldo da operação, que varou a noite, terminou com a apreensão de 4 tratores e um caminhão.
Próximo relato dessa reportagem
Dia 2 – Sobrevoando a maior floresta do mundo
Todos os relatos
Chegada a Sinop – a cidade que um dia foi floresta
Dia 1 – A primeira operação de apreensão a gente nunca esquece
Dia 2 – Sobrevoando a maior floresta do mundo
Dia 3 – O desafio da extração legal
Dia 4 – Uma conversa com o novo prefeito de Feliz Natal
Dia 5 – A relação das pessoas com a madeira
Dia 6 – Em busca de soluções para o desmatamento
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