Tudo o que é orgânico faz bem. A agricultura tradicional é prejudicial à natureza. Orgânicos não usam pesticidas. Já ouviu alguma dessas “verdades absolutas”? Podem não ser tão absolutas assim. Os pesquisadores Verena Seufert, Navin Ramankutty e Jonathan A. Foley publicaram um artigo na revista Nature intitulado “Comparando os rendimentos da agricultura orgânica e convencional”, onde fazem uma metanálise comparativa de estudos prévios sobre os dois tipos de agricultura, levando em conta a performance de ambas.
O estudo é o segundo do gênero a ser publicado. O primeiro foi feito por outra equipe em 2007, que concluiu que a agricultura orgânica poderia superar a agricultura convencional, e foi severamente criticado devido à metodologia utilizada. Os autores do artigo da Nature levaram em conta as ressalvas ao estudo anterior, na esperança de evitar críticas semelhantes, e utilizaram em sua pesquisa 66 estudos onde foram comparados os rendimentos de 344 culturas diferentes.
Nesta amostragem, as técnicas convencionais superaram os métodos orgânicos em termos globais de rendimento. Em algumas circunstâncias, e entre algumas culturas, a disparidade é estatisticamente insignificante, mas também existem exemplos contrários. No geral, as diferenças de rendimento são contextuais, pois dependem das características do local e do sistema, e podem variar de 5% para os mais baixos rendimentos orgânicos; 13% para os mais baixos rendimentos quando as melhores práticas orgânicas são utilizadas; e 34% para os rendimentos mais baixos quando os sistemas convencionais e orgânicos podem ser comparáveis.
Com boas práticas de gestão, tipos de culturas específicas e condições de crescimento, os sistemas orgânicos podem quase coincidir com os rendimentos convencionais. Para estabelecer a agricultura orgânica como uma ferramenta importante na produção sustentável de alimentos, os fatores limitantes de bons rendimentos orgânicos precisam ser melhor compreendidos, ao lado de avaliações dos muitos benefícios sociais, ambientais e econômicos dos sistemas de cultivo orgânico.
Para os autores, os rendimentos em si são “…apenas uma parte de uma série de fatores econômicos, sociais e ambientais que devem ser considerados quando se faz uma avaliação dos benefícios dos diferentes sistemas de cultivo.” Este ponto muitas vezes é deixado de lado em discussões sobre qual a melhor maneira de produzir alimentos para abastecer o planeta.
Quaisquer métodos agrícolas causam impacto à vida de todos que compartilham o mesmo ecossistema. Eles podem poluir o meio ambiente ou fazer uso de produtos que podem se tornar poluentes; podem afetar o nível de nutrientes na comida e até mesmo a saúde dos trabalhadores rurais. Assumir que o melhor método de cultivo é aquele que possui os rendimentos mais altos é como observar um carro esporte ultrapassar uma bicicleta e, devido a isso, achar que ele deveria ser o único veículo do mundo.
O artigo afirma não só que a eficácia dos vários sistemas agrícolas depende do contexto, como também classifica a aparente dicotomia entre orgânicos e não-orgânicos como extremamente simplista. Os autores sugerem que a opção por sistemas híbridos deveria ser considerada em determinados contextos, principalmente quando se leva em consideração o problema da fertilidade da terra.
O estudo observa que muitos sistemas de agricultura orgânica são deficientes em nitrogênio, e que a produção nessas fazendas poderia ser beneficiada com seu uso. No entanto, muitas fazendas convencionais têm nitrogênio mais do que suficiente, graças à aplicação de fertilizantes químicos. Para os autores, o grande problema com o nitrogênio é o uso excessivo dado a ele, que faz com que o produto deixe resíduos no solo, penetre nas águas subterrâneas e escorra para riachos e lagos, promovendo a proliferação de algas e causando problemas na qualidade da água.
Há fontes orgânicas de nitrogênio, como o chorume e a compostagem, que também são responsáveis por adicionar matéria orgânica ao solo, o que é importante para a atividade dos micróbios e para a retenção de umidade no local. No entanto, essas fontes são bem mais trabalhosas e caras do que uma simples aplicação de nitrogênio químico.
Nos países em desenvolvimento, as fazendas analisadas no artigo possuem produção voltada à exportação, com certificação orgânica internacional. Os autores defendem que haja uma distinção entre os métodos de agricultura “orgânica intensiva”, que envolvem técnicas como compostagem, e a chamada agricultura de subsistência, que é praticada por pequenos produtores, e pode ser orgânica por padrão, devido à falta de recursos, mas não intencionalmente orgânica.
Na agricultura de subsistência, não há necessidade de certificação orgânica se não há pretensão de vender o produto a mercados orgânicos, mas de qualquer forma o uso dos métodos orgânicos pode melhorar o solo, conservar a água e resultar em melhores colheitas, além de render melhores resultados na época da seca. Há a hipótese de que a mudança da agricultura de subsistência para o cultivo orgânico intensivo fosse benéfica nos países em desenvolvimento, mas ainda não há resultados concretos a esse respeito.
Para os autores, a discussão mais importante vem adiante: os resultados ambientais decorrentes da agricultura convencional e os da orgânica. Nem tudo o que é orgânico faz bem à saúde e nem sempre a agricultura tradicional é a pior opção: tudo depende de quando e onde os alimentos estão sendo cultivados. Quando estes dados forem obtidos, haverá mais fervura no caldeirão do debate sobre a melhor maneira de produzir alimentos, pois poderemos obter mais pistas sobre as práticas que podem auxiliar melhor a produção em cada contexto específico.
Três mitos sobre alimentos orgânicos
A revolução verde é insustentável
Agricultura de rédea curta
Saiba Mais
Revista Nature (em inglês)
A fazenda do futuro é um sistema híbrido (em inglês)
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Qual o artigo de 2007 da revista Nature?