O seguinte título do artigo já explica tudo: “Enterro de árvore marca protesto contra corte de mangueira, no Amazonas”. O artigo relata que o corte de uma mangueira que arborizava a Praça do Largo São Sebastião, no Centro Histórico de Manaus, no dia 15 de setembro, continuava a gerar críticas dois dias mais tarde na capital. Um grupo de teatro encenou o “enterro da árvore”. Eles fixaram uma cruz preta e flores no local como sinal de protesto à ação da Prefeitura de Manaus.
Toda árvore é respeitável, ainda mais se é bela. Toda árvore contribui para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, quer seja fornecendo seus frutos a nós ou aos pássaros e outros bichos, quer seja abrigando gente ou animais do sol e da chuva, conservando o solo, ou fixando carbono que de outro modo, prejudicaria a nossa respiração ou agravaria o impacto das mudanças climáticas. Toda defesa das árvores é socialmente salutar. Não importa se a árvore é exótica, ou seja, estrangeira como a mangueira de Manaus, ou patrioticamente nativa como poderia ser uma castanheira do Pará ou o tão procurado mogno.
Não obstante, o pitoresco fato preocupa já que acontece em um estado e em uma região onde a cada ano se cortam, mutilam ou queimam centenas de milhares ou, melhor dito, milhões de árvores bem mais valiosas, mais belas, mais raras e mais brasileiras que a dita mangueira. E isso, embora seja muito bem conhecido, não gera expressões de pena ou de protesto popular e nenhum grupo teatral achou que isso poderia ser tema de uma obra, com ocasião do Dia da Árvore. Essa situação, um tanto paradoxal, se dá em muitas áreas urbanas de todo o país e nem é exclusiva do Brasil.
A inconsistência que revelam ambos os fatos é surpreendente. Os vizinhos da mangueira ou de outras árvores urbanas não conseguem trasladar sua raiva e pena pela morte de uma árvore ao fato, incomensuravelmente pior, representado pela eliminação, ano a ano, de milhões de hectares de florestas que, segundo a lei, também são deles e que, muito mais que a mangueira deste caso, contribuem para o seu bem-estar, fornecendo água limpa para a cidade, refúgio para a fauna, moderando o impacto da mudança climática, etc. Isso acontece inclusive ao redor de onde vivem, como no caso de Manaus.
Muitos dos que protestaram pela mangueira devem ser, assim mesmo, donos ou parentes de donos de sítios, chácaras ou até de fazendas, onde eles assistiram, sem protestar, a destruição da floresta e das matas ciliares. Que passa pela cabeça de um manifestante contra o corte de uma mangueira urbana, que não protesta contra a destruição de toda a Amazônia? Porque, para a maior parte dos cidadãos, é normal transformar as florestas em pastagem para gado ou plantios de soja e é inaceitável se fazer uma poda sanitária em uma árvore velha e possivelmente perigosa para a vizinhança?
Ilustre exótica, pobres nativas
“(…) podem substituí-la por outra, inclusive mais apropriada ao sitio, mais ecologicamente produtiva — as árvores velhas não capturam tanto carbono como as que estão em crescimento — e, sem dúvida, tão ou mais formosa além de emblemática de uma natureza amazonense”
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A primeira resposta que vem a cabeça é que se trata de uma questão de educação. Especialmente de educação ambiental, que além de escassa, é notoriamente mal orientada, não permitindo distinguir o que é importante do que é banal; que não provê capacidade para ver além do que está em frente aos olhos e, como neste caso, nem sequer isso. Com certeza os atores da encenação do funeral da mangueira nem sabem que essa espécie é originária da Ásia tropical, domesticada milênios atrás, que foi trazida ao Brasil pelos colonizadores portugueses e que ainda é extraordinariamente comum em todos os trópicos do planeta. Em termos ecológicos, a eliminação desse exemplar não tem nenhuma significância.
É evidente que os vizinhos dessa árvore podem sentir a sua falta, mas, também é verdade que podem substituí-la por outra, inclusive mais apropriada ao sitio, mais ecologicamente produtiva — as árvores velhas não capturam tanto carbono como as que estão em crescimento — e, sem dúvida, tão ou mais formosa além de emblemática de uma natureza amazonense que desaparece rapidamente. A defesa de uma mangueira decrépita sem pensar no contexto, é uma dentre muitas outras manifestações de uma distorção dos fatos, uma sorte de populismo ambiental que não saiu às ruas para defender o Código Florestal ou que nem sabe que este foi massacrado pelos empresários rurais e seus defensores no Congresso, à procura de caminho livre para continuar cortando árvores pelo país todo.
Embora eu mesmo, pessoalmente, possa sair na defesa de uma árvore urbana isolada, o faria unicamente se valesse a pena – por exemplo, um velho pau Brasil –, se a árvore estivesse sadia e, em especial, se sua pretensa eliminação for resultado do interesse particular mesquinho ou de erro técnico. Mas, na verdade, esses esforços e manifestações devem ser reservados para a arborização urbana, para a manutenção de parques urbanos e peri-urbanos com remanescentes de floresta nativa e, em todo caso, devem ser feitos em plena consciência que o problema mais sério, o telão de fundo, é o desmatamento em nível nacional.
É bem conhecido que essa classe de distorções, do que é realmente importante em termos ambientais, distrai e ocupa muito do precioso tempo dos escassos funcionários da área ambiental dos estados e dos municípios. Queixas dos vizinhos sobre latidos dos cachorros, ou cantos dos pássaros enjaulados, cortes ou podas de árvores, entre outros probleminhas inconsequentes, são o “pão de cada dia” dos técnicos ambientais que, ao atendê-los, deixam de lado temas transcendentes como a destruição de matas ciliares ou a contaminação do ar e da água.
Olhando por outro ponto de vista, há que parabenizar aos vizinhos e aos artistas da mangueira de Manaus. Eles, pelo menos, saíram da inércia, da complacência e atuaram na defesa do que eles consideraram ser justo e apropriado. Isso já é muito num contexto de tanta indiferença pelos problemas comuns. Apenas são convidados a ver além dos limites da cidade onde moram…
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