Estamos a menos de um mês da 20ª edição da Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-20), que acontecerá em Lima, no Peru, em dezembro. Um dos debates que o evento deve acolher se refere aos pagamentos por serviços ambientais, que são uma forma de atribuir valor aos ecossistemas e aos benefícios que estes prestam à sociedade. No Brasil, o Acre é o estado brasileiro com a regulamentação mais avançada na área. Criado em 2010, o Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais do Acre (Sisa) remunera quem trabalha em prol da conservação das florestas e valoriza os ativos florestais através de incentivos econômicos fiscais e de oferta de crédito para cadeias produtivas sustentáveis. A iniciativa acreana foi acompanhada e apoiada pelo WWF (World Wildlife Fund). Cláudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva, do WWF, acompanha desde 2011 os projetos de desenvolvimento sustentável na região. Maretti também é membro do Conselho Mundial da União Internacional de Conservação da Natureza (UICN).
Segundo Maretti, “o que é importante é que sejam reconhecidos os serviços do ecossistema e que isso seja valorizado e compensado. Valorizar não significa atribuir valor, mas reconhecê-lo, em um sentido além do econômico”. Ele também critica a falta de políticas públicas a longo prazo, em vez de remendos dispendiosos para ganhar votos em quatro anos.
Em entrevista exclusiva ao ((o))eco, por telefone, ele ponderou sobre questões que giram em torno do pagamento por serviços ambientais.
Qual o papel do pagamento por serviços ambientais como forma de minimizar as mudanças climáticas? Isso estará na pauta das discussões da COP?
“(…) as florestas são o mecanismo mais rápido e mais barato de reduzir as emissões, através da redução do desmatamento e da degradação ambiental.”
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O pagamento por serviços ambientais dentro da convenção de mudanças climáticas é reconhecido através do REDD (Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação florestal) e essa redução já está regulamentada. O mercado do crédito do carbono é um desses serviços de ecossistema, mas não é só isso, porque ele também implica em você colocar um filtro numa fábrica termoelétrica e diminuir suas emissões. Portanto, você reduz a quantidade de carbono que iria para a atmosfera e depois tem um crédito no seu orçamento sobre limite de emissão possível. Isso volta para o ecossistema quando você percebe que as florestas são o mecanismo mais rápido e mais barato de reduzir as emissões, através da redução do desmatamento e da degradação ambiental.
A COP de Lima avançará nessa direção?
Na COP anterior, em Varsóvia, na Polônia, o funcionamento desses mecanismos de redução, em grande parte, já foi incorporado, mas os mecanismos de mercado não foram detalhados, e é possível que avancemos um pouco nessa frente. Os ecossistemas têm também a função de ajudar na adaptação a um contexto climático inevitável. As mudanças climáticas geram chuvas mais concentradas, por exemplo. Existem duas formas de evitar as enchentes. Uma delas é fazer obras para evacuar mais rapidamente essa água; essa solução costuma transferir o problema de um local para o outro e não eliminá-lo. A outra solução é diminuir a velocidade da enchente e a ocupação das zonas de risco. Através da ocupação do solo com a conservação dos ecossistemas você reduz a força dessas águas, que são absorvidas pela floresta e pelas áreas menos impermeabilizadas da bacia. Essa ocupação do solo e a preservação da floresta que permite a absorção e a retenção das águas seria uma lógica de adaptação baseada nos ecossistemas.
O que estamos esperando para a COP é que seja regulamentada a parte do REDD fora dos mecanismos de mercado, que haja dinheiro disponível para a redução das emissões por desmatamento e que haja dinheiro disponível para privilegiar a adaptação baseada em ecossistema.
Como funciona o pagamento por serviços ambientais?
Os serviços dos ecossistemas, ou os serviços ambientais, como a gente costuma chamar no Brasil, em primeiro lugar, devem ser reconhecidos . Quando temos a poluição de um rio, alguém vai pagar esse custo, mas a empresa que polui pode não considerar um problema dela e externalizar esse custo de volta para sociedade. Então é fundamental que os serviços dos ecossistemas sejam considerados dentro de uma visão econômica integral. Existem pelo menos duas posições predominantes em discussão na sociedade hoje. Uma delas diz que a melhor forma de fazer isso é colocar preço. É a forma de internalizar os custos e os benefícios que um ecossistema nos presta. Então, por exemplo, a gente quantificar quanto vale o papel de uma floresta protegendo a regularidade hídrica de uma bacia hidrográfica. Essa precificação pode levar ou não a um mecanismo de mercado. Quando se fala em pagamento por serviço de ecossistema logo se subentende um mecanismo de mercado, como é o crédito de carbono, por exemplo, que emite documentos que reconhecem que alguma instituição reduziu emissões de carbono. Em seguida, ela vende esse direito de ter reduzido as emissões numa bolsa de valores, para quem polui mais poder abater suas emissões.
Essa é a única maneira?
“Valorizado não significa atribuir valor, significa reconhecer o valor, a importância, o valor no sentido mais amplo, não só econômico.”
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Não. Hoje em dia, estamos vendo que a melhor forma de haver uma compensação financeira pelos serviços de ecossistemas é, também, por mecanismo intergovernamental. Como por exemplo, a Noruega doando recursos ao Brasil para estimular os esforços na redução do desmatamento. Há um custo econômico independente de estarmos numa economia capitalista. Esse custo, nessa visão econômica integral, evita a externalização desses custos por empresas, indústrias, fazendas que repassam as consequências para a sociedade. Mas as soluções para esse fim podem ser através da precificação ou não, podem ser através dos mecanismos de mercado ou não. Pode ser através da consideração de que um bem da natureza é de valor econômico intangível. Ou pela cooperação governamental. Para a WWF, qualquer uma dessas opções é válida. O que é importante é que sejam reconhecidos os serviços do ecossistema e que isso seja valorizado e compensado. Valorizado não significa atribuir valor, significa reconhecer o valor, a importância, o valor no sentido mais amplo, não só econômico.
Qual o benefício do sistema de pagamento por serviços ambientais na situação atual?
Quem desmata a Amazônia não paga os custos da consequência desse desmatamento. O que acontece hoje em dia é um problema porque é privatizada a vantagem de desmatar a Amazônia, porque eu posso numa área desmatada produzir gado, vender carne. Do outro lado, o custo de desmatar a Amazônia é socializado. Quem que sofre com as enchentes e com as secas? Principalmente os mais pobres. Se o Estado fizer uma obra de contenção dessas enchentes, quem vai pagar isso é a sociedade toda. E isso foi causado por quem consumiu mais petróleo, por quem desmatou mais. E quem consumiu mais petróleo e desmatou mais não está pagando esse preço de uma forma equivalente. Então, se a gente atribuir, entender o valor que está envolvido nisso, começamos a mudar a situação.
Mas como calcular esse valor sem precificar bens naturais?
Eu acho que a Amazônia tem um valor impossível de calcular, mas ao mesmo tempo, ela tem um valor que é aproveitado pela sociedade. E, de certa forma, não é pago. A chuva que permite a plantação de soja e de cana na região da Mata Atlântica e no Cerrado, é por causa da umidade que vem da Amazônia. Mas na hora que eu vou comparar a atividade econômica da Amazônia entre o gado, que desmata e prejudica esse fluxo de umidade, e o manejo florestal sustentável, que corta de forma seletiva a madeira e mantém a floresta com suas funções, o ativo econômico da madeira perde pro gado. Então, se eu não intervier aí, eu posso perder a floresta porque o mercado prefere desmatar, porque ganha mais dinheiro desmatando e botando gado. Reconhecer os serviços de ecossistemas, atribuir um valor, não é necessariamente precificar, mas atribuir um valor econômico.
O conceito de pagamentos por serviços ambientais é pouco conhecido, incluindo a experiência pioneira do Acre. Como difundir a ideia?
“(…) as pessoas só pensam em construir mais uma barragem, fazer mais uma transposição, criar uma usina de dessalinização, em vez de proteger a Floresta Amazônica.”
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Sem dúvida nenhuma, ainda falta esse debate. O estado do Acre é um dos mais avançados do mundo. Lá, eles fizeram um debate mais integrado e, com apoio da WWF, criaram uma política estadual que paga a quem cuida da diversidade, água e outros benefícios que o ecossistema nos presta. Porém, ainda falta mercado, não existem compromissos fortes decididos em nível global ou pelos países. Se o Brasil tomar para si uma decisão de reduzir as emissões de forma mais drástica, ele pode criar um mecanismo interno para que as indústrias de São Paulo e Rio de Janeiro possam ajudar a viabilizar o mercado de serviços ambientais no Acre. Se não houver isso, a economia do Acre fica dependente da boa vontade de uma ou outra empresa.
Então, sim, falta debate e compreensão. Se o Acre não consegue mais investimentos para reduzir o desmatamento, quem paga é o próprio Acre, mas também São Paulo, que recebe menos chuva e sofre com a seca. Entretanto, as pessoas só pensam em construir mais uma barragem, fazer mais uma transposição, criar uma usina de dessalinização, em vez de proteger a Floresta Amazônica.
A Agenda de Seguridade da Amazônia serve como um pré-mapeamento do valor da Amazônia?
A Agenda de Seguridade da Amazônia se divide em quatro temas: seguridade hídrica, energética, de saúde e alimentar; e através do seu comitê assessor que tem representantes dos governos dos cinco países onde ela está mais focada (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru) , que são os principais países amazônicos. Eles escolheram a seguridade hídrica como a mais importante, porque condiciona as outras todas. Ter consciência de que a Amazônia presta esse serviço é fundamental para a maior parte dos países. O professor Antonio Donato Nobre apresentou no Encontro Panamazônico a importância dos rios voadores, que trazem a umidade da Amazônia pro Centro-Sul do país, e condicionam as chuvas num quadrilátero que vai mais ou menos de Cuiabá à Buenos Aires, que abriga cerca de 70% do PIB da América do Sul. A WWF está procurando parceiros no Brasil para avaliar o quanto custa a gente não ter essa agenda de seguridade hídrica, que é o custo da possível falta de água ou de geração hidrelétrica no Centro-Sul. Este custo é indireto e não precificado, mas poderia claramente pagar o custo de oportunidade do não desmatamento da Amazônia.
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