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Guiana Francesa: mercúrio põe em risco rios e saúde humana

Os pequenos garimpos despejam 10 toneladas de mercúrio em mais de mil quilômetros de cursos d´água do país para processar ouro ilegal

Johann Earle ·
11 de setembro de 2013 · 11 anos atrás
Os garimpos ilegais se multiplicaram e jogam 10 toneladas de mercúrio por ano nos rios da Guiana Francesa. Fotos: cortesia do Ministério dos Recursos Naturais e Meio Ambiente da Guiana.

Em 2012, um grupo de estudiosos publicou o artigo “A influência da mineração aurífera nos riachos da Guiana Francesa”, que mostra a rapidez da multiplicação dos locais onde ocorrem pequenos garimpos. A Guiana Francesa ainda tem perto de 90% de cobertura florestal. Mas, na última década, diz o documento, as pressões humanas provenientes da mineração de ouro e dos garimpos ilegais crescem exponencialmente e causa danos ambientais.

O estudo afirmou também que os garimpos estão localizados ao longo dos rios que, em decorrência disso, recebem todos os efluentes carregados de substâncias tóxicas como o mercúrio. A Agência Nacional de Florestas da França estima que a mineração de ouro afeta 1,3 mil quilômetros de cursos d’água bem como 12 mil hectares de florestas. O estudo diz ainda que, embora não haja um número preciso, estima-se que existam entre 500 e 900 garimpos ilegais no país. Por fim, revela que há ainda pouca informação sobre o impacto geral dessas atividades.

Toneladas de mercúrio

Segundo Laurent Kelle, gerente do país da WWF (World Wildlife Fund) nas Guianas, deve haver cerca de 10 mil garimpeiros ilegais agindo na Guiana Francesa. “Nosso receio é de que 10 toneladas de mercúrio ao ano [estão sendo despejados no meio ambiente] pelas práticas ilegais de extração de ouro”, disse. Ele estima que a Guiana Francesa perca cerca de 1.000 hectares de florestas ao ano devido à mineração, embora “cada vez mais, os garimpeiros tentem não danificar árvores para evitar serem notados pela vigilância aérea”.

Em 2006, o uso de mercúrio foi proibido na Guiana Francesa, mas isso não freou o uso ilegal. Embora a fiscalização tenha melhorado nos últimos quatro anos, diz Kelle, há brechas que permitem que o mercúrio continue a ser usado. Além disso, os garimpeiros criaram suas próprias trilhas nas florestas e, assim, conseguem se locomover com facilidade e fugir da fiscalização.

Contaminação desde a gravidez

Segundo Jordi Pon, da Unidade de Gerenciamento de Dejetos e Produtos Químicos do PNUMA (Programa das Nações Unidades para o Meio Ambiente), não raro os garimpeiros ilegais também manipulam o mercúrio em seus lares, expondo suas famílias. O mercúrio pode contaminar mulheres grávidas e aos seus fetos. Esses bebês podem já nascer com uma alta concentração do metal. “Quando os fetos estão se desenvolvendo, seu sistema nervoso pode ainda não estar bem desenvolvido”, disse Pon. O mercúrio pode passar para o feto no útero e, depois do nascimento, pela amamentação.

Pon disse a ((o))eco que “o uso do mercúrio na extração artesanal de ouro leva os garimpeiros a uma exposição direta. Eles frequentemente o fazem com as mãos nuas, sem qualquer proteção”. Nesse caso, os garimpeiros podem inalar o vapor de mercúrio, altamente tóxico.

Kelle, da WWF, explica os efeitos: “O principal risco do mercúrio é que ele penetra até o sistema nervoso e pode tornar as pessoas deficientes físicas”.

Perigo na água

Quando o mercúrio é despejado em rios pode se transformar noutro composto conhecido como metil-mercúrio. “Esta forma de mercúrio é capaz de se bio-acumular no meio ambiente e, em seguida, na cadeia alimentar”, alertou Pon. “A comunidade local é constituída, em muitos casos, de povos indígenas e suas práticas alimentares incluem um grande consumo de peixes. Às vezes, você verá que estas comunidades estão mais expostas do que os garimpeiros, pois estes últimos possuem hábitos alimentares diferentes… não consomem tanto peixe quanto os indígenas”.

As comunidades onde ocorre a mineração ilegal já foram alertadas para evitar o consumo de peixes pela concentração de mercúrio. “Mas as pessoas continuam a pescar e a consumir esses peixes, portanto essa política não é uma solução”, disse Kelle.

Os garimpos ilegais se multiplicaram e jogam 10 toneladas de mercúrio por ano nos rios da Guiana Francesa.

Aumento da Malária

A mineração ilegal está favorecendo a proliferação da malária nos vilarejos devido à crescente presença de garimpeiros. De acordo com um estudo feito pela Université des Antilles et de la Guyane, a malária é um dos maiores problemas de saúde pública na Guiana Francesa.

Estima-se em cerca de 3.800 casos agudos a cada ano e que a maior parte dos contágios aconteça no interior do país, ao longo dos rios do interior do país. As áreas costeiras, onde vive 75% da população, são praticamente livres da transmissão da doença.

Fiscalização das fronteiras

Laurent Kelle expressou sua preocupação sobre a ajuda internacional no combate à mineração ilegal: “os outros países parecem não querer cooperar. Já se passaram quatro anos desde que um acordo foi firmado entre a França e o Brasil, mas ele não foi ainda ratificado pelo Brasil”.

Ele acredita que a falta de ratificação do acordo entre a França e o Brasil permite a fuga dos garimpeiros para países vizinhos quando as forças francesas se mobilizam para reprimir a mineração ilegal na Guiana Francesa.

Os garimpos ilegais se multiplicaram e jogam 10 toneladas de mercúrio por ano nos rios da Guiana Francesa.

Preço do ouro

“Temos que levar em conta a importância da mineração de ouro nessa área como forma de subsistência para as populações rurais que não possuem outra fonte de renda”, disse Kelle. A alta dos preços do ouro também impulsiona essa situação. “Os preços têm aumentado tanto nos últimos anos que as atividades mineradoras se tornaram uma nova corrida do ouro. Ou seja, há fatores tanto sociais como econômicos a serem considerados”.

Excesso de leis aumenta ilegalidade

Em 2011 o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP) produziu o trabalho “Mineração de Ouro em Pequena Escala nas Regiões Transfronteiriças do Brasil, Suriname e Guiana Francesa – Questões Socioambientais”. De acordo com ele, parte do problema são as rígidas leis de mineração. O relatório disse que não faz sentido desenvolver regras ou orientações que são tão rígidas ou complicadas que os garimpeiros não têm como atendê-las. “É o caso da Guiana Francesa, onde das cerca de 100 operações legalizadas de mineração, somente umas 20 estão ativas. Normas rígidas demais não somente estimulam a desobediência como impulsionam os garimpeiros para a ilegalidade”, diz o relatório.

Ele também afirma que Brasil, Guiana Francesa e Suriname deveriam trabalhar juntos “para desenvolver políticas públicas e ações que apoiem a reintegração dos garimpeiros que desejam encontrar fontes alternativas de geração de renda, incluindo aqueles que foram expulsos da Guiana Francesa”.

 

 

Saiba Mais
A influência da mineração aurífera nos riachos da Guiana Francesa (em inglês)
Mineração de Ouro em Pequena Escala nas Regiões Trans-Fronteiriças do Brasil, Suriname e Guiana Francesa – Questões Socioambientais – UNEP (em inglês)

 

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