Marchas e protestos indígenas ocorreram nos últimos anos no Vale de Sibundoy, localizado no Alto Putumayo, na Amazônia colombiana. O motivo é a crescente preocupação com a construção de um trecho de estrada que faz pertence ao eixo multimodal Pasto – Mocoa – Belém do Pará. Este eixo é parte da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) e permitirá que o Brasil se conecte com o oceano Pacífico. Entretanto, a construção atravessa uma importante reserva natural da região.
O eixo unirá a cidade de Pasto (capital do departamento de Nariño, na região do Oceano Pacífico colombiano) com Mocoa (capital do departamento de Putumayo, na Amazônia colombiana) e com Puerto Assis (também em Putumayo). Dali, fará a ligação com a hidrovia do rio Putumayo, que, através do rio Amazonas, permitirá chegar até Manaus, Santarém, Belém do Pará e a costa atlântica brasileira.
O projeto inclui a construção de uma variante do desenho original da estrada. Com 47 km, ela parte de San Francisco e vai até Mocoa (Ambas em Putumayo). Esse é o trecho que está causando maior polêmica, já que põe em risco a Reserva Florestal Protetora da Bacia Alta do Rio Mocoa, com 34,6 mil hectares.
Não estamos falando de qualquer lugar. As florestas do Pé de Monte andino amazônico da Colômbia formam parte da Cordilheira Real Oriental e ocupam uma faixa entre os 300 e 3.500 metros de altitude. Segundo a organização WWF (World Wildlife Fund), são considerados os ecossistemas com maior densidade de riqueza de espécies em todo o chamado Complexo Ecorregional dos Andes do Norte. O Pé de Monte abriga 27 tipos de ecossistemas, onde vivem 977 espécies conhecidas de aves, 254 de mamíferos, 101 de répteis, 105 de anfíbios e é habitat do urso de óculos e da anta-de-montanha.
Nessa região, ainda estão comunidades indígenas que já viviam lá antes da conquista espanhola, entre elas os Camentsá, os Inga e os Cofanes, além de uma população camponesa.
Pela importância da região, antes do começo da construção, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) requereu vários estudos. Entre eles uma avaliação ambiental regional e um plano básico de manejo ambiental e social da Reserva Florestal Protetora da Bacia Alta do Rio Mocoa. “É a primeira vez no país que se realizaram estudos deste tipo sobre um projeto viário”, assegura um documento da WWF e da Fundação Equilíbrio chamado Além de uma via, construção da variante San Francisco – Mocoa.
Os arquivos históricos do projeto mostram que, quando começou a ser planejado, havia três alternativas diferentes da variante San Francisco. No entanto, de acordo com o texto, decidiu-se pela alternativa atual “por ser mais curta, estar na zona com menor precipitação e maior visibilidade, ter a menor taxa de desmatamento projetado e cortar menos rios ou riachos, além de ser a mais barata”.
O documento da WWF diz que, nesta variante, nos 35,5 km que cruzarão a Reserva Florestal da Bacia Alta do Rio Mocoa serão construídas 49 pontes para a passagem de fauna e 332 drenos para o controle das águas de chuva.
Povos indígenas
A construção da estrada prevê o corte de pelo menos 15 mil árvores em um território que os indígenas consideram sagrado, o que também pode causar deslizamentos no vale de Sibundoy
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No entanto, os estudos não calcularam outros efeitos derivados da construção da variante, como, por exemplo, o impacto pelo aumento da mineração. As comunidades locais temem que a estrada abra a porta para a exploração de minerais na região. “Só no Vale de Sibundoy há entre 18 e 28 concessões mineiras”, assegurou em entrevista ao ((o))eco o cacique Clemente Arturo Jacanamijoy Masiboy, ex-governador da assembleia indígena Inga Camentsa, do município de São Francisco. No Putumayo, há jazidas de ouro, bronze, zinco, chumbo e de materiais usados em construção.
Há mais de 50 anos se extrai petróleo no baixo Putumayo, “mas a riqueza foi para outros lados, e se a mineração continuar, nós, os índios, ficaremos só como espectadores”, disse o cacique diante das câmeras do cineasta Gustavo de la Hoz, no filme “Malvados ventos estão chegando”, que mostra a indignação dos indígenas contra a estrada. “Este caminho entre Pasto-Mocoa-Puerto Assis põe em risco a vida dos povos indígenas da região”, disse o cacique.
A construção da estrada prevê o corte de pelo menos 15 mil árvores em um território que os indígenas consideram sagrado, o que também pode causar deslizamentos no vale de Sibundoy que desaguarão no rio Mocoa, o qual, por sua vez, desemboca no rio Putumayo.
O projeto já está em andamento, apesar das comunidades locais não terem sido informadas a tempo e da falta de consultas. Por isso, além de mobilizações e protestos, os índios fazem uma campanha para divulgar os danos que ocorrerão na região. Eles também acionaram o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a instituição que financia o projeto. “Dependendo do que aconteça na Corte, iremos a outras instâncias internacionais. Já estamos trabalhando com juristas e conhecedores do tema”, afirmou o cacique Clemente Arturo.
O livro “Selva abierta“, da pesquisadora ambiental Margarita Flórez, mostra o risco de deslocamento das comunidades locais e conta que no entorno da estrada moram camponeses sem títulos de propriedade. Por isso, eles são vulneráveis à remoção. “A estrada é necessária porque a que existe tem uns dos maiores índices de acidentes no país”, afirma. Só entre 2012 e 2013, morreram 35 pessoas em 26 acidentes em uma rota de 148 km conhecida como Trampolim da Morte. O problema é que a comunidade local não foi levada em conta. “Temos que prestar atenção a este tema e à questão ambiental, que são coisas não resolvidas”, disse Margarita.
Integração
De acordo com a IIRSA, o objetivo da estrada é promover maior integração da rede viária e de transporte da Colômbia com os países vizinhos, Peru, Equador e Brasil, o que permitirá a consolidação do corredor multimodal Tumaco-Puerto Assís-Belém do Pará. Ele incrementará o comércio ao conectar as cadeias produtivas ao longo do seu percurso com os mercados mundiais.
Segundo o livro “Selva abierta“, este corredor multimodal estará integrado com outros corredores de infraestrutura de transporte dentro da IIRSA na Colômbia, como a estrada Pan-Americana, a estrada Central, o corredor de baixas alturas Caracas-Bogotá-Quito e outros. A iniciativa já é parte dos projetos prioritários do conselho de infraestrutura da Unasul (União das Nações Sul-Americanas).
Segundo informações da IIRSA, para a construção da variante San Francisco – Mocoa, o BID concedeu à Colômbia um crédito de até 203 milhões de dólares. O corredor Tumaco – Pasto – Puerto Assis teria um custo estimado de 404,8 milhões de dólares.
A documentação na IIRSA sobre a obra diz que o processo de planejamento e estruturação do projeto de construção da variante San Francisco – Mocoa, dos pontos de vista técnico e ambiental, foi considerado como um piloto para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura em zonas de alta biodiversidade e riqueza cultural.
Estudos insuficientes
Thimothy J. Killen trabalha no Centro para as Ciências da Biodiversidade Aplicada da organização Conservação Internacional. Segundo ele, “apesar das instituições financeiras [do projeto IIRSA] responsáveis pela iniciativa contarem com normas relativamente rigorosas de avaliação ambiental e social, essas análises estão relacionadas com projetos individuais e não levam em conta o impacto agregado dos vários investimentos”. E também, afirma, nem os efeitos de longo prazo causados pelas mudanças na agricultura, no manejo florestal, exploração de hidrocarbonetos, minerais e produção de biocombustíveis.
“Nenhuma avaliação ambiental, por exemplo, enfatizou a relação que existe entre a melhora de caminhos, aumento do desmatamento e emissões de carbono, nem sequer a forma em que o desmatamento afetaria os padrões locais e continentais de chuvas”, diz Killen no texto “Desenvolvimento e conservação no contexto da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA)” (disponível em PDF em inglês).
((o))eco tentou obter a versão do governo colombiano sobre o tema, mas não teve respostas nem do Departamento Nacional de Planejamento nem do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
*María Clara Valencia é jornalista freelance e professora de jornalismo na Universidade Tecnológica de Bolívar, em Cartagena das Índias. |
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