Reportagens

O desafio de melhorar a gestão dos sistemas costeiros e marinhos

Governo tem como meta realizar o ordenamento da atividade pesqueira no Brasil e expandir as áreas protegidas marinhas e costeiras.

Maurício Thuswohl ·
10 de março de 2015 · 10 anos atrás

Praias de Boqueirão e Bitingui, em Japaratinga. Foto: Costa dos Corais Convention e Visitors Bureau
Praias de Boqueirão e Bitingui, em Japaratinga. Foto: Costa dos Corais Convention e Visitors Bureau

Em entrevista exclusiva concedida ao ((o))eco alguns dias antes do início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, a ministra Izabella Teixeira apontou a gestão dos sistemas costeiros e marinhos como um dos grandes desafios do Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2015. O objetivo do governo é realizar ainda este ano o ordenamento da atividade pesqueira no Brasil, complexa tarefa que tentará equacionar os interesses do setor pesqueiro industrial, a sustentabilidade da pesca artesanal, a preservação dos ecossistemas e espécies ameaçados e a recuperação dos estoques de espécies de alto valor econômico, muitas delas em estado crítico, segundo a Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção.

O ordenamento pesqueiro será realizado pelo MMA e pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), em um sistema de gestão compartilhada: “Vamos colocar o ordenamento pesqueiro em um patamar com bases mais sólidas e duradouras, para termos resultados tanto em termos de recuperação de espécies ameaçadas que estão em declínio populacional quanto para a viabilidade social e econômica da pesca”, diz Roberto Galucci, gerente de Recursos Pesqueiros do MMA. Segundo ele, o ordenamento permitirá “uma gestão pesqueira pautada no conhecimento científico e no conhecimento tradicional, num suporte de informações de monitoramento de pesquisa e de contribuição dos diversos segmentos que estão relacionados à pesca, de pescadores artesanais a industriais”.

O governo aposta que a dificuldade em aliar interesses díspares será vencida pelo sistema de gestão compartilhada. Há o desafio de colocar em execução uma série de comitês de gestão da pesca que serão assessorados por subcomitês científicos: “Por meio desses comitês, onde participarão tanto o setor industrial quanto o artesanal, além de outras instituições da sociedade, como, por exemplo, ONGs de meio ambiente, serão feitas recomendações para as medidas de ordenamento. Com a avaliação por parte dos subcomitês científicos, essas medidas podem ser recomendadas e encaminhadas para aprovação dos ministros e posterior publicação”, diz Galucci.

Em curto prazo, diz o técnico do MMA, estão sendo revistas as normas gerais para o funcionamento dos comitês e demais colegiados do sistema: “Estão sendo revistas também estratégias para produção de informações e monitoramento que permitam gerar dados para a base científica de decisão. Nesse sentido, o MPA tem anunciado a retomada da estatística pesqueira nacional. O MMA, por meio dos centros de pesquisa do Instituto Chico Mendes (ICMBio), vai continuar avaliando o estado de conservação das espécies marinhas. Outras medidas, como a produção de dados científicos, são de médio e longo prazo”.

“Nos últimos 30 anos muito pouco tem sido feito pela conservação marinha no Brasil”, diz Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservação Internacional Brasil, para quem a ministra “foi muito feliz em reconhecer esse desafio, já que uma das áreas em que talvez a gente tenha avançado menos na agenda de conservação do país é a conservação costeira e marinha”. O ambientalista avalia que esta não é uma agenda fácil: “É uma agenda intrincada que vai requerer que a gente pense em novas formas de proteção para dar conta do desafio costeiro-marinho. Nesta área está concentrada mais de 80% da população brasileira, há pressão econômica pela atividade turística e pelo crescimento das cidades costeiras, mas também por outras atividades econômicas como a pesca, a carcinicultura, o petróleo, a mineração costeira, que vai começar forte agora, e todo o transporte de carga. É preciso desenvolver uma estratégia que dê conta de responder a isso”.

Medeiros afirma que, no que diz respeito às áreas costeiras e marinhas, o Brasil está na contramão dos compromissos assumidos nas Metas de Aichi de preservação da biodiversidade: “O Brasil se comprometeu a atingir até 2020 a marca de 17% de território protegido em área terrestre e 10% em área marinha. No entanto, apenas 2% da nossa costa, de nosso litoral, é protegido sob alguma forma de Unidade de Conservação. Realmente é muito pouco, dada a importância da proteção dos ecossistemas costeiros e marinhos para o enfrentamento às mudanças climáticas”, diz.

Zonas de exclusão

O vice-presidente da Conservação Internacional Brasil considera fundamental o ordenamento da atividade pesqueira: “O que acontece hoje com a pesca mal planejada, a sobrepesca, o esgotamento dos estoques pesqueiros e a ameaça aos corais é um caso muito similar ao que aconteceu na Amazônia há 30 anos. Muito claramente, a gente precisa, além de uma estratégia de proteção, dialogar com esses diferentes desafios”.

Medeiros diz ser preciso um melhor conhecimento sobre como é feita a atividade da pesca, seja ela industrial ou artesanal, e de que maneira o conhecimento sobre os estoques pesqueiros e a biologia das espécies podem ajudar o país a desenvolver melhores planos de gestão e de manejo dos estoques: “Dada a escassez de informação e a situação crítica em que hoje algumas espécies de importância econômica se encontram no Brasil, teremos que adotar em algumas situações e em alguns lugares medidas de restrição e até de no taking zone (não pesca), que não serão definitivas e permitirão a recuperação dos estoques pesqueiros. Seja tradicional ou industrial, a pesca vai ter que seguir algumas regras bem definidas de gestão para garantir tanto a manutenção de uma atividade econômica relevante quanto a manutenção do estoque”.

Áreas de Preservação

Para o Ministério do Meio Ambiente, outro elemento fundamental para a gestão é a efetiva proteção das áreas de preservação costeiras e marinhas: “Onde existe estoque de peixes, onde tem recurso biológico se reproduzindo em estoque, é nas áreas protegidas. É preciso ampliá-las para proteger a pesca e assegurar o estoque peixeiro”, diz a ministra Izabella Teixeira, citando como exemplo experiências exitosas em Santa Catarina: “A tainha hoje só é encontrada em Santa Catarina. No Rio de Janeiro e no Espírito Santo você não pesca mais, acabou. O mesmo com outras espécies como o congro e o pargo”.

Roberto Galucci diz que resultados já estão sendo obtidos: “As áreas de proteção marinha, seja por meio de Unidades de Conservação ou áreas de exclusão de pesca, já têm mostrado vários resultados para a recuperação do estoque pesqueiro, o aumento da produtividade, a conservação das espécies e a manutenção do equilíbrio ecológico local”, diz. Ele cita como exemplos de “experiências já relatadas e bem sucedidas” a área de exclusão de pesca da APA Costa dos Corais, no litoral de Alagoas e Pernambuco, e a Reserva Extrativista Marinha de Corumbau, no litoral da Bahia. Há também áreas de manejo e proteção de lagos na Amazônia por meio de acordos de pesca: “Essas áreas são indiscutivelmente importantes e já têm toda uma comprovação científica em termos de resultados positivos – ambiental, social e economicamente – para a produção pesqueira”.

Galucci não revela quais serão as próximas UCs marinhas ou costeiras propostas pelo MMA: “O que nós já temos é uma identificação, que vai ser atualizada, de áreas de importância para a biodiversidade aquática por meio das Áreas Prioritárias Para Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade. Isso vai nos indicar áreas de importância, que poderão ser regulamentadas por meio de medidas de ordenamento. A ideia é compor com outras medidas que têm de ser discutidas com o MPA, como o controle de petrechos, as temporadas de pesca e o controle das frotas”, diz.

Espécies ameaçadas

As reações contrárias de diversos setores da pesca nacional às tentativas feitas pelo governo de preservar espécies dá uma medida das dificuldades inerentes à execução de um ordenamento pesqueiro no Brasil. Além da habitual pressão exercida pelas empresas de pesca industrial, a oposição vem também de pescadores artesanais. Logo nos primeiros dias do ano, pescadores bloquearam por 30 horas o canal de entrada para o Porto de Itajaí (SC) para pedir a retirada de 80 espécies marinhas – de um total de 475 – que tiveram a pesca proibida por uma portaria do MMA.

“Pelo menos 25 embarcações autônomas, que atendem à indústria da pesca de Itajaí e empregam vários pescadores, terão de parar se forem impedidas de capturar espécies como cação, cherne e garoupa”, disse, na ocasião, Manoel de Maria, presidente do Sindicato dos Pescadores de Itajaí. Para por fim à crise, o governo criou um grupo de trabalho com os pescadores para rediscutir a portaria.

Outra reação emblemática a uma decisão do governo ocorreu no Amazonas, com a revolta dos pescadores contra a moratória de cinco anos determinada para a pesca da piracatinga, espécie necrófaga – pouco consumida no Brasil, mas muito apreciada em outros países da América do Sul – que é pescada com pedaços de carne de boto, espécie ameaçada de extinção. O Sindicato dos Pescadores do Amazonas divulgou nota afirmando que a moratória, que entrou em vigor no primeiro dia do ano, deixaria sem renda cerca de 70 mil pescadores que vivem da captura de uma média de 15 toneladas anuais de piracatinga no trecho do Alto Solimões: “Em vez de uma moratória tão longa, o governo deveria ensinar aos pescadores como pegar a picaratinga sem matar o boto”, diz Ronildo Palmere, presidente do sindicato.

Incluído na Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, divulgada pelo governo em dezembro do ano passado, o boto, segundo o MMA, já teve sua população reduzida em 10% por influência da pesca da piracatinga. Ao todo, a lista classifica como ameaçados 353 espécies de peixes ósseos (310 de água doce e 43 marinhos) e 55 espécies de peixes cartilaginosos (54 marinhos e um de água doce). Ao todo, foram analisados 4.507 peixes, sendo 3.131 de água doce.

“A Lista de Espécies Ameaçadas é um diagnóstico que visa orientar as políticas de conservação e, principalmente, de recuperação das espécies que mostram, em um grau maior ou menor, um declínio populacional. Aquelas que mostraram um declínio maior ou uma maior perda de sua área original foram classificadas como criticamente ameaçadas e daí em diante, seguindo as categorias de ameaça. Esse diagnóstico não é o resultado final, ele é um relatório de uma situação que mostra que é preciso tomar medidas adicionais por parte do poder público, com o MMA coordenando essas políticas de recuperação das espécies”, diz Galucci.

 

 

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