Bosque abaixo. Durante anos as árvores desta área protegida foram derrubadas compulsivamente, para realizar agricultura. Mas essa tendência começa a se reverter. Crédito: © Foto por CI/Carmen Noriega
O que mudou aqui, nesta parte alta, aonde chegamos suados logo de quase arranhar a ladeira e o barro? Guevara é a cabeça de uma das 240 famílias produtoras de café que, de certo modo, aceitaram sua culpa invasora e ao mesmo tempo buscaram uma solução: assumir um “Acordo de Conservação” para não continuar destruindo árvores sem piedade.
Este acordo, promovido pela ONG Conservação Internacional, é assinado voluntariamente com a administração do Bosque Alto Mayo, e implica uma série de benefícios e também compromissos. É uma forma de neutralizar a degradação desta área protegida, criada em 1987 em um território de 182 mil hectares cheios de espécies como as madeiras mogno e cedrorama.
Outro café. Segundo Guevara, corta uma planta de café, de acordo com o “pacote técnico” da Conservação Internacional. Cuida a floresta e mantém sua família. Crédito: © Foto por CI/Carmen Noriega
Também encontramos alucinantes orquídeas, que vivem escondidas nas ramas da floresta nublada. “Agora eu cuido essas árvores e meu café é melhor”, conta Guevara no meio de uma tarde ensolarada, apesar de alguns indícios de chuva. Sua conversão, de simples invasor para agricultor conservacionista, está ligada a um vantajoso “pacote técnico”.
Como explica Máximo Arcos, engenheiro da Associação de Ecossistemas Andinos – uma das organizações que colabora no projeto – se trata de dar aos produtores de café uma série de instrumentos que lhes permitam continuar cultivando café. Mas que, ao final, funcionam “a favor do Alto Mayo”.
O pacote implica, por exemplo, uma contínua presença de técnicos que assessoram Guevara para a poda do café no momento adequado (para evitar que a planta se esgote cedo), para não usar herbicidas, e para que busque alianças com espécies de árvores nativas, a través da agroecologia. Tudo isso para que, em total, não emigre em busca de mais floresta para derrubar.
Não é uma situação ideal, mas dada a carência – durante anos – de guarda-parques que pudessem frear a invasão desta área protegida, aparece como uma solução viável. Existem quase três mil famílias que moram dentro do Bosque de Proteção Alto Mayo, cultivando especialmente café, e ocupando o lugar de árvores que eles mesmos derrubaram. Mas 240 dessas famílias estão se reinventando.
A família de Segundo Guevara é uma delas: eles já não se mudam em busca de lugares para desmatar e plantar, e até foram beneficiados economicamente. De um hectare de café, graças ao pacote técnico, eles podem tirar até 50 sacos de 46 quilos (quintais) de café, que serão vendidos por pelo menos R$ 200 cada um.
O café, além disso, é o produto estrela da região peruana de San Martín. A produção, de acordo com o economista Dennis Pereyra, em declarações à agência Inforegión do Peru, pulou de 3.996 toneladas em 1995 para 48.548 toneladas em 2009. Grande parte é “café orgânico”, que se exporta à Bélgica, Alemanha e Estados Unidos, de acordo com a Gerência de Desenvolvimento Econômico do governo de San Martín.
Em toda a região são 27 mil as famílias que cultivam café, embora não todas o façam na lógica ambiental. Levando em conta que o 75% da mencionada região corresponde a áreas protegidas, a iniciativa de Conservação Internacional procura que não só o Bosque de Alto Mayo, mas todas as extensões de bosque possam alcançar padrões conservacionistas aceitáveis.
A região de San Martín, nos últimos anos, tem sido uma das regiões que mais se desenvolveu e reduziu a pobreza (60% em 2001, 35% em 2010, segundo o Instituto Nacional de Estadística e Informática). Mas também perdeu 230 mil hectares de florestas. O desafio parece ser o de alcançar o equilíbrio entre conservação e desenvolvimento.
De fato, ao redor de Tarapoto, a cidade mais comercial de San Martín, poucas são as manchas de bosques que ainda existem. O calor aumentou pela falta de cobertura vegetal, enquanto em outras zonas a presença de narcotráfico, e até alguns anos atrás, de grupos armados como o Movimento Revolucionário Túpac Amaru (1) provocaram impactos sociais e ambientais.
“É mais conveniente para mim agora”, diz Guevara, lembrando como migrou desde Cajamarca, vizinha região de serra. O simples feito de já não ter que se mudar em busca de sustento já é uma vantagem em custo e sofrimento, para ele. Para a floresta é um alívio porque não será mais violado; e um benefício para o Estado, às vezes incapaz de cuidar seus ecossistemas.
Que as árvores do Bosque de Proteção Alto Mayo continuem em pé tem, finalmente, uma utilidade indispensável para a população da região San Martín. Como explica Karina Pinasco, diretora da associação Amazônicos pela Amazônia, como precisão e sabedoria humana, a cobertura vegetal “conserva a água”, e faz que o ciclo vital continue.
Se a floresta é derrubada, a água não corre, e não alimenta o solo e as vertentes da zona, incluídos os rios. A perda é para todos, seres humanos, plantas, árvores, orquídeas. Também para as 420 espécies de aves, as 50 de mamíferos, ou as nove espécies de anfíbios e répteis que existem só nesta floresta.
No final da tarde uma linda “tangara de bufanda amarilla”, ave típica da região de nome científico Iridosornis reinhardti, parece cruzar o céu da floresta, ignorante das ameaças que rodeiam ela e esta selva. Os “acordos de conservação”, entretanto, começam a emergir como uma lenta esperança que vai chegando e abrindo espaço, como esse sol que, agora silencioso, aparece entre as nuvens de Alto Mayo.
(1) O MRTA era o Movimento Revolucionário Túpac Amaru, grupo que desde 1980 realizou atos de violência armada em Peru, e que teve intensa atividade na região de San Martín.
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